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INDUSTRIAIS AMPLIADOS

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No campo da saúde ambiental no Brasil, novos enfoques aparecem além do debate sobre saneamento básico e doenças infecto-contagiosas, abordando problemas como a industrialização, a urbanização e a segurança química, entre outros, delineando uma política de saúde ambiental capaz de enfrentar a complexa questão do crescimento e desenvolvimento econômico, que envolve a produção, consumo, trabalho, ambiente e saúde.

Ao discutirmos as implicações dos riscos dos acidentes ampliados na área da REGAP para o setor saúde, buscamos colaborar com o desenvolvimento de ações que integrem as instituições de saúde pública do município na gestão de risco destes acidentes e, com isso, contribuir para a redução de danos na ocorrência de um evento. Não tivemos a pretensão de estabelecer uma teoria de gestão de riscos para este setor, mas sim, descortiná-los, diante da necessidade do envolvimento das instituições de saúde frente a uma situação complexa de um acidente ampliado.

A discussão a cerca da visão dos riscos demonstrou que os diversos representantes das instituições públicas de saúde de Betim, não conhecem os riscos decorrentes das atividades industriais da área da REGAP, o que reforça a importância da comunicação de risco e a necessidade da compreensão de todo o processo de seu gerenciamento.

O posicionamento dos profissionais de saúde é de surpresa diante do perigo. O risco é imaginado, deduzido a partir dos eventos que podem ocorrer. Os produtos inflamáveis são percebidos como uma ameaça, mas os riscos não são dimensionados pois, a noção de risco vai se configurando a partir de um sentimento de insegurança, de temor da sua existência e imprevisibilidade.

Todos os entrevistados consideraram a articulação intersetorial como essencial, e que a prevenção, preparação e reposta aos acidentes decorrem de um processo coletivo, que deve ser construído de forma abrangente, com os diversos setores atuando em cooperação.

Entretanto, a experiência da intersetorialidade ainda se apresenta de modo pontual através da Unidade Básica de Saúde Petrovale e o seu trabalho desenvolvido pelos ACS com a REGAP. As iniciativas do PAM têm sido essenciais e conseguiram atingir uma expressiva representação das empresas e órgãos públicos, permitindo uma evolução dessa temática.

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Na resposta a um acidente industrial, a articulação intersetorial pressupõe a formação de uma rede, com a Defesa Civil coordenando todas as ações. No entanto, nesse processo

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podem surgir dificuldades de comunicação, disputa de poder, rejeição à coordenação e tensões resultantes das diferentes visões de diversos agentes sobre um mesmo problema.

A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros são legitimamente reconhecidos como órgãos ativos de intervenção e de ações mitigadoras. Como a atuação do setor saúde não é prática em todos os eventos, a sua ausência de participação conjunta em diversas ações, o coloca à disposição, em uma posição em que ele próprio se priva da participação de processos decisórios e de sua legitimação.

O plano de emergência do setor saúde foi considerado um instrumento importante para minimizar os danos decorrentes de um acidente industrial. Entretanto, os dados demonstraram que o setor saúde não era o foco de comunicação de risco das empresas.

Observamos certa ambigüidade nos relatos dos representantes das empresas, que consideram importante a participação de todos os envolvidos na elaboração de um plano de emergência municipal. Entretanto, os planos de emergência das empresas, foram elaborados em sua maioria, pelas consultorias contratadas para a realização das análises de riscos, sem a participação das partes interessadas, revelando a preocupação com o cumprimento de uma exigência da legislação pelas empresas.

Estruturamos a dissertação, buscando responder a questão orientadora deste estudo: Por que o município de Betim que possui a única refinaria de petróleo do Estado, com seus riscos intrínsecos, e um serviço de saúde estruturado e organizado, não desenvolveu um plano de emergência para acidentes industriais ampliados?

A resposta a esta questão se inicia no desenvolvimento industrial do município que acompanhou o modelo de crescimento e desenvolvimento nacional.

A ênfase ao crescimento econômico incondicional, a ausência de legislação ambiental à época da implantação da refinaria, a falta de controle na ocupação do espaço urbano propiciaram a construção do risco, à medida que a população ocupava as áreas vizinhas às instalações. O interesse nos impostos gerados pela implantação das indústrias se sobrepôs a qualquer reflexão de como tais instalações poderiam ameaçar a população, expondo sua vulnerabilidade.

O risco foi construído à distância, já que a área industrial da REGAP está localizada longe do centro decisório municipal, em área de divisa de municípios, portanto, distante do campo visual da região central onde se concentra a população com melhores condições de renda e escolaridade. O poder distanciado não acompanhou a construção do risco e nem sequer percebeu a sua existência.

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As poucas referências que aparecem nos documentos pesquisados sobre a área industrial da REGAP e os relatos dos representantes de saúde do município mostram uma limitação da visão do risco, associada à questão da poluição ambiental. A percepção está direcionada para o que é captado pelos órgãos dos sentidos, o que justifica as discussões, nas instâncias de controle social do município, direcionadas apenas para a poluição atmosférica associada às doenças respiratórias.

O risco selecionado, a poluição atmosférica, denota que as empresas enfocaram a comunicação do risco apenas para a comunidade. Como conseqüência, as instituições de saúde apresentam-se com dificuldades em compreender os riscos e as iniciativas de seu gerenciamento pelas empresas, como o convite para participação no PAM.

Para os representantes das instituições de saúde, envolvidos em suas atividades cotidianas, diante da vulnerabilidade, da precariedade de recursos para uma assistência adequada, em uma catástrofe, a capacidade e condições de atendimento estão tão distante, que impedem a reflexão e a aceitação do risco. As pressões diárias do atendimento tornam impensáveis situações fora do cotidiano. Preocupar-se em manter o mínimo para o atendimento, conduz a uma seleção de alguns riscos aos quais se deve dar mais atenção.

Estas condições revelam a permanência do modelo médico-centrado, no qual as ações preventivas são dissociadas das práticas sociais, perdendo-se de vista o contexto em que vivem as pessoas. Revelam ainda a falta de planejamento para situações de emergência.

Com a descentralização das políticas de saúde, coube ao município organizar e prestar os serviços públicos de interesse local. Porém, a execução de tais políticas enfrenta problemas de cobertura, distribuição, eficiência e qualidade dos serviços. A ampliação da cobertura dos serviços de saúde, nestas condições, implica para o município de Betim em uma sobrecarga, pois a pactuação integrada e o estabelecimento do consórcio intermunicipal resultou em impacto no volume de atendimento dos serviços de urgência e emergência pré-hospitalar e hospitalar.

A dificuldade do município em articular estas ações, mantém a tomada de decisões voltadas para as necessidades imediatas de seus usuários. Restringe também, o enfrentamento de outras questões que ultrapassam as pontuais e limitadas intervenções no campo da saúde, para além dos problemas cotidianos da atenção municipal.

É neste sentido que também observamos a dificuldade em superar o modelo de vigilância à saúde baseado em agravos e, em incorporar a questão ambiental nas práticas de saúde pública, apontando um problema relevante para um município industrial como Betim.

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As necessidades que demandam ações de áreas distintas da administração pública, na organização tradicional, setorializada, encontram poucas condições de serem atendidas. As instituições saúde do município, pouco se relacionam ou participam de processos envolvendo outras secretarias, como a do meio ambiente ou de planejamento urbano.

Desta forma, sem a compreensão dos riscos decorrentes das atividades de refino de petróleo e das operações de armazenamento e distribuição de seus derivados, com instrumentos de planejamento e gestão municipal restritos aos limites institucionais e à oferta básica dos serviços, um plano de emergência não foi desenvolvido pois sequer a sua necessidade foi cogitada. Neste caso, não houve a demanda.

Nos planos municipais de saúde e nas discussões e deliberações sobre as políticas de saúde do município não houve considerações sobre os riscos de acidentes industriais o que, revela uma vulnerabilidade estrutural da política municipal de saúde em relação ao processo industrial, refletindo uma incapacidade de resposta das instituições públicas de saúde, na ocorrência destes acidentes.

As instituições municipais de saúde de Betim demonstraram, assim, o quanto estão despreparadas para enfrentar os desastres industriais, com incapacidade de uma resposta técnica e política adequada. Apesar do padrão de organização, ocupação e gestão do território urbano, com predisposição de sua população a fatalidades, não há uma política de emergência consistente para contemporizar os danos que possam ocorrer. Portanto, a inserção das instituições de saúde na preparação e resposta aos acidentes industriais ampliados ainda é incipiente.

A fragilidade tanto do conhecimento do risco quanto da incapacidade da resposta aos acidentes industriais denota a baixa reflexividade das instituições públicas de saúde de Betim, o que pode intensificar os riscos.

O município de Betim, embora suscetível aos acidentes industriais, ainda tem uma abordagem incipiente acerca da questão, o que implica na baixa capacidade do sistema perito, composto pelos técnicos das empresas e dos órgãos de defesa social, em subsidiar as necessárias reflexões dos formuladores de políticas e tomadores de decisão na área da saúde.

Um dos desafios, neste sentido, é superar as medidas legais que são levadas pelas empresas, apenas pró-forma, como a criação dos planos de emergência, e ampliar a visão sobre a questão, através dos conhecimentos que possam ser incorporados pelo setor saúde e por outros setores da administração municipal, como a educação e o planejamento urbano.

Betim tem o desafio de reconhecer os riscos de acidentes industriais, a sua vulnerabilidade social e institucional diante destes riscos e buscar nas instituições

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consolidadas na gestão de desastres, subsídios para o preparo e enfrentamento de situações complexas decorrentes de um evento.

Acompanhar em escala espacial e temporal, a transformação da área, é uma ferramenta importante para o planejamento urbano e para o controle dos riscos. Esta ação necessita do estabelecimento de parcerias e articulações que possam auxiliar na identificação dos impactos da ação coletiva sobre o território, como a formação de loteamentos clandestinos ou ocupações irregulares. O risco é construído socialmente, através das ocupações próximas às indústrias mas, também, pelo lastro político através do endosso ou da omissão.

Estabelecer compromissos, é outro desafio. Compromissos que poderiam incitar outros marcos de governabilidade para redução do risco, além da estruturação do plano de emergência municipal, incrementando a participação comunidade local e dos profissionais de saúde, através do intercâmbio entre as empresas e outros órgãos envolvidos não apenas no nível local, mas também estadual.

No entanto, o maior desafio para o desenvolvimento de uma resposta efetiva para os acidentes industriais ampliados, é que ela seja baseada em abordagens integradas e participativas, buscando estratégias compatíveis com todos os envolvidos e estabelecendo um diálogo entre as partes interessadas.

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