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Como observado, o indivíduo foi conquistando, de forma gradativa, a sua subjetividade internacional ao longo do tempo, possuindo, hodiernamente, capacidade postulatória frente às Cortes Internacionais, mormente as de Direitos Humanos.

No que se refere ao sistema regional europeu, percebe-se que a Convenção Europeia de Direitos Humanos, originariamente, não previa o acesso do indivíduo à Corte Europeia. Esse direito se restringia às Altas Partes Contratantes e à Comissão Europeia, conforme previa o artigo 44, sob a condição dos Estados Partes declararem formalmente o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte, tendo em vista o que dispunha o artigo 46 da Convenção. Desta forma, o indivíduo que se considerasse vítima de violação cometida por uma das Partes Contratantes dos Direitos contemplados na referida Convenção, formalizavam a queixa perante o Secretário-Geral do Conselho da Europa, segundo o artigo 25. À Comissão, competia conhecer do requerimento apresentado ao Secretário-Geral, sendo requisito para o processamento pela Comissão Europeia da petição individual o reconhecimento explícito da Alta Parte Contratante acusada da competência da Comissão na matéria, conforme previa o artigo 25, n. 1 da Convenção.

Importa destacar que o Protocolo n. 9 à Convenção Europeia de Direitos Humanos veio a introduzir a possibilidade de o indivíduo submeter sua queixa perante a Corte Europeia, ao passo que o Protocolo n. 11 veio a consagrar definitivamente acesso direto do indivíduo à Corte Europeia dos Direitos Humanos, jus standi, como verdadeiro sujeito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, pondo fim a cláusula facultativa de aceitação anterior da jurisdição obrigatória da Corte Europeia, abrindo, assim, a via de demanda de plano pelo individuo.

No que concerne às instâncias americanas, observou-se que o artigo 44 da Convenção Americana e o artigo 23 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos contemplam o direito de acesso do indivíduo à Comissão, possibilitando o exercício do direito de petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, independentemente de declaração expressa do Estado reconhecendo esse acesso direito.

No tocante ao Tribunal, depreende-se que apenas os Estados Partes e a Comissão têm o direito de submeter um caso à decisão da Corte, não se admitindo que o indivíduo possa peticionar diretamente no Tribunal. Deste modo, se a pessoa sofrer violação de direitos deve recorrer à Comissão para que, após analisada sua denúncia, não logrando êxito as soluções amistosas propostas, seja o caso levado à Corte Interamericana.

Importa destacar que, em 1 de Junho de 2001, entrou em vigor o quarto Regulamento da Corte, adotado em 24 Novembro de 2000, que inseriu alterações substanciais na posição do indivíduo no processo perante o Tribunal, ao reconhecer o regime do locus standi in judicio, assegurando à parte individual a participação direta na condução do processo, ou seja, as supostas vítimas, seus familiares ou seus representantes legais passam a desfrutar de todos os poderes e deveres, em questões processuais, em todas as fases do processo perante o Tribunal,

Em relação às instâncias de proteção do Sistema Regional Africano de proteção dos direitos do Homem e dos Povos, verificou-se que o indivíduo apresenta a prerrogativa de submeter comunicações individuais perante a Comissão Africana, embora este direito não esteja expressamente previsto na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. A sistemática regional, portanto, nega o jus standi dos indivíduos.

No que tange ao acesso do indivíduo à Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, notou-se que, embora o Protocolo Adicional à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos preveja o direito do indivíduo de submeter um caso ao Tribunal, este direito só poderá ser exercido se o Estado demandado tiver reconhecido a competência da Corte para apreciar feitos individuais. Nesse diapasão, o acesso do indivíduo se encontra condicionado a uma cláusula facultativa de jurisdição, o que, na verdade, tolhe o exercício desse direito, já que, na prática, nenhum Estado violador tem interesse de reconhecer a competência da Corte para ser demandado. Esta assertiva pode ser ratificada com o fato de que, até o presente momento, somente oito países depositaram a declaração a que faz menção o artigo 5º, n. 3 do Protocolo, quais sejam: Burkina Faso (28/07/1998), Malawi (09/10/2008), Mali (19/02/2010), República Unida da Tanzânia (29/03/2010), Gana (10/03/2011), Ruanda (06/02/2013), Costa do Marfim (23/07/2013) e Benin

reconhecendo a competência da Corte para apreciar e julgar casos submetidos pelo indivíduo, um número considerado pouco significativo, haja vista que o Protocolo entrou em vigor em 25 de janeiro de 2004.

Outrossim, o Protocolo Adicional, adotado em 11 de Julho de 2003, que criou o Tribunal de Justiça da União Africana, não prevê o acesso direto do indivíduo ao Tribunal. Na verdade, apenas parte da doutrina tem entendido que na expressão “terceiras partes”, previsto no artigo 18, há alusão à legitimidade individual. De outra banda, parte dos pensadores tem defendido que o referido Protocolo não contempla a possibilidade de demandas individuais perante o Tribunal de Justiça da União Africana, o que, se de fato for, é considerado um grande retrocesso em relação ao Protocolo Adicional à Carta Africana, a qual, embora condicione o acesso do indivíduo, ao menos reconhece a possibilidade de este submeter casos perante à Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

Ademais, o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos, de 2008, que prevê a fusão do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos com o Tribunal de Justiça da União Africana, prevê que o indivíduo só pode apresentar petições contra os Estados que tenham feito uma declaração aceitando e reconhecendo a competência do Tribunal de Justiça para fazê-lo, nos termos do artigo 30, f, do Protocolo único.

No Protocolo de Emendas ao Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos, de 2014, que só entra em vigor 30 dias após o depósito dos instrumentos de ratificação por 15 Estados Membros, quanto à legitimidade ativa para submeter casos perante o referido Tribunal, prevê que a Corte só terá competência para examinar a petição individual relativa ao Estado Parte que tenha feito uma declaração aceitando a competência do Tribunal para receber petições apresentadas diretamente pelo indivíduo. Deste modo, não deverá receber qualquer caso ou aplicação que envolva um Estado Parte que não tenha feito a declaração em conformidade com o artigo 9 (3) do Protocolo.

Assim, constatou-se que mesmo nesse último Protocolo, mais atual, mas que ainda não se encontra em vigor, o acesso do indivíduo ao Tribunal se encontra

condicionado ao alvedrio do Estado Parte violador, o que, na prática, compromete o exercício da capacidade postulatória do indivíduo.

É necessário, portanto, que a sociedade civil, os Estados e a União Africana busquem intensificar esforços a fim de incentivar os Estados Partes a ratificarem o Protocolo único, bem como fazer a declaração permitindo o acesso do indivíduo ao Tribunal, haja vista que esta é condição, em uma sociedade democrática, à plena efetividade dos instrumentos de proteção dos direitos do homem e dos povos em África.

Faz mister mencionar ainda que o Tribunal não irá satisfazer as expectativas dos africanos se a União Africana não fornecer um suporte material e moral que lhe permita funcionar como instituição independente e significativa que deve ser. Em última análise, a Corte Africana só ganhará em legitimidade, assegurando um alto nível através da acessibilidade e da transparência dos seus procedimentos, da qualidade e da imparcialidade de suas conclusões.

Observando-se os três sistemas regionais de proteção dos direitos do homem, constata-se que o sistema europeu é o mais democrático, haja vista assegurar o acesso direto a todo e qualquer indivíduo em relação à sua jurisdição. Por outro turno, no sistema interamericano, o acesso é restrito à Comissão Interamericana e aos Estados, ao passo que, no sistema africano, a partir do Protocolo à Carta Africana, o acesso à Corte é limitado à Comissão Africana, aos Estados e às organizações intergovernamentais africanas, sendo previsto o acesso do indivíduo à Corte Africana, por meio de cláusula facultativa, isto é, a depender de declaração expressa do Estado Parte para tal fim.

Portanto, a tese que se sustenta é a de que o pleno acesso do indivíduo à justiça internacional só tem a fortalecer a proteção internacional dos direitos humanos. Desse modo, deve-se considerar a inserção na agenda contemporânea dos direitos humanos da garantia do acesso direto das supostas vítimas aos tribunais internacionais de direitos humanos, de forma incondicionada, por se tratar do mecanismo mais eficiente de salvaguarda dos direitos humanos. Além disso, ver o direito de acesso à justiça como uma imposição de norma jus cogens, diante, sobretudo, do valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do teor de seu

artigo 8º, que pauta todos os mecanismos de proteção dos direitos humanos, reforça a consagração da subjetividade internacional do indivíduo e a efetividade da proteção dos direitos humanos.

REFERÊNCIAS

AFRICAN COURT ON HUMAN AND PEOPLE´S RIGHTS. About the Court. Disponível em: <http://www.african-court.org/pt/index.php/about-the-court/brief- history>. Acesso em: 30 Set. 2015.