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Imagens em fluxo: uma perspectiva da videodança

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

IMAGENS EM FLUXO:

UMA PERSPECTIVA DA VIDEODANÇA

Adriano André Rosa da Silva

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Adriano André Rosa da Silva

IMAGENS EM FLUXO:

UMA PERSPECTIVA DA VIDEODANÇA

Trabalho de Conclusão de Curso,

apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, orientado pela docente Prof.ª Dr.ª Patrícia Leal do CCHLA / DEART, sob a coordenação do Prof. Dr. Marcos Bragato, como parte dos requisitos necessários para obtenção de nota na conclusão do 8º período do Curso de Licenciatura em Dança da UFRN 2018.2

NATAL/RN 2018.2

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Adriano André Rosa da Silva

IMAGENS EM FLUXO:

UMA PERSPECTIVA DA VIDEODANÇA

Trabalho de Conclusão de Curso à apresentado a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das exigências para a obtenção do título de Licenciatura em Dança.

Natal, ____ de _____________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Patrícia Leal

ORIENTADORA

________________________________________ Prof.ª Dr. Guilherme Schulze

EXAMINADOR

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Regina Johas

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AGRADECIMENTOS

A Minha mãe Andrea Patrícia por ter me dado força e acompanhado a feliz caminhada dos meus sonhos para superar as dificuldades. A esta Universidade, e seu corpo docente, direção e administração que oportunizaram a janela que hoje vislumbro um horizonte superior, que me deu mecanismo de perceber o corpo e sua poesia através da prática contemplativa do meu eu em ligação com outro.

A minha orientadora Profa. Dra. Patrícia Leal, que sem dúvida, me impulsionou com sua poesia e voz, a essa pesquisa, ao Profe. Dr. Guilherme Schulze, seu apoio e carinho, E também, em especial, a Profa. Dra. Regina Johas por abraçar este texto cheio de dança e devaneio. Aos meus amigos, pelo amor, incentivo e apoio incondicional. Ao meu namorado Marcondes que meu deu suporte na correria do dia a dia. Ao meu grande amigo Rafael Oliveira e seu apoio durante o processo da escrita deste TCC. E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta a construção de uma videodança, tendo como referência os dois livros do filósofo e poeta Gaston Bachelard: ​A Poética do Espaço e A Água e os Sonhos: Ensaio Sobre a Imaginação da Matéria. Esta, por sua vez, se constitui no movimento do corpo e na linguagem da improvisação em interface com a câmera do celular, em um diálogo criativo através da imaginação na captura das imagens em fluxo. Sendo assim, teremos o processo Amorfo como resultado da pesquisa que será composto por duas videodanças:Hidromancia e Corpo Onírico. Na produção das imagens em fluxo na perspectiva da videodança, o devanear cria uma relação orgânica entre o olhar e a tela do celular que dança em fluência ao movimento do corpo. A câmera não é apenas um material de registro, ela propõe um diálogo durante o processo de gravação e edição das imagens que, de forma poética, cria uma relação interdisciplinar e expressiva como meio de comunicação, entre dança e tecnologia. Utilizando o aparelho celular como meio de captura de imagens artístico. É possível perceber um leque de circunstâncias imagéticas, sígnicas e estéticas nos espaços, e nos corpos dos intérpretes no cenário urbano da cidade do Natal. Relacionando simultaneamente tempo-espaço-improvisação durante o processo de filmagem, coexistiu a relação entre os corpos dos e do coreoeditor, registrando um único movimento no espaço. Este trabalho é de caráter experimental que, por referência vanguardista, utiliza dois filmes da ucraniana Maya Deren (1917; 1961), para discutir os processos de edições das imagens, na relação tempo-espaço fora das narrativas lineares. Norteada pelas três dimensões do professor Guilherme Schulze (UFPB, 2010): a dimensão primária se refere ao contexto e ao corpo, além de qualquer fato visual físico percebido em estado de dança; a dimensão secundária é percebida por meio do material capturado nos diferentes planos cinematográficos ou videográficos utilizados pela câmera, incluindo planos e sequência, caracterizados pelo movimento com relação aos elementos da dimensão primária; a terciária se refere à estrutura visual criada após a captura durante a edição e outras transformações de pós-produção.

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ABSTRACT

The present work introduces a construction of a videodance, having as reference the two books of the philosopher and poet Gaston Bachelard: ​The Poetics of Space and Water and Dreams: Essay on the Imagination of Matter . The latter, in turn,1 2 constitutes the movement of the body and the language of improvisation in interface with the camera of the smartphone, in an alternative movement of the imagination in the capture of the images in flow. Thus, we will have the process of obtaining the result of the research that will be composed by two videodance: Hidromancia and Corpo Onírico. The production of flowing images in the perspective of videodance, the development of a bioethical interface between the gaze and the screen of the cellular that dances in the flow of movement of the body. The camera is not only a recording material, it does a dialogue during the process of recording and editing images, poetically, an interdisciplinary relationship and expression as a means of communication, between dance and technology. Using cellular protocol as a means of artistic registration. This content is this the imaginary, sygnicians and esthetic in spaces, and the body of the entertainment of interest in Brazil. Relating time-space-improvisation during the filming process, a relationship existed between the bodies of the videomaker and the performers, recording a unique movement in space. This work is of an experimental nature that, using avant-garde reference, uses two films from the literature like Maya Deren (1917; 1961), for the processes of image editing, in the time-space relation for linear narratives. Guided by three dimensions of Professor Guilherme Schulze (UFPB, 2010): a primary dimension for the body and for the body, in addition to any other aspect visibly perceived in a state of dance; the secondary dimension is perceived by means of the material captured in different cinematographic planes or videos for the camera, including plans and sequences, in order to show the main movements of the primary word; the tertiary refers to the visual structure created after a capture during editing and other post-production transformations.

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Keywords​: videodance; space-dody; poetic; devague; daydream; improvisation.

1Tradução de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal 2Tradução de Antônio de Pádua Danesi.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Silva, Adriano André Rosa da.

Imagens em fluxo : uma perspectiva da videodança / Adriano André Rosa da Silva. - 2018.

37 f.: il.

Monografia (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Licenciatura em Dança, Natal, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Patrícia Leal.

1. Videodança. 2. Corpo-espaço. 3. Poética. 4. Devanear. 5. Improvisação. I. Leal, Patrícia. II. Título.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO​​……….8

A HISTÓRIA DA VIDEODANÇA​​………...10

A videodança no Brasil………...11

O CINEMA EXPERIMENTAL DE DEREN​​……….12

CRIAÇÃO DE IMAGENS POÉTICAS​​………....17

A poética do devanear consciente na videodança………...18

Filmagem em fluxo: o devanear da câmera……….20

AMORFO​​…………..………...22

Em três dimensões: hidromancia………..…..………...25

Em três dimensões: corpo onírico………..………..………...28

CONSIDERAÇÕES FINAIS​​………...………..………....30

REFERÊNCIAS​​………...………..….32

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INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda brevemente o contexto da construção histórica da videodança e seus diversos diálogos com as outras linguagens. No cinema, a câmera era testemunha e não tinha uma interação com a intérprete, fazendo um registro associado ao mercado de entretenimento, o que podemos ainda perceber na atualidade. Sua chegada ao Brasil como forma de manifestação política das artes era atribuída à videoarte e a relação da câmara com a intérprete se dava no nascimento do movimento vanguardista do cinema experimental.

A videodança, dentro do fazer artístico contemporâneo, se caracteriza como uma manifestação investigativa e receptiva às diferentes experimentações, formatos e resultados estéticos, características essas proporcionadas pelo legado que carrega das instâncias artísticas que a constitui.

Como manifestação artística interdisciplinar, a videodança está marcada pelas incertas especificidades do vídeo e pelas necessidades expressivas e inquietações dos realizadores da chamada dança contemporânea, na busca de novos meios de apresentar o corpo, a imagem e o pensamento sobre esse corpo que se move artisticamente.

Segundo Schulze (2010) ela pode ser caracterizado como “um sistema híbrido”, que reúne códigos diferentes “parte importado do cinema, parte importado do teatro, da literatura, e mais modernamente da computação gráfica”, com todos os seus “recursos expressivos específicos” e intrínsecos, facilidades tecnológicas e características estéticas. Neste artigo, a videodança é uma expressão movida pelo estado de devaneio que se deixar invadir pela filosofia bachelardiana, através da fenomenologia da imaginação.

A filmagem em fluxo parte da poesia da captura de imagens em movimento a partir do celular, tendo como referência os livros do poeta e filósofo Gaston Bachelard (1884 - 1962): A Poética do Espaço (1978) e A Água e os Sonhos: Ensaio Sobre a Imaginação da Matéria (1997) . Mantenho uma relação com a pesquisa de Leal (2017) que se dá através da poesia e prosa que, na escrita refletem uma sensibilidade no estado de atualidade que transporta a sensação ao leitor.

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Utilizo Leal (2009) como condutora da criação das imagens em improvisação que ocorrem durante o processo de captura de imagem em diálogo entre o intérprete e o coreoeditor. Nesta pesquisa, ocorre uma difusão entre o corpo e a câmera do celular que possibilita, por meio da captura de imagens, uma reflexão através das imagens da dança. Segundo Santana (2000, p.13), “a existência de uma dança em interação com as tecnologias da era digital deixa de ser uma nova estética de arte para ser o reflexo estético da própria evolução”.

“O que faz, portanto, um verdadeiro criador, em vez de simplesmente submeter-se às determinações do aparato técnico, é subverter continuamente a função da máquina ou do programa de que ele se utiliza, é manejá-los no sentido contrário de sua produtividade programada” (Machado 2004, p.5). Nesta pesquisa o celular é utilizado como uma aparato de criação de imagens que se dá como manifestação artística no processo Amorfo.

Composto por duas videodanças: Hidromancia (2018) e Corpo Onírico (2018), Amorfo é a construção poética que interliga estes dois trabalhos compondo diferentes contextos, mas se tornam uma unidade do devaneio nesta pesquisa.

Construo uma reflexão sobre imagens através da filosofia bachelardiana a partir do devaneio poético, que busca na consciência de um sujeito maravilhado pelas imagens através da imaginação, um estado contemplativo que passa a enxergar as coisas como um sonho. O sonho que leva ao devaneio é diferente do sonho noturno. Este é ato inconsciente e passivo. Aqui o sonho é um produto que emerge da consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado na sua atualidade (BACHELARD, 1993, p.184).

Na vanguardista Maya Deren, contextualizo sua forma de edição que cria uma atmosfera onírica no tempo-espaço de seus filmes. Deren rompe com as narrativas do cinema clássico hollywoodiano, transformando suas imagens em um poesia que traça diferentes lugares e tempos.

Utilizo da perspectiva de Schulze (2010) constituídas pelas dimensões primária, secundária e terciária que analisa através dos fatores do movimento de Rudolf Laban (1879 - 1958) as imagens no processo de criação e produção de videodança a partir da interface entre dança e vídeo, como estruturadora do olhar criativo.

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A HISTÓRIA DA VIDEODANÇA

A interação criativa entre a dança e a videografia, a videodança, tem como propósito permitir que ​videomakers​, coreógrafos e artistas em geral se expressem através de vídeos que utilizam a dança como matéria-prima (ROMERO, 2008, p.47). Videodanças são obras que podem acentuar na tela os padrões de movimentos puramente abstratos, combinações inexistentes no mundo real e relações estéticas diferenciadas no corpo do dançarino ou performance. Segundo Spanghero (2003) são, sobretudo, trabalhos de uma natureza fílmica, que surgem para ampliar as ocorrências e suportes da arte, da dança e outras corporeidades que necessitam da videografia como meio para a sua manifestação.

Delineadas no encontro das várias proposições artísticas que floresceram a partir dos anos 60, foi apenas com a disseminação da linguagem videográfica, a partir dos anos 70, que um conjunto maior de artistas, basicamente ​videomakers​, coreógrafos e bailarinos, começou a realizar repetidas experimentações de dança para a tela (TV, cinema, computador). Destacando aqui Merce Cunningham como propulsor desse movimento, que desenvolveu a dança pensada para apreciação através dos meios de comunicação, propondo uma nova forma de refletir a dança.

Seria difícil (e desnecessário) precisar a primeira videodança realizada em termos mundiais. Mas a primeira de Cunningham foi Westbeth, produzida em estúdio pelo filmmaker Charles Atlas, no outono de 1974, e lançada em 1975. Estava inaugurada a parceria entre os dois artistas, que geraria muitas outras obras. Westbeth é uma colagem de seis partes e foi baseada na constatação de que a televisão muda o nosso modo de olhar e altera nossa sensação de tempo (SPANGHERO, 2003, p.38).

Atentando para a qualidade expressiva da videodança, que veio subsidiar novas possibilidades para se pensar, expressar e explorar o corpo em movimento no gesto dançado, Cunningham cria relações com diferentes possibilidades tecnológicas para dialogar com a sua dança.

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Segundo Pimentel (2000), dedicada ao estudo da hibridação entre dança e tecnologias digitais, propôs cinco categorias referentes às produções em ciberdança, sendo elas: utilização dos softwares para composição de danças; criação de obras sintéticas (com dançarinos virtuais); criações que mesclam humanos e ferramentas digitais; a dança no sistema web; e a dança interativa. É por meio dessas categorias que podemos perceber a emergência na dança digital de novos procedimentos de criação bem como novas possibilidades de configuração coreográfica, transpondo os limites do teatro italiano e dos estúdios de dança tradicionalmente reconhecidos como os lugares para concepção e realização de uma coreografia. Nesse novo contexto, coreografar para tela e plataformas digitais assume novas perspectivas e estéticas que alcançam variados públicos.

● A videodança no Brasil

No Brasil, para os artistas, devido ao custo elevado dos equipamentos importados e à falta de interesse em uma criação artística experimental dentro das televisões comerciais, o acesso à tecnologia do vídeo demorou alguns anos. Na dissertação de Almeida (2017), ela relata essas primeiras experiências de videoarte que só foram realizadas em meados dos anos 70 por artistas plásticos como: Anna Bella Geiger (​passagens n. 1 ​– 1974); Letícia Parente (​marca registrada e preparação ​– 1975); José Roberto Aguilar (​the trip ​– 1975); Regina Silveira (​objeto oculto ​– 1977) e Gabriel Borba (​ME ​– 1977), entre outros. Pode-se perceber, dentro dessas obras, uma forte temática política refletindo o clima de indignação e descontentamento com o regime político que vigorava na época.

No Brasil, as primeiras experimentações de fins artísticos com o vídeo, surgem em um contexto de ampliação do mundo das artes e das atividades artísticas, ligado ao período de desenvolvimento da arte conceitual. Nesse período, os artistas enfrentaram suas buscas por novas diretrizes para a arte em simultaneidade com o tenso momento político pelo qual o Brasil passava, deixando marcas de seu contexto político-social nas obras. A videoarte no Brasil fecunda na esteira das experimentações dos conceitualismos, em que é prolífica a utilização de outros suportes (Almeida, 2017 p.11).

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Dentro desse mesmo contexto histórico, político e social, Analívia Cordeiro realizou as primeiras experiências integrando dança e vídeo. Considerada a precursora da videodança e da dança e tecnologia no Brasil, Analívia criou, no ano de 1973, a obra ​M3x3, ​na qual bailarinos desenvolvem uma coreografia com movimentos precisos e simétricos, em linhas retas, em um espaço fechado e tracejado nas cores preto e branco que trazem a lembrança de uma matriz computacional (Spanghero, 2003).

Fotografia 1 – Analivia Cordeiro ​M3x3 ​(1973)

Fonte: http://atraves.tv/as-videodancas-de-analivia-cordeiro/# Acessado em: 17/09/2018

O CINEMA EXPERIMENTAL DE DEREN

A ocorrência da dança dentro do cinema se desenvolveu de maneira paralela à história da dança cênica. Sua presença pode ser percebida em produções isoladas no chamado pré-cinema, no cinema de vanguarda dos anos 20, e é marcante nos musicais que foram amplamente produzidos nos fins dos anos 30 até a década de 50 nos Estados Unidos (Romero, 2008, p.37)

A origem mais remota desse tipo de captação de imagem pode ser encontrada em filmes nos quais os registros da dança eram realizados com a câmera imóvel, como se fosse uma pessoa do público, com o foco fechado na pequena área que a dançarina ocupava. Com essa qualidade de registro, segundo

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Books (2006), no fim do século XIX, Thomas Edison registrou Jessé Cameron, campeã de dança de espadas, Anabelle, em uma dança sinuosa, e a princesa Rajah, que dançava enquanto equilibrava cadeiras com os dentes. É também de Edison o registro de 1894 de Ruth Dennis, que mais tarde tornar-se-ia uma famosa bailarina de concerto muito conhecida na Europa e nos Estados Unidos, dançando de saia iluminada pelo sol e, embora a dançarina execute vários saltos movendo-se livremente pelo espaço, tendo a cidade de Nova York como cenário, a câmera que a filma permanece todo o tempo imóvel como se fosse um mero espectador (Romero, 2008, p.38). Pode-se perceber que nos filmes realizados nesse período há uma falta de interação entre a dança e a câmera; esta realiza apenas um registro da intérprete.

Fotografia 2 - Annabelle Serpentine Dance (1895); Thomas Edison

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=kplgIO9F7Pg acessado: 17/092018

O movimento de vanguarda, na década de 20, ​rompe com a narrativa clássica: o “melodrama hollywoodiano”, que visualizava o mundo através de representações hegemônicas, ditas “realistas”. Os vanguardistas defendem uma força de expressão ligada ao tempo. Ou seja, ao fluxo das imagens, ao movimento incessante da luz e dos corpos na tela, à sucessão necessária das impressões. O cinema torna-se expressão do fluxo visual (AMIEL, 2007, p.121).

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Entre eles a teórica Maya Deren , que aparece como um dos expoentes do 3 período chamado Cinema Novo Americano, distanciou-se de uma narrativa realista utilizando-se de ideias abstratas e aproximou o seu trabalho de cineasta à dança. Deren, uma artista experimental que, segundo Ponso (2012), em seu artigo diz que: “Seu trabalho é a mostra mais significativa da hibridação das artes, ao integrar em seus filmes elementos da poesia, teatro, dança e artes visuais, além de aproximar conceitos da filosofia e antropologia, fazendo da sua obra algo extremamente atual até mesmo para os dias de hoje.”

Deste modo, ela criou várias obras com características surrealistas. “Em Maya Deren, a negação do cinema narrativo lógico-casual e a recusa de uma montagem criadora do espaço-tempo contínuo…” (XAVIER: 1984, p. 96-97).

Um exemplo claro de realização da artista que traz características surrealistas é o filme ​Meshes of the Afternoon (1943)​, em que apresenta partes do corpo com grande expressividade e uma forte poesia nas imagens apresentadas: “na imagem célebre de ​Meshes of the Afternoon​, uma mulher enigmática olhando através da vidraça de uma janela. Um olhar conflituoso, entre uma submissão àquela clausura e, ao mesmo tempo, um desconforto plácido diante daquela situação” (SANTANA, 2003, p.34).

Fotografia 3 – Maya Deren, Meshes of the Afternoon (1943)

Fonte: ​https://www.youtube.com/watch?v=KamHwKHg64o​ acessado: 20/09/2018

3Eleanora Derenkovskaya, mais conhecida como Maya Deren, nasceu na Ucrânia em 1917. Foi pioneira através de suas experimentações cinematográficas, fazendo uma ligação das vanguardas europeias com os filmes experimentais. Fez parte de uma nova geração de cineastas que surgiu em meados da década de 60.

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Segundo Bastos (2012), ela tinha um tipo produção artística, que unia, de forma colaborativa, o trabalho da câmera com o dançarino, não sendo possível separá-los. Dessa forma, ele cita John Martin, que sintetizou o trabalho de Deren com expressão “choreocinema” . 4

Entre outras obras, Maya Deren filmou ​A Study in Choreography for the Camera ​(1945) um dos primeiros videos que percebemos na atualidade como videodança. Nesse trabalho, ela nos oferece um olhar diferenciado para o corpo que se move na tela, descentralizando a ação do dançarino e do ângulo de filmagem. A dança é realizada em meio a galhos de árvores que se confundem com o corpo: “Focos, efeitos e cortes não são usados apenas para registrar uma dança, mas também para potencializar o movimento executado pelo bailarino em relação à imagem produzida. A montagem é uma forte colaboradora na criação dessa “nova realidade” tão presente nas obras de Maya Deren (SCHULZE; BARBOSA, 2012 p.382). Com isso, o espaço se transforma, modificando-se pela passagem do corpo em movimento e, quando a dança passa a ser executada em uma sala fechada, alinhavando o corpo e a ação da câmera pelos detalhes, as sombras e contraluzes são exploradas, exacerbando a gestualidade da dança.

Fotografia 4 - Study in Choreography for the Camera (1945), Maya Deren

Fonte: ​https://www.youtube.com/watch?v=3A3caYPlnk8​ acessado: 20/09/2018

4 ​Austvoll apresenta o termo choreocinema como uma palavra que mescla dança e terminologia fílmica, pois é formado do prefixo “choreo” que se combina com o sufixo “cinema”. “Os dois termos são extraídos a partir de coreografia e cinematografia, respectivamente. Neste contexto, a anexação do prefixo "coreo" indica um "cinema", em que a principal preocupação é com o movimento” (Apud, AUSTVOLL, 2004).

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Os trabalhos de Deren traz uma imagem de contemplação, inserido o intérprete em diferentes cantos, criando uma narrativa e dando volume ao vazio, suas imagens oníricas nos conectam a poética da imagem através do fluxo que corresponde a poesia, imagens pelas quais a imaginação criadora se instala em seu próprio domínio.

O que existia na minha mente era essencialmente uma experiência visual. A poesia foi um esforço de colocar imagens em palavras. Ao ter uma câmera nas mãos, foi como voltar para casa, foi como poder fazer o que eu sempre quis sem a necessidade de traduzir em palavras (APOSON apud, DEREN, 2008).

Deren carregava consigo uma uma câmera portátil 16mm, económica e fácil de locomover, vale salientar que os aparatos tecnológicos foram ficando cada vez mais acessíveis e menores com tempo. Até chegar aos celulares que capturam imagens com cada vez mais qualidade e menor tamanho, aumentando o acesso a mecanismos de criação de videodanças, videoperformances, videoarte...

CRIAÇÃO DE IMAGENS POÉTICAS

Nos anos 60, surgem as primeiras filmadoras em película de 8 milímetros, chamadas de Super 8, que, por suas características de tamanho, peso e custo, despertam o desejo dos artistas em fazer seus próprios registros fílmicos fora dos estúdios. Os artistas criavam narrativas de sentido aberto, experimentando combinações de imagens, construindo, fragmentando, a câmera estava baseada em extrema subjetividade.

É possível afirmar que para o cidadão comum e muitos artistas a primeira metade dos anos sessenta foi marcada pelo aparecimento do Super 8, que era, para a época, uma fantástica e novíssima tecnologia a permitir uma primeira experiência com a linguagem audiovisual.

O caso do super-8 é sui generis, pois a interferência física no desmonte do dispositivo modificou a abordagem dos temas no

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quadro referencial-cultural brasileiro. A produção de experimentos plástico-formais, invenções poético-conceituais criaram novos aparatos de fruição. (ALMEIDA, 2012, p.25)

As novidades tecnológicas surgem e vão sendo incorporadas ao cotidiano das pessoas com muita rapidez e fluência na evolução dos registros de imagens. A super 8 foi uma câmera que teve uma interação com cinema vanguardista, que por sua vez materializou diversos questionamentos através das imagens e criou experiências fora dos estúdios.

Hoje o celular vem ganhando adaptações próximas às câmeras profissionais; diferentemente das outras décadas, o mecanismo de registro vem ganhando fácil acesso, devido o celular e as novas tecnologias que vêm sendo desenvolvidas. Mesmo sendo voltado ao mercado capital associado aos aplicativos (Facebook, Instagram, WhatsApp...), provocam a percepção na criação das imagens estéticas. Segundo Machado, como artistas podemos utilizar/explorar desses equipamentos para potencializar a arte:

Em geral, aparelhos, instrumentos e máquinas semióticas não são projetados para a produção de arte, pelo menos não no sentido secular desse termo, tal como ele se constituiu no mundo moderno a partir mais ou menos do século XV. Máquinas semióticas são, na maioria dos casos, concebidas dentro de um princípio de produtividade industrial, de automatização dos procedimentos para a produção em larga escala, mas nunca para a produção de objetos singulares, singelos e “sublimes”. (MACHADO, 2004, pg. 3)

No Brasil, o número de conteúdos nas plataformas de vídeos vem crescendo bastante. Em pesquisa, o Google (Julho/2017) diz que cerca de ​7 em cada 10 brasileiros já têm um smartphone e 57% já consideram o dispositivo seu principal meio para assistir os conteúdos em vídeo​s como documentários, curtas, danças, entre outros entretenimentos que prende atenção dos espectadores. Nesta perspectiva pessoas de diferentes culturas e artistas podem divulgar suas práticas artísticas fora dos padrões televisivos.

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● A poética do devanear consciente na videodança

Em A Poética do Devaneio, obra escrita por Bachelard, traz por um viés filosófico, sobre o despertar da imaginação por meio da imagem poética. Dá ênfase aos sonhos e aos devaneios como formas de pensar da imaginação consciente. Tornando-as complementares no processo de criação.

A descrição que Bachelard (2009) faz dos devaneios poéticos não é uma descrição empírica dos fatos, mas sim com um olhar fenomenológico, de uma experiência individual, que mostra o caráter construtivo do devaneio poético em fluxo. Segundo o autor, é através de uma “fenomenologia da imaginação” (BACHELARD, 1993, p.187), que se pode aprofundar o estudo da imagem criadora que os poetas nos oferecem. Imagens que nos põe no mundo, que possibilitam um mundo, que instigam pensamentos. Conhecer e imaginar são ações fundamentais e específicas da condição humana. Podemos dizer que o devaneio é uma arte educativa e de formação de sensibilidades. Nesta perspectiva, é possível também vislumbrar e contemplar através do olhar novas possibilidades de imagens que surgem do devanear em diálogo com corpo-espaço-tecnologia, utilizando da perspectiva da videodança para construção poética de imagens.

Nas telas digitais, a dança se torna uma reflexão estética de expressar seu movimento em interação com as novas tecnologias, propondo novos diálogos, na difusão entre corpo e mídia. “Assim a tela reproduz o fluxo e refluxo da nossa imaginação, que nutre da realidade à qual ela projeta se substituir; a fábula nasce da experiência que transcende” (BAZIN, 1991 p.60).

Esta simbiose entre corpo e mídia faz nascer uma outra possibilidade da dança que não se restringe a uma única forma codificada da dança e do cinema. No mundo das imagens videográfica e fenomenológica, temos que nos tornar sensíveis às ferramentas tecnológicas, encontrando nesta linguagem uma forma de potencializar a arte do ser dançante.

Na fenomenologia do devaneio, a imaginação emerge da consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem, tomado na sua atualidade

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(Bachelard, 1978, p.184). O estado de consciência na filosofia Bachelardiana, se dá a partir do estado de contemplação, quando a consciência imaginante cria e vive a imagem poética.

Mas o sonhador de mundo não olha o mundo como um objeto, precisa apenas do olhar penetrante. É o sujeito que contempla. Parece então que o mundo contemplado percorre uma escala de clareza quando a consciência de ver é consciência de ver grande e consciência de ver belo. A beleza trabalha o sensível. A beleza é a um tempo relevo do mundo contemplado e elevação na dignidade de ver. […] No mundo da palavra, quando o poeta abandona a linguagem significativa pela linguagem poética, a estetização do psiquismo se torna o signo psicológico dominante. O devaneio que quer exprimir-se torna-se devaneio poético. É nessa linha que Novalis pôde dizer claramente que a liberação do sensível em uma estética filosófica se fazia conforme a escala: música, pintura, poesia (BACHELARD, 1997, p. 178;179).

O imaginário se dá quando se pensa, sonha ou vive-se a matéria. A materialidade poética e imaginária de Bachelard está baseada na relação do homem com as imagens que emergem do desejo de viver o instante destas. Para este trabalho a filosofia bachelardiana foi fundamental para criação das imagens. Sua escrita poética me deu a liberdade de criar imagens e escrever como um poeta da dança a minha escrita em fluxo de imagens, durante a coreoedição . 5

Fotografia 5 – AMORFO (disciplina corpo e espaço)

Fonte: André Rosa (2017)

5 Este, por sua vez, visa criar “poemas visuais” e explorar as potencialidades artísticas da materialidade videográfica, para além da construção de uma narrativa linear (​PEARLMAN, 2012).

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Além da coreoedição utilizei da improvisação Leal (2009), como possibilidade criativa na exploração espacial a partir da percepção. Nesta relação, a improvisação e a imaginação como estado consciente e criativo, torna a videodança uma forma de materialização que possibilita o devanear do coreoeditor no processo de captura/edição de imagens na construção poética audiovisual.

A videodança é um uma arte da dança escrito em imagens, que escreve poéticas assim como o cinema, “em que a apreciação de tempo, movimento, energia e dinâmica é mais imediatamente significativo do que o conhecido conceito de matéria, como sólido estático ancorado num cosmo estável” (DEREN, 2012 p.148)

​Durante o processo de edição ocorre a maior parte do devanear. Cada imagem filmada traz consigo uma forma de relação entre o intérprete e o espaço, ao olhar do coreoeditor. É na criação das imagens e nas possibilidades do processo de edição que se encontra uma sensibilidade estética.

O tempo compõe a imagem no vídeo, gerando um diálogo entre os diferentes

espaços, criando uma relação estética que não depende de uma narrativa lógica casual de acontecimentos. Maya Deren, em seu artigo (2010)​cinema: o uso criativo da realidade, afirma que o processo de edição consiste na manipulação de tempo e espaço, sem uma ação paralela, no qual vemos alternadamente o herói correndo para o resgate e a heroína em situação cada vez mais crítica, resulta da onipresença da câmera como testemunha da ação, não como sua criadora.

● Filmagem em fluxo: o devanear da câmera

Ao registrar as imagens no espaço, o olhar se conecta ao visor do celular de forma orgânica, realizando uma simbiose entre tecnologia e corpo (Santana, 2003). Ao virar o celular na horizontal, a possibilidade de captura de imagem em movimento ampliando o olhar. O celular e o corpo se tornam cúmplices de único movimento, no qual os enquadramentos irão surgir no processo da coreoedição. Pensando o editor como coreógrafo, como propõe Karen Pearlman (2012), o coreoeditor tem à sua

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disposição uma infinidade de recursos para lidar, não com a cena convencional, como o palco de um teatro, mas com as vantagens e limitações da imagem digital como espaço para a dança. A Coreoedição se propôs a editar coreografando e coreografar editando, em um paralelo com a nomenclatura do audiovisual.

A conectar a percepção ao espaço construímos uma relação de experiência poética da imagem, criando uma relação perceptível das coisas que compõem uma boa atmosfera para filmagem como luz, adereços, objetos para improvisação etc. Maya Deren era “hábil no tratamento da iluminação, alternando perspectivas de espaço e tempo, criando ilusão e explorando técnicas de edição” (SPANGHERO, 2003, p.33). O trabalho de Deren emerge dos espaços do cotidiano, criando uma atmosfera onírica em seus filmes, adentrado em um sonho imerso em signos e símbolos.

Segundo Schulz (2010), “O intérprete, em uma videodança, pode ser uma pessoa, forma, objeto, cor, ou gráfico em movimento dentro de um contexto espacial e sonoro”. É preciso contemplar os espaços, os objetos e criar uma relação. Enxergar o corpo que está sendo inserido neles e os gestos que formam uma poética, sem criar limites, permitindo o devanear. Este diálogo é uma construção entre intérprete, coreoeditor e espaço.

A cada ambiente um novo forma de criação ao filmar, estabelecendo uma relação entre os devaneios e os espaços. A câmera perpassa o indivíduo e sua corporeidade, capturando a sinuosidade e os pequenos gestos polimórficos. Segundo Leal (2009, p.67), em seu livro a Dança pelos sentidos, “O desafio em relação à visão é realmente tirar do automático, reaprender a ver. Observar com olhos de ver e não com imagens e reações pré-concebidas”

As imagens em fluxo neste trabalho parte da criação de imagens no devaneio, no desejo de experimentar e olhar as coisas com amplo interesse, sem negligências. Ampliando as possibilidades estéticas entre dança e imagem, criando uma identidade do movimento entre intérprete e coreoeditor na perspectiva da videodança. Escrevendo um poema no fluxo do devaneio.

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Fotografia 6 - Corpo Onírico

Fonte: André Rosa (2018) AMORFO

O processo Amorfo é um trabalho artístico desenvolvido para tela e plataformas digitais que, envolve artistas da cidade do Natal, composto por duas videodanças: Hidromancia e Corpo Onírico. A filosofia de Bachelard, e as três dimensões e a forma de edição de Maya Deren, foram reflexão e referências principais para criação desse trabalho que emergem da relação entre o coreoeditor e os intérpretes através da linguagem da improvisação como possibilidade criativa. As filmagens ocorreram no mês de Março, e Outubro. Cada um traz uma expressão singular, que serão apresentados nas três dimensões:

A dimensão primária refere-se à percepção do espaço, sons, movimentos, dinâmica e o corpo do performer na locação ou espaço material onde ocorre a gravação das imagens. Na dimensão secundária é levado em conta o olhar da câmera através dos planos, assim como possíveis movimentações, enquadramentos, recortes, relações com o corpo filmado e sons produzidos por quem filma. Só na dimensão terciária analisar-se-á o papel da edição na videodança ou a montagem no caso do filme (SCHULZE 2009 p. 383).

Ao ler A Água e os Sonhos e ​A Poética do Espaço​; várias inquietações surgiram, como produto do meu devanear, que provocaram em mim o desejo de dançar e mergulhar na poesia das imagens bachelardiana, imagens pelas quais

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potencializaram o meu desejo criativo. Passei a enxergar os espaços alternativos como possibilidade poética para criação das imagens em fluxo.

Meus primeiros trabalhos trazem uma estética dos espaços abandonados, considerados ruínas que, segundo Amarante (2009, p.54):

À ruína concerne um corpo que pertence e não pertence a este tempo, da mesma maneira, ao passado e ao futuro. Inscreve-se na característica de ser um objeto detentor e possuidor de uma aura. Configura-se como algo dialético, que não mantêm uma constância, que está e não está no mesmo instante. É detentora de singularidades sobre o espaço e tempo.

Fotografia 7 – Rio Cor de Rosa (CDTAM)

Fonte: Adriano Rosa (2018)

Ao inserir os corpos dos intérpretes nesses espaços, a movimentação por sua vez é modificada devido a estrutura do ambiente, por tratar de espaços abandonados e abertos sem proteção o clima é um dos fatores que podem alterar todo o roteiro. Considero o roteiro em improvisação como estrutura aberta que segundo Leal (2009, p.47) “neste formato a idéia é abrir espaço à livre exploração do movimento, bem como das maneiras de organizá-lo. Podendo ou não ter um líder ou observador, sendo em grupo ou solo...”.

Por esta razão, foram escolhidos intérpretes que já possuem um repertório amplo no cenário da dança para o processo de contemplação e improvisação para criação das imagens em fluxo.

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Contudo, para improvisar em dança é preciso colecionar ampla experiência motora, capacidade de conexão e transformação dos movimentos e muita técnica. A improvisação requer do bailarino mais habilidade e experiência profissional do que para executar uma composição coreográfica fechada. Isto porque a composição exige o aprendizado de movimentos e estruturas previamente definidas, já a improvisação exige muito mais repertório, vocabulário de movimentos, técnica e a capacidade de lidar com a criação e a interpretação no momento de sua execução, transformando, renovando e descobrindo a cada instante novos caminhos. (LEAL, 2009, p.45)

A busca por estes corpos se deu pela relação artística entre o coreoeditor e os intérpretes, bem como pelo conhecimento prévio de seus trabalhos artísticos. Sendo conhecedores do corpo consciente e da sua movimentação, para que o devaneio pudesse fluir, foram convidados artistas da dança contemporânea da cidade do Natal para elaboração de Hidromancia, que por sua vez se deu em 3 horas de gravação na praia do Forte dos Reis Magos. Antes da gravação foram propostos recortes do primeiro capítulo do livro A Água e os Sonhos, intitulado: “As águas claras, as águas primaveris e as águas correntes. As condições objetivas do narcisismo. As águas amorosas”: “O mundo é um imenso Narciso ocupado no ato de se pensar." Onde ele se pensaria melhor que em suas imagens? No cristal das fontes, um gesto perturba as imagens; um repouso as reconstitui (Bachelard, 1997 p.27).

Fotografia 8 – Hidromancia

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A segunda parte do trabalho se deu com a intérprete Gabriela Gorges, tendo como estímulo A Poética do Espaço, este trabalho por sua vez se deu em diferentes dias, nos amplos espaços da cidade do Natal. Intitulado Corpo Onírico, que explora a crisálida do corpo no fluxo na metamorfose da vida, que por sua vez habita em nossos sonhos os desejos, criando uma relação com mundo em movimento.

Este trabalho, por sua vez traz, um leque de diferentes espaços e imagens, traz a dificuldades dos espaços de uma forma sensível. É o corpo que, por sua vez, atravessa os diferentes espaços.

Fotografia 9 – Corpo Onírico

Fonte: Adriano Rosa (2018)

● Em três dimensões: Hidromancia

Na dimensão primária, analiso os corpos dos intérpretes que têm uma ampla vivência com a dança. Podendo identificar seus códigos em diferentes níveis espaciais. Nos diferentes espaços, foram encontrados os desafios de dançar sobre escombros, escadas, rocha e poças de água. Estes diferentes terrenos implicaram na movimentação, tornando-a mais controlada e fluida no tempo lento. Em algumas cenas foi possível utilizar do contato e improvisação; como na cena das rochas que foi acelerando gradativamente durante o contato entre os corpos e o barulho do mar. Os figurinos foram roupas do cotidiano, com cores escuras e claras. Cada peça foi escolhida no local da gravação.

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Fotografia 11 – Hidromancia

Fonte: Adriano Rosa (2018)

Os baldes, como elementos de improvisação, aumentaram a possibilidade do devanear, os intérpretes tiveram um elemento que potencializou a relação criativa entre a improvisação e o devaneio. Sobre a areia, a movimentação tinha um peso firme e forte no tempo moderado e rápido.

Na dimensão secundária, o olhar e o corpo, em conexão com câmera do celular, passam a capturar as cenas em fluxo. Segundo Schulz (2010), “Na dimensão secundária percebe-se o contexto que é construído pela câmera nos enquadramentos e planos, os quais posteriormente serão estruturados pela edição na dimensão terciária”. Entende-se que câmera tem uma liberdade que não está presa, mas em fluência com a movimentação. Cada cena contém entre 3 a 6 minutos de gravação. O trabalho ocorreu entre as 10 e 13 horas. Foram poucos os momentos em que a câmera se encontrava fixa. Para captura de imagens, o sol neste horário me deu liberdade para distanciar e aproximar dos corpos sem que minha sombra aparecesse, dando mais evidência ao gestos dos intérpretes.

Na dimensão terciária, a edição se deu nos recortes das imagens que foram feitas ao devanear da câmera. Procurei, na montagem das imagens, juntar os detalhes que, de forma poética, sem detalhes técnicos permitiram apenas o fluir da escrita das imagens.

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A montagem de um filme cria a relação sequencial que proporciona um sentido novo ou particular para as imagens de acordo com sua função; ela estabelece um contexto, uma forma que as transfigura sem distorcer seu aspecto, diminuir sua realidade e autoridade, ou empobrecer aquela variedade de funções potenciais que é a dimensão característica da realidade (DEREN, 2012, p.145).

Poucas edições foram feitas em hidromancia. Não mexi na qualidade da imagem e utilizei do recurso em câmera lenta (slow motion) em uma das imagens, como possibilidade de estruturar e transformar o movimento para apreciação. Não houve tratamento das cores do vídeo e a música foi colocada após a edição de imagens, escolhi uma composição de ​Woven Hand - Another White Bird, esta música faz parte da trilha sonora de Blush (2008) do coreógrafo e cineasta Wim Vandekeybus, que também é referência em meus trabalhos.

Bachelard, no livro A Poética do Espaço, traz uma reflexão sobre o devanear nas imagens do cinema e como os efeitos proporcionam esta intimidade entre o espectador e a imagem em contemplação na tela.

Aqui a imaginação opera, não somente sobre dimensões geométricas, mas ainda sobre forças, sobre velocidades - não mais num espaço aumentado, mas num tempo acelerado. Quando, no cinema, se acelera a floração de uma flor, temos uma sublime imagem da oferenda. Dir-se-ia que a flor que se abre em lentidão, sem reticência, tem o sentido do dom, sabe que ela é um dom do mundo (Bachelard, 1978, p. 270).

Fotografia 12 – Hidromancia

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● Em três dimensões: corpo onírico

Corpo Onírico traz o corpo da intérprete e jovem Gabriela Gorges, mestre em artes cênicas - UFRN e bailarina da Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão - CDTAM. Seus movimentos apresentam referências das práticas contemporâneas, apresentando uma movimentação de peso firme e tempo sustentado em fluência livre. Os espaços nos quais o corpo da intérprete está inserido são peculiares nas cores e na iluminação cada um traz, um contexto que emerge da sua localidade como: a ampla natureza verde aos cantos vazios e escuros de uma sala. A roupa possui uma cor branca e neutra, tendo como “figurino” um voal branco, que representa a crisálida, em alguns momentos do videodança ela encontra-se despida.

Aqui o processo de devanear encontra-se mais sensível onde “a função de habitar faz a ligação entre o cheio e o vazio. um ser vivo enche um refúgio vazio. E as imagens habitam. Todos os cantos são ao menos frequentados, se não habitados (Bachelard, 1978, p.289).

Fotografia 13 – Corpo Onírico

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Na dimensão secundária, as imagens em improvisação têm duração entre 5 a 8 minutos. A câmera é uma extensão do meu movimento e acompanha cada passo da intérprete. Na relação entre o movimento da intérprete que prendem a minha percepção, utilizando de outras formas para captura de imagens, como um pedaço de vidro que deu uma outra dimensão ao meu olhar ao capturar a imagem. Neste trabalho, existe uma dinâmica constante entre aproximação e distanciamento do corpo que dança no espaço.

Fotografia 14 – Corpo Onírico

Fonte: Adriano Rosa (2018)

Na montagem da videodança, aproximo-me da forma de edição de Maya Deren. Busco, no estado de devaneio, a construção de imagens que emergem dos sonhos e, na relação tempo-espaço. O tipo de manipulação de tempo e espaço ao qual me refiro se tornam, eles mesmos, parte da estrutura orgânica de um filme. Existe, por exemplo, a ampliação do espaço pelo tempo e do tempo pelo espaço (Deren, 2012, p.146). A música do trabalho foi feita com citações do livro A Poética do Espaço, com batidas eletrônicas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero, neste trabalho, a criação da videodança como produto da interação, a partir do devanear na linguagem de improvisação como materialização de imagens através dos aparatos tecnológicos (celular), que, por sua vez, se dá no diálogo da dança entre o videomaker e o intérprete. A partir dos textos de Bachelard foi possível explorar a poética da imagem dentro da fenomenologia da imaginação que, por conseguinte, parte do estado consciente e presente do ser em sua atualidade.

As videodanças Hidromancia e Corpo Onírico, fruto da produção em análise fundamentada nas três dimensões de Schulze (2010), a partir da dimensão primária que refere-se a percepção do espaço, movimentos, sons, dinâmica e o corpo do intérprete na locação ou espaço material onde ocorre a gravação das imagens. Na dimensão secundária, é levado em conta o olhar da câmera em devaneio, no fluxo das imagens, assim como possíveis movimentações que estão presentes no espaço. Só na dimensão terciária o devanear encontra-se na construção poética da edição na videodança. Percebe-se aqui que as dimensões potencializam a construção da videodança de forma dinâmica a partir dos fatores de Laban. Não se trata de um material teórico que ensina a filmar, mas traz uma reflexão na criação de imagens como possibilidade da dança para apreciação.

Na perspectiva de edição e reflexão de Maya Deren, foi possível encontrar uma construção narrativa de imagens que a câmera proporciona como fragmentos do devanear, trazendo uma singularidade individual que faz com que, na montagem do tempo-espaço na videodança, a imagem sequencial não dependa de uma narrativa lógica e casual no processo de coreoedição, mas que esta narrativa emerge de uma poética peculiar do coreoeditor. Na videodança, a imagem pode e deve ser apenas o começo, o material básico da ação criativa que permite a constru​çã​o da poesia da imagem através da perceção em contemplação.

O diálogo da dança com a tecnologia é signicativo e constitui-se, na dança contemporânea, como um processo da cena que potencializa o movimento durante o diálogo cênico e, no âmbito acadêmico e escolar, como uma linguagem que

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apresenta uma expressão do corpo que dança na criação, apreciação e análise de imagens criadas na prática ou selecionadas como reflexão teórica. Vale salientar que a dança no cinema constitui-se cada vez mais da sua própria linguagem que dialoga com a videodança.

Identifico a videodança como uma identidade híbrida da cena e da tecnológica. Nesse viés, o corpo que dança estabelece relações com a câmera de forma orgânica, sem limitar as possibilitar múltiplas na captura e edição de imagens. Esse tema mostra-se atual e questionador no universo das práticas artísticas e corporais. Perceber como a dança, assim como outros inúmeros fenômenos artísticos, dialoga com as novas tecnologias possibilita observar modicações não só na própria arte, como também nas fronteiras que se estabelecem entre ser humano e máquina.

Amorfo é um processo aberto de imagens que não constitui uma forma, mas traz as reflexões teóricas, aqui apresentadas, durante a captura de imagens e na edição. Este trabalho por sua vez demonstra que a criação das imagens na perspectiva da videodança por meio do celular, se materializa da imaginação e de meus devaneios sobre as coisas, os lugares e meus desejos.

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REFERÊNCIAS

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XAVIER, Ismail. ​O Discurso Cinematográfico​​ – A opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

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ANEXOS

Vídeos da Maya Deren

Meshes of the Afternoon by Maya Deren

https://www.youtube.com/watch?v=KamHwKHg64o

Acesso: 25/10/2018

At Land (1944) - Maya Deren

https://www.youtube.com/watch?v=FYdf8xxDlIg

Acesso: 25/10/2018

Maya Deren - Ritual in Transfigured Time

https://www.youtube.com/watch?v=0IG5K65gkTU

Acesso: 25/10/2018

Algumas produções que compõe este trabalho que estão de livre acesso nas redes socias:

Rio Cor de Rosa (2018)

https://www.youtube.com/watch?v=RjLHZsNiH4Q

Acesso: 25/10/2018

Corpo Onírico vinheta de abertura para o festival Aguiar e Cena Cumplicidade (2018) Recife - PB: https://www.youtube.com/watch?v=Cdwe6IFtkqM&feature=youtu.be

Acesso: 25/10/2018

 

 

 

Anexos em Fluxo trás fotos imagens de algumas produções que foram feitas 

através do celular na perspectiva da videodança  

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Referências

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