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Uma vez desenvolvidas as quatro partes que compõem o presente relatório, torna-se possível chegar a uma visão mais abrangente da questão relativa ao papel do Estado na geração de emprego e proteção social. No caso brasileiro, ressalta-se a prevalência atual do obstáculo ao crescimento sustentado e, por conseqüência, a elevação e a manutenção do pleno emprego e bem-estar social ao conjunto da população. Diante do desafio do desemprego e da ampliação dos postos de trabalho precários, importantes inovações foram introduzidas no marco regulatório do mercado de trabalho desde 1990. Em relação ao sistema tributário, por exemplo, destacam-se as diversas medidas direcionadas à flexibilização dos regimes contratuais e à redução do custo do trabalho. Medidas inéditas como o Simples e os contratos de trabalho de custos rebaixados visavam simultaneamente elevar o nível ocupacional e ampliar a formalização da mão-de-obra. Até o momento, contudo, os avanços apresentam-se ainda residuais no conjunto dos desempregados da informalidade.

Também em relação às dificuldades registradas pelos micro e pequenos negócios, foi possível perceber a implementação mais recentemente de novidades importantes. Os esforços em torno da bancarização de segmentos de baixa renda, por meio de contas bancárias simplificadas, e da ampliação do microcrédito por diversas medidas (Pronaf, crédito consignado, bancos do povo, linhas de crédito simplificadas, entre outras) mostraram-se rapidamente efetivos para importantes segmentos da população e micro e

pequenos negócios. Medidas como essas necessitam ser ampliadas, tendo em vista as escalas dos micro e pequenos negócios e da população pauperizada. Nesse sentido, o Estado não deveria abandonar o seu papel estratégico na configuração de um sistema bancário capaz de atender ao circuito considerado inferior da economia nacional.

Simultaneamente, constatou-se também que na situação do Estado como empregador ocorreu uma mudança considerável na quantidade e na composição do emprego público entre as distintas esferas de governo. Nas duas últimas décadas, diante do movimento de descentralização de responsabilidades, o conjunto de municípios vem ganhando, cada vez mais, espaço no total do emprego público. Em conseqüência, a União perde importância relativa na contratação de funcionários, mesmo que ainda se mantenha como a principal fonte de arrecadação e gasto público do País. Em comparação com diversos países desenvolvidos, o setor público brasileiro demonstra capacidade de absorver mais contingente de empregados, tendo em vista a sua baixa relação com o total da ocupação e a população.

Contudo, como não há um modelo ideal de Estado (tamanho ótimo), tendo em vista que a sua determinação é histórica e politicamente condicionada, permanece em aberto o futuro do emprego no setor público brasileiro. Certamente, não se pode afirmar nos dias de hoje que o Estado brasileiro encontra-se inchado de pessoal ou com áreas que tenham quantidade excessiva de funcionários. Também em relação ao papel do Estado no meio rural constatam-se transformações mais significativas a partir da redemocratização do País. Sabe-se que, tradicionalmente, o campo forneceu às cidades uma oferta abundante de mão-de-obra, embora nem todo o contingente migratório tenha encontrado condições decentes de vida e trabalho nas cidades.

É por conta disso que o Brasil assistiu à generalização da condição de pobreza vigente original e fundamentalmente no campo para o meio urbano. Se for verdade que o setor rural tem sido capaz de se transformar em um celeiro mundial de alimentos, com a incorporação de tecnologia e demais movimentos de modernização no campo, o mesmo não se pode dizer em relação ao processo de homogeneização do padrão de bem-estar social e avanço econômico em todo o setor agropecuário. Inegavelmente, as políticas públicas tradicionalmente aplicadas tenderam a convergir para o segmento do grande estabelecimento empresarial, o que permitiu rápida e seletiva modernização, com fortes características de exclusão social e de conservadorismo político. Sem a reforma agrária e a fraqueza de políticas de apoio à pequena propriedade, houve um intenso e profundo êxodo rural, bem como a montagem de dois modelos distintos de agropecuária no Brasil.

Somente nas últimas duas décadas, o País conseguiu caminhar em direção mais confiável ao estabelecimento de políticas inovadoras no meio rural. Com os avanços consideráveis no crédito rural, no apoio institucional à reforma agrária e na sustentação de renda às famílias (previdência social, programas de transferência de renda e recuperação do valor real do salário mínimo), a agricultura familiar foi beneficiada, permitindo a redução da pobreza relativa e da desigualdade, bem como o avanço na ocupação.

Mas isso tudo, que ainda se encontra longe de uma solução final, teve impacto também na determinação dos fluxos migratórios. Mesmo assim, o Brasil corre o sério risco de transferir nas próximas duas décadas cerca de um terço do total dos ocupados no campo para as cidades. Esse contingente humano migrante não deverá ir, necessariamente, para os grandes centros metropolitanos, mas possivelmente para cidades médias e pequenas, como, aliás, se percebe ultimamente.

Nesse sentido, o Brasil precisa aprofundar a implementação de políticas públicas mais contemporâneas das exigências de trabalho e moradia no meio rural. Dessa forma, as transformações no interior do mundo do trabalho rural podem deixar de ser negativas ao agricultor. Para isso, a capacidade do setor público ainda continua determinante, por meio de políticas públicas favoráveis à sustentação de trabalho, renda e vida decente no meio rural.

Por fim, pode-se ressaltar a relação paradoxal existente entre as políticas sociais e o mercado de trabalho. De um lado, observa-se que durante os últimos 25 anos houve decréscimos na participação do rendimento do trabalho na renda nacional, enquanto, de outro, reduziu-se a desigualdade no interior do rendimento do trabalho.

A política social, nesse sentido, terminou contribuindo tanto para a geração de quase 34% do total dos postos de trabalho urbanos abertos no País como para a diminuição da desigualdade no rendimento do trabalho. Da mesma forma, o pagamento de maior valor do salário mínimo, especialmente aos beneficiados pela política social, possibilitou que o rendimento da população mais pobre fosse protegido, mesmo quando a renda média dos ocupados perdeu poder aquisitivo.

Apesar das restrições fiscais, estimou-se – em 2004 – que cerca de 16,9 milhões de pessoas não-ocupadas foram atendidas por algum tipo de benefício de complementação de renda (seguro-desemprego, Bolsa Família, Peti, aposentadoria rural ou Loas), cujo montante de recursos públicos correspondeu a 34,7 bilhões de reais (13,7% da perda relativa estimada anualmente em 253 bilhões de reais da parcela salarial entre 1980 e 2004). Em resumo, a ação das políticas públicas – sobretudo aquelas adotadas pela Constituição Federal de 1988 – tende a compensar parcialmente o movimento mais geral de esvaziamento da renda do trabalho a que o Brasil encontra-se submetido desde o abandono do ciclo de industrialização nacional, em 1980.

No entanto, se considerado ainda que um total de 22,5 milhões de trabalhadores ocupados e com rendimento de até um salário mínimo mensal absorve quase 42 bilhões de reais, percebe-se o peso relativo dos recursos envolvidos pelas políticas públicas de combate à pobreza. Cada vez mais, o fato de o trabalhador ocupado possuir um contrato formal e receber o salário mínimo não indica, necessariamente, condição de vida superior à linha de pobreza.

Mesmo em um contexto desfavorável, o salário mínimo tendeu a apresentar impactos importantes na redução do leque salarial e na desigualdade geral de renda dos ocupados, justamente durante o ciclo de elevação do seu poder aquisitivo, ocorrido desde 1995. No ciclo de redução no seu valor real, por sua vez, houve aumento da desigualdade de renda dos

ocupados, assim como foi alargado o leque salarial entre os anos de 1986 e 1993.

Ainda no que concerne ao salário mínimo nacional, verifica-se um papel extremamente sensível ao rendimento médio real do terceiro decil da distribuição da renda dos ocupados no Brasil. Por encontrarem-se nesse decil da distribuição de renda, os trabalhadores de salário de base têm a sua remuneração associada ao comportamento do salário mínimo.

Em relação ao primeiro e ao segundo decil da distribuição da renda do trabalho, por sua vez, constata-se que a ação dos programas de transferência de renda termina por proteger os segmentos mais pauperizados do País. Sem a garantia do gasto social, acompanhada da recuperação do poder de compra do salário mínimo e da implementação de programas de transferência de renda, a desigualdade dificilmente teria regredido no Brasil.

Em razão disso tudo, o Estado permanece atuante e protagonista da estratégia de geração de emprego e proteção social – em especial no Brasil, um País em construção e com enorme desafio de conformar uma nova aliança política em torno de um novo desenvolvimento econômico e social contemporâneo com as expectativas do limiar do século XXI.

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