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Neste estudo procede-se a análise do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) a partir da ótica da transversalidade e intersetorialidade, compreendidos nesse estudo como sinônimos; identificando elementos favoráveis e desfavoráveis postos a implementação de uma gestão intersetorial no âmbito desse sistema e da Política Nacional de Assistência Social.

Para além da contribuição para o corpo técnico que operacionaliza e faz parte desse sistema, ressaltamos que a elaboração desse trabalho constitui-se num momento importante para nossa formação profissional visto que possibilitou uma reflexão mais clara sobre a política de assistência social brasileira e sua aproximação fundamental com a lógica que perpassa a noção de transversalidade e intersetorialidade. Esse trabalho consiste, portanto, num processo de construção de conhecimento que só foi possível mediante leituras e questionamentos sobre o que está posto nos documentos oficiais que regem essa política e os estudos que mostram a realidade concreta, onde se percebe uma lacuna, se assim podemos chamar, entre o que está posto e o que de fato existe, ou mesmo inexiste. Sendo assim, este trabalho visa contribuir para o debate atual acerca da intersetorialidade no âmbito da assistência social e os seus desafios na tentativa de estabelecer uma prática intersetorial endógena e exógena, ou seja, dentro e fora de seus muros. Da análise construída extraem-se as principais reflexões.

A política de assistência social tem avançado ao longo dos últimos anos, sobretudo, com construção do SUAS em 2005 e sua ascensão ao plano legal da LOAS em 2011 no seu artigo 6º, que vem tratar da gestão das ações na área de assistência social sob a forma de um sistema descentralizado e participativo, tendo no CRAS e CREAS seus principais equipamentos públicos que tem a função de servir de porta de entrada aos usuários dessa política.

É possível afirmar que o SUAS e seus equipamentos sociais é uma realidade que vem sendo disseminada e implantada em todo o país, o reflete a construção de um novo paradigma para a política de assistência social, que ao longo dos tempos teve suas bases assentada no viés da filantropia e da caridade, destituída de uma noção de política pública de estado.

O SUAS avança na trajetória da assistência social ao estruturar em uma via única os serviços, programas e benefícios de assistência social de modo que esses sejam efetivados seguindo sua direção em todo o país, evitando assim, práticas e ações fragmentadas e descontínuas, ou mesmo a sobreposição de ações. Porém, sua implantação não ocorre sem desafios, sobretudo, em face de uma cultura perversa e arcaica que permeia nossa sociedade, pautada por referenciais patrimonialistas e clientelistas.

Outro fator identificado em relação a implementação do SUAS diz respeito a má estruturação de seus equipamentos de entrada do sistema, que são os CRAS e os CREAS. Conforme observamos a disseminação desses dois equipamentos tem sido incentivada pelo governo federal. Hoje o CRAS já está presente em quase todos os municípios, com adesão de 99,5% dos municípios. Os CREAS estão avançando nesta direção, atualmente são 2.191 em todo o país. Porém, muitos desses espaços não possuem o mínimo de condições de trabalho para a equipe técnica que o compõe. As instalações físicas são inapropriadas, os materiais de trabalho são insuficientes, falta transporte para as visitas domiciliares, telefone, internet, além do mais, a própria equipe é precarizada com vínculos de trabalho fragilizado, submetido muitas vezes aos mandos dos gestores municipais na intenção de manter seus empregos; sua fonte de sobrevivência. Nesse percurso a implantação do CRAS e dos CREAS vem se dando com base na lógica do improviso e adaptações, o que reforça a cultura do atraso diante da assistência social que continua sendo vista como prática dos “jeitinhos” e dos “arranjos” e não como política pública de estatal.

É possível afirmar que a consolidação da assistência social enquanto política social de responsabilidade do Estado e de direito do cidadão não se dá sem resistência. Embora essa realidade tenha sido evidenciada a partir da Constituição Federal de 1988, o Estado já vinha intervindo desde a LBA, mas sem o compromisso legal. No contexto atual essa relação, embora firmada em lei, tem atravessado um campo nebuloso: o campo das reformas neoliberais. Nesse contexto o Estado deixa de prover as políticas sociais em detrimento da política econômica, transferindo sua responsabilidade para setores da sociedade civil, numa espécie de “refilantropização”, como diz Yasbek (2004).

A política de assistência social recém-chegada ao patamar de política pública é a que mais vem sendo penalizada com esse direcionamento do Estado, tendo forte dificuldade de ser absorvida na prática como responsabilidade e dever do Estado, mesmo

com os avanços contidos na LOAS e no SUAS, conforme observamos na implementação do SUAS e seus equipamentos em âmbito nacional.

Mereceu destaque na pesquisa a relação entre a assistência social e a lógica da transversalidade e intersetorialidade. De fato a assistência social tem um caráter de transversalidade à medida que os problemas sociais e consequentemente as suas demandas se tornam cada vez mais complexos exigindo a intervenção conjunta entre as políticas sociais, no sentido de garantir resolutividade as necessidades dos indivíduos.

A assistência social assim como outras tantas políticas, a exemplo da saúde, tem destacado a importância de se trabalhar em articulação, destacando o viés intersetorial como possibilidade de superar a intensa fragmentação e disputa que existe no lócus das políticas sociais. A intersetorialidade torna-se então uma forma de gestão que vem favorecer a articulação entre as políticas setoriais, uma vez que elas por si só não solucionam tudo e, necessitam se comunicar com as demais políticas para identificar as necessidades da população e as resoluções que podem oferecer (NASCIMENTO, 2010, p. 99).

A intersetorialidade como articulação de saberes e experiências para a solução sinérgica de problemas complexos, tem sido enfocada no âmbito da assistência social pelo SUAS, que traz em seu escopo a intersetorialidade como principio organizativo. Ao assumir essa tarefa desafiadora, o SUAS buscar estimular entre os seus serviços e programas uma ação sinérgica tendo em vista a garantia dos direitos dos cidadãos, mas, essa sinergia não se esgota na atuação interna dos seus serviços e programas, mas pretende uma articulação com a rede social existente nos outros sistemas. Nessa perspectiva destaca-se a atuação do PBF e do PETI como programas que na prática dependem de uma atuação intersetorial.

A despeito da proposta de intersetorialidade do SUAS, constatamos alguns desafios que rondam seu desenvolvimento e dificultam a prática articulada. Dentre eles evidenciamos a dificuldade de estruturação dos equipamentos sociais como o CRAS e CREAS. A pouca visibilidade e a má estruturação desses equipamentos compromete não só o seus atendimentos diários como também, a sua relação com os demais instrumentos da rede socioassistencial, dificultando uma interação entre os mesmos. Espaços físicos adequados tanto do CRAS quanto do CREAS são condições mínimas necessárias para o

desenvolvimento dos serviços sociais previstos, como pode abrir possibilidades de aproximação com a rede. Porém na prática o que temos visto são improvisações de espaços precários para servir de base a esses equipamentos.

Outro elemento que identificamos como desafio no âmbito da prática intersetorial do SUAS é a dificuldade de se estabelecer em seus quadros operacionais uma corpo técnico efetivo. O quadro funcional do SUAS geralmente é formado por profissionais instáveis, com vínculos fragilizados além de baixa remuneração. Essa realidade contribui para que a articulação entre setores, quando existe nesses espaços, sejam prejudicadas quando esses profissionais são demitidos dos cargos por perseguição política, quando ocorrem mudanças de gestão, ou, quando os mesmos vão em busca de melhores condições de trabalho em outros espaços de atuação. Essas mudanças atropelam o desenvolvimento do serviço, como retarda ou põe abaixo as articulações existentes, o que vai depender da direção dos novos profissionais. Essa rotatividade prejudica a lógica intersetorial.

A pesquisa mostra ainda o desafio de se estabelecer um fluxo de informações interno e externo no âmbito dos serviços e programas. Embora se tenha avançado diante dos sistemas de informações tecnológicos proposto pelo MDS na Rede SUAS, a troca de informação pura e simples tem encontrado dificuldade de se expandir no âmbito desse sistema. Os setores não se comunicam o que conduz a reprodução da fragmentação e sobreposição das ações, contrário a lógica da intersetorialidade.

A falta de um fluxo de informações internas pode ser considerado prejudicial para os gastos públicos à medida que o conhecimento das ações desenvolvidas e projetadas pode facilitar a otimização de recursos. Se não existe uma comunicação interna, a possibilidade de haver uma sinergia das ações da política de assistência fica prejudicada. A questão da informação, do conhecimento, da comunicação, do diálogo e da articulação é imprescindível ao SUAS na busca pelos seus objetivos, que é garantir direitos.

E por fim, um último elemento que tem se constituído como um desafio para o SUAS é a capacidade de articulação da rede de serviços. Esse elemento tem uma forte ligação com os demais citados anteriormente: equipe rotativa, falta de estruturação dos serviços, falta de comunicação podem está relacionada à falta de conhecimento do território do qual os equipamentos do SUAS paz parte. Esse, aliás, é um dos grandes desafios para a equipe técnica do SUAS: conhecer seu território.

O SUAS pressupõe que os CRAS e CREAS para efetivarem seus serviços tenham conhecimento da realidade na qual está inserida no sentido de fortalecer suas ações através da rede socioassistencial local. Para existir uma rede socioassistencial é preciso conhecer as instituições e organizações que existem no território no qual esses equipamentos se fazem presente para formar parcerias, o que pode contribuir para a resolutividade das demandas que chegam até os serviços.

A análise das dificuldades apontadas indicam que muitos são os desafios para a concretização do SUAS enquanto parte de uma política pública transversal que busca uma ação intersetorial. Esse processo de constituição de uma gestão intersetorial interna e com os diferentes sistemas e políticas sociais, apesar de demandar requisições conceituais e técnicas para sua operacionalização, vai depender principalmente da atuação política dos gestores municipais, estaduais e federal, de incentivarem a articulação de suas secretarias/ministérios, para que seja possível avançar nesse processo de assimilação e efetivação de uma gestão intersetorial, que não ocorra apenas pontualmente ou a partir de iniciativas isoladas e particulares de técnicos ou gestores das políticas, mas que seja uma política de gestão permanente.

Destarte, cabe salientar que muito se tem falado sobre intersetorialidade, mas pouco se tem observado sua existência na prática. É preciso romper com essa barreira entre o real e o ideal; é preciso tirar dessa forma de gestão novas possibilidades que vá além da velha burocracia pública e possa transformar a realidade das políticas sociais trazendo-as para um campo novo, onde os sujeitos sejam vistos em sua totalidade.

Ressaltamos que este trabalho não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre o tema, e sim, contribuir de alguma forma para o alargamento e aprofundamento dessa temática e que possa instigar outros discentes a aprofundarem cada vez mais a temática.