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O objetivo deste estudo foi apreender as percepções e os significados dos trabalhadores de desenvolvimento de software acerca de suas relações e condições de trabalho e em que medida esses trabalhadores identificavam traços de precariedade em seu trabalho, na forma de inserção ocorrida sob diversas modalidades de contratos, na organização do trabalho, nas condições de trabalho cuja intensidade é crescente, sobretudo, quando estão na fase final dos projetos.

Os resultados apontaram para um conjunto de percepções contraditórias em que, de um lado, a expectativa por um trabalho estável conquistado pelo contrato regido pela CLT ou pelo serviço público, e de outro, a possibilidade da liberdade e da autonomia para organizar seu próprio horário sob a justificativa de que as ideias não são organizáveis nos padrões de uma jornada de trabalho fixa, tendo horário de entrada e de saída fixos. A liberdade de poder realizar as atividades é enfatizada em todas as entrevistas. Com isso não seria possível falar em precariedade nesse segmento gestado no interior do paradigma flexível?

Ramalho (2000) realizou um balanço sobre o tratamento dado ao tema trabalho no qual buscou compreender o par de conceitos flexibilização/precarização, para quem tais conceitos constitui não apenas “embates teóricos da sociologia do trabalho atual como constitui o ponto de partida para formular alternativas de análises não necessariamente teóricas”. Ambos os termos são tratados na literatura a partir de determinados momentos até a posicionamentos opostos. Quanto a isso, o autor criticou tal polarização na medida em que pode-se desconsiderar aspectos contraditórios dos processos em curso. Assim, advoga pela necessidade de se relativizar as análises uma vez que o par flexibilização/precarização pode ser considerado vantajoso para alguns grupos de trabalhadores.

Assim, a evidente contradição entre a preferência desses trabalhadores pela estabalidade representada pela posse de direitos trabalhistas e a flexibilidade na organização do trabalho pode ser pensada à luz da relativização acerca das consequências precarizantes do paradigma flexível.

Observamos que esses trabalhadores valorizam a autonomia na organização do trabalho que, de um lado é possibilitada pela lógica organizativa das empresas de software e, de outro, pela característica da própria profissão de TI cujo substrato é o uso intensivo de

trabalho qualificado. Este necessita de uma margem maior de autonomia para melhor realizar as atividades e acompanhar o universo de renovação tecnológica do setor de informática. Observamos, porém, que tal autonomia encobre um sutil controle sobre os trabalhadores materializado na organização do trabalho baseado por metas e objetivos, de modo que seja qual for a modalidade de contrato são as metas e os objetos o que orientam o cotidiano e a organização da jornada de trabalho. Ramalho (2000), a partir de um conjunto de literatura que analisou o tema da autonomia nos novos modos de gestão de pessoal, fala em uma “autonomia controlada”, ao destacar que a gerência e dirigentes empresariais estariam sob controle de restrições sistêmicas que relacionam-se tanto com a vinda dos mercados financeiros, quanto com um mercado de trabalho com alto índice de desemprego.

Jaeger (2007), em sua pesquisa com teleoperadoras, destacou como característica do trabalho nas chamadas “novas profissões”, entre as quais, que o trabalho é relacional, comunicativo e intelectual. A dimensão relacional do trabalho refere-se a interface direta entre trabalhador e cliente, necessária para apreender suas demandas e necessidades. Em virtude dessa relação entre cliente e trabalhador, o fazer-se entendido é elemento necessário na realização das atividades, daí ser a capacidade de comunicar-se com o outro atributo de suma importância no perfil de trabalhador. Na medida que as políticas organizacionais reorientaram a forma de gestão do trabalho, supostamente transferindo para o trabalhador maior participação e poder de decisão sobre as atividades realizadas, o elemento “intelectual” surge como atributo presente e necessário no “fazer” do trabalho.

A análise do processo de produção de software permitiu-nos entender as principais fases da produção de software e consequentemente as habilidades e competências requeridas de um trabalhador dessa área. Além dos conhecimentos técnicos necessários para realização das atividades de desenvolvimento, ficou evidente que, no caso daqueles trabalhadores que trabalham com software sob encomenda, é preciso ter um conjunto de habilidade relacionadas à capacidade de percepção sobre as reais necessidades do cliente. Esse trabalhador precisa ser capaz de realizar um movimento que articule os seus conhecimentos gerais sobre desenvolvimento de software e as necessidades do cliente, deve ser capaz, também, de prever problemas e soluções para o sistema a ser desenvolvido, e também prever interesses não manifestados pelos clientes. Paciência é outra característica requerida e que está associada às habilidades necessárias para lidar com a complexidade do trabalho.

trabalho e é apresentada como responsabilidade individual do trabalhador, o qual deve, a todo momento, estar atento às inovações surgidas. A atualização se dá, tanto em ambientes informais, por meio de pesquisas em sites da área de informática, participação em fóruns e comunidades virtuais, utilização de software de código livre, quanto em ambientes formais nos quais realizam cursos de certificação em linguagens de programação ou nas novidades que surgem no mercado. Outra maneira identificada como atualização dos conhecimentos é a intensa mobilidade desses trabalhadores por diversas empresas e atividades de trabalho.

Muitos caminhos foram abertos no processo da pesquisa, porém fizemos a escolha de, nesse momento, apresentar os principais temas suscitados durante as entrevistas, ao mesmo tempo que tentamos desenhar um quadro geral dessa complexa categoria de trabalhadores. Um dos aspectos que fica em aberto nesse estudo é o fenômeno da terceirização, que apresenta complexas modalidades de externalização do processo produtivo. Identificamos ser importante ponto de partida de pesquisas posteriores que poderão contribuir na compreensão de tal categoria.