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O texto que estamos a concluir dedica-se à discussão sobre as tramas políticas desdobradas no Piauí, no contexto dos anos de 1959 a 1962. Nesse recorte temporal, desenrolou-se no Estado a administração de Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, um governante que, pelas práticas adotadas ao longo do mandato, fornece-nos subsídios que apontam um governo às voltas com uma série de situações delicadas, entre elas, o apoio à reforma agrária, apontada como perturbadora da ordem social e responsável por certo desconforto dos políticos conservadores piauienses.

A campanha eleitoral que elegeu Chagas Rodrigues tem como tônica o desenvolvimento econômico/crescimento, afinal o Presidente Juscelino Kubitscheck contagiou o Brasil com sua proposta de “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de Governo”. Os candidatos piauienses participavam de um momento da política, em que Juscelino Kubitscheck tinha o compromisso com o Plano de Metas e com as propostas de integração nacional, pois a sua ideologia era a das realizações e do trabalho, que concretizou-se nas atividades econômicas.

A morte dos candidatos da aliança UDN-PTB, Demerval Lobão e Marcos Parente, causaram comoção popular, influenciando a campanha para governador do Estado. O jornal udenista Folha da Manhã tornou-se porta voz de matérias que envolveram os candidatos mortos no “Desastre da Cruz do Cassaco” e os jornalistas tentaram cristalizá-los no imaginário piauiense, como “herois” que morreram numa ação cívica, pela “redenção do Piauí”. A utilização da imprensa pelos principais líderes udenistas e petebistas favoreceu a criação de um novo “chefe salvador”. A escolha do nome de Chagas Rodrigues fortaleceu os petebistas que buscavam dar visibilidade às propostas do Partido Trabalhista, principalmente as questões relacionadas aos trabalhadores e a assistência social. A conquista de um lugar no Executivo foi fundamental para o crescimento do PTB na política piauiense.

Em 1958, a UDN e o PTB pactuaram uma coligação com o propósito de tirar da cena política o que eles chamaram de “a velha estrutura oligárquica que se perpetuava no poder por cerca de oito anos”. Portanto, nessa fase, houve uma interrupção da dominação política da família Almendra Freitas, pois o filho de Pedro Freitas, José Gayoso de Almendra Freitas, candidato da situação a governador, é

derrotado pelo deputado federal Chagas Rodrigues. A partir do resultado das urnas, compreendemos que no Piauí, as tentativas de rupturas com a ordem oligárquica não partiram de candidatos de uma contra elite local, mas de movimentos políticos nacionalistas, tendo como um dos seus representantes o deputado Chagas Rodrigues (PTB), pertencente a um grupamento político com sede na cidade de Parnaíba, com influência em toda a região norte do Piauí. Mas, como foi dito, precisou coligar-se à UDN, esta com presença em quase todo o território piauiense.

O governador Chagas Rodrigues apresentou-se como defensor da modernização do Piauí, assumindo o projeto desenvolvimentista de JK. Acompanhou de perto as reuniões que articularam a criação da SUDENE e da Operação Nordeste, propostas que visavam diminuir as disparidades regionais, atacando por exemplo, questões relacionadas às estiagens periódicas, a fome e miséria que afetavam a população do sertão nordestino. O discurso de Chagas Rodrigues terminou dando a ele um caráter popular. O governador pretendeu solucionar num “clima de ordem, de liberdade e de paz, a obra de recuperação econômico-social da sociedade piauiense. O desejo de mudança era constante em seus discursos. Pode-se perceber o objetivo de envolver o receptor nas suas propostas, por isso usou de palavras como: “recuperação”, “reorganização”, “planejamento”, “reconstruir”, “renovar” e “superar o pauperismo e a miséria”. Os dizeres e as práticas se associavam na intenção de tornar-se um só com o povo, fazendo com que a esperança e o sonho de dias melhores para o Piauí fossem objetivo comum.

A partir de 1961, quando a UDN rompe com o PTB, Chagas Rodrigues passa a ser alvo das acusações e críticas dos jornais Folha da Manhã, Jornal do Piauí e Folha

do Nordeste. Em paralelo à perseguição empreendida pelos jornais de oposição, a

campanha e propaganda do governo Chaguista começa ser apresentada por três jornais do Estado, O Dia, Jornal Estado do Piauí e o Jornal do Comércio. O jornal O Dia, arrendado pelo governador em 1962, ajudou na construção da imagem de político empreendedor e diferente dos que o antecederam. O governador abriu as portas do Palácio de Karnak para atender as reivindicações dos sindicatos e tentou diminuir as disparidades econômicas da população piauiense. Chagas Rodrigues impôs uma nova forma de administrar, dando grau de racionalidade técnico-administrativa. Em seu governo, o Estado interveio de forma a promover o desenvolvimento sócio-econômico, criando empresas estatais nos setores de energia elétrica, telefonia, água e esgotos, etc.

No ano de 1962, em meio à afirmativa do Presidente João Goulart em concretizar as Reformas de Base, Chagas Rodrigues, mais uma vez, não ficou imune a tais debates, defendendo a necessidade urgente de uma reforma agrária no país e no Piauí. Nesse sentido, o homem do campo começou a ser valorizado, e as medidas de incentivo à exploração econômica da propriedade rural tornaram-se prioridade na administração estadual. A solidariedade exercida pelo governador ao “movimento rural”, chamou a atenção de políticos e jornalistas que impulsionaram acirrados debates nos principais jornais de Teresina. O governador Chagas Rodrigues foi representado nos impressos como comunista e subversivo da ordem social. Seus adversários precisavam desconstruir a imagem de político popular e comprometido com as questões sociais. A insatisfação e o receio dos conservadores da elite agrária e latifundiária fizeram com que os jornais ligados aos partidos de oposição representassem o governador de forma cômica e perigosa na sociedade piauiense. O jornal Folha do Nordeste, criado para fazer propaganda aos udeno-pessedistas, tornou-se porta voz da ironia e da crítica à administração Chaguista. O impresso com moldes modernos levou aos leitores- espectadores imagens caricatas, constituídas por charges; uma delas trazia a imagem de Chagas Rodrigues como incendiário das Ligas Camponesas. Outros registros cômicos representavam personagens políticos ou funcionários públicos, auxiliares do governador e do Partido Trabalhista Brasileiro. Eles foram vítimas dos caricaturistas contratados pelo jornal, na intenção de humilhar, castigar e tornar cômico o governador e o seu candidato ao governo do Estado, o deputado estadual Constantino Pereira.

A situação de Chagas Rodrigues em meio a esse cenário de crise e contestação, com uma série de valores e relações em jogo, não poderia ser outra, se pretendesse se manter equilibrado no poder, a não ser, a incorporação de uma estratégia de relacionamento com os trabalhadores. Usou para tanto, forte propaganda no rádio e na imprensa escrita, na tentativa de prestar contas de seu trabalho junto à sociedade piauiense. As realizações administrativas, as festividades do dia do trabalhador e as comemorações de aniversário do governo funcionaram como resposta, por sua vez, aos adversários que, utilizaram a imprensa para denominá-lo de demagogo, de alerquim político e possuidor de variadas máscaras. Foi assim que Chagas Rodrigues concentrou elementos para a teatralização do poder, no qual, o enredo e as peças retóricas adotadas objetivavam a sua manutenção na política do Piauí. Nesse contexto, o poder reveste-se de uma aura que o mitifica, que dá à sociedade a impressão de que, um determinado político, concentra em si as aspirações da população.

As práticas reformistas e assistenciais de Chagas Rodrigues fizeram parte de suas estratégias para a continuidade no poder político local. O governador contou com o auxílio de sua esposa, Maria do Carmo, à frente da presidência do SERSE e da Liga Feminina Trabalhista, reafirmando o interesse dos petebistas em conquistar a confiança e o voto da maioria das classes trabalhadoras, para a ascensão da militância do Partido Trabalhista Brasileiro no Estado.

Durante a campanha eleitoral de 1962, os partidos ou grupos que se formavam eram configurados por rupturas, acordos e alianças, nos quais, os interesses imediatos de cada líder e família era o fator determinante, sobrepondo-se a tudo que diz respeito à ideologia ou programas políticos. As disputas políticas no Piauí eram constantes desde o início da República, pois as estruturas locais sempre disputaram palmo a palmo os espaços de poder. Portanto, as campanhas eleitorais de 1958 e 1962 foram constituídas de obstinadas lutas, rompimentos e tentativas de conciliação política, que quase sempre fracassaram.

A aliança PSD-UDN conseguiu firmar-se no autodenominado “Esquema Petrônio-Clímaco” e saiu vitoriosa nas eleições de 1962. No Piauí, o PSD e a UDN, partidos constituídos de oligarcas, proprietários rurais e profissionais liberais, em termos de comportamento político assemelhavam-se e tinham um objetivo comum, ou seja, barrar as pretensões de Chagas Rodrigues e do seu partido, o PTB, de continuarem na política estadual. Apesar da forte oposição a Chagas Rodrigues, ele conseguiu eleger- se à Câmara Federal, para a Legislatura de 1963-1966. O ex-governador ainda foi eleito ao cargo de deputado federal de 1967-1970, sendo que este último mandato não foi concluído. Chagas Rodrigues foi crítico do autoritarismo implementado pelo golpe militar de 1964. Em conseqüência, teve o seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por 10 anos, nos termos do Ato Institucional n. 5.

O presente trabalho contribui para a compreensão de um período de Governo marcado pelas disputas entre seus principais líderes e grupamentos diferenciados no interior dos partidos políticos. Historicamente, os jogos de interesses trazem para o presente a reprodução do passado, configuradopor rupturas, acordos e alianças, que se sobrepõem às ideologias ou programas políticos. Nesta perspectiva, a temática trabalhada aqui, ainda nos dá subsídios para novas pesquisas sobre a política piauiense.