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A presente pesquisa, além de realizar reflexões acerca da participação e da memória e ser um reconhecimento quanto à rica produção de Josely Carvalho, veio incursionar o leitor em um caminho para a compreensão, através de recortes específicos, das modificações que ocorreram no público de arte que possibilitaram a mudança de papel como espectador, criando uma nova condição, a de participante.

Na produção de Josely Carvalho, podemos constatar que o convite à participação se deu de várias formas. Ora essa participação com as memórias olfativas dos participantes ocorre no próprio processo de elaboração de uma instalação, por meio de um website e pela inserção de elementos em frascos e registros em fichas, por exemplo, ora dá-se durante a exposição da instalação. As memórias olfativas são evocadas não só pelo ato consciente de rememorar, mas também ocorrem pelo contato com odores exalados pelo ninho e por dispersores, que são ativados pelo público, tornando-os participantes através da ação. Apresenta-se uma escolha ao público: de tornar-se ou não participante dos trabalhos a partir da evocação de suas memórias olfativas e/ou de compartilhá-las.

Vimos que, por trabalhar com a memória, a produção da artista gera uma forma de resistência quanto a sensação de achatamento de um tempo advindo do modo de vida contemporâneo, uma volta ao passado, como também o contato com elementos que se comunicam com os passados de outras pessoas e um tipo de participação que necessita de uma revisitação do participante em sua própria história de vida, que termina por tornar público ao trazer à tona algo tão íntimo por meio de registros.

O percurso percorrido durante a pesquisa nos mostrou múltiplas possibilidades de abordarmos a produção da artista. Ao trabalhar com o sentido do olfato, Josely Carvalho realiza uma espécie de resgate de uma disciplina esquecida, como disse Canton. Ao lidarmos com a memória, verificamos como, consequentemente, os trabalhos se ligam às várias questões referentes ao tempo, gerando reflexões que poderão servir para estudos futuros e específicos. A questão da autoria nos faria pensar na condição que se encontram os participantes em suas instalações. Vimos em The Silkscreen Project, no início de sua carreira, que todos eram nomeados como artistas, logo, as faixas, cartazes produzidos para manifestações, considerados como obras efêmeras, eram de autoria do coletivo. Já em Vidro de Cheiro, a artista trabalhava com o coletivo, mas a questão da autoria do trabalho pode ser pensada de

101 forma mais minuciosa. O fato dos participantes inserirem elementos nos frascos e realizarem registros de suas memórias olfativas no blog, neste caso, nos remeteriam a trabalhos como o

Você gostaria de participar de uma experiência artística? do artista Ricardo Basbaum, por

exemplo, por instigar a participação das pessoas, grupo, coletivos, ao propor que fiquem por um determinado período com um objeto, criem relações e vivenciem experiências artísticas com o mesmo e compartilhem tais experiências por meio de diversos registros no site do projeto NBP27, Novas Bases para a Personalidade. Assim, nota-se que paralelos com trabalhos como esse, que propõem experiências, resultam em registros e são depositados em sites pelos próprios participantes, podem ser traçados, resultando em outra pesquisa que envolve a questão do autor, propositor, participante-autor, etc.

De outras formas, a produção de Josely também abre caminhos para o tratamento de temas como o feminismo, a ação política e ativa da artista, a inserção do sentido do olfato na arte contemporânea, a possibilidade de reflexões sobre apropriação, pois ela se apropria de histórias e memórias, e, de formas mais pontuais, em como podemos pensar que um trabalho, como Vidro de Cheiro, traz questões referentes à representação de memórias de um lugar.28

Para compreendermos a produção, detectarmos como ocorreu a incorporação das memórias, das histórias dos outros e, de forma específica, as participações com memórias olfativas em

Diary of Smells, foi necessário o contato direto com a artista. Gentilmente, após a troca de e-

mails e conversas virtuais, Josely Carvalho abriu as portas de sua casa, disponibilizou diversos materiais – fotografias, livros, textos de críticos e pessoais, ainda não publicados, catálogos raros - , respondeu a entrevista, e, de forma admirável, durante dois dias inteiros possibilitou a imersão em sua produção.

No toque, no caminhar pelos cômodos que culminavam em encontros com instalação, fotografias e vidros de cheiros, na experiência com odores, na participação junto à artista ao inserir memórias em webart, o caminho percorrido na elaboração da pesquisa extrapolou o puro ato de pesquisar e encurtou possíveis e variáveis distâncias que surgem entre pesquisadora, trabalhos e artista. Assim como ocorre em sua produção, em que incorpora o outro, traz para perto, Josely Carvalho, na sua vida, nos aproxima e cria laços. Faz com que evoquemos memórias e passa, também, a participar delas.

27 Endereço do projeto NBP: www.nbp.pro.br/projeto.php.

28 Durante a pesquisa, este tema em questão foi objeto de reflexão e culminou no artigo intitulado Representação

das memórias olfativas na instalação coletiva Vidro de Cheiro, apresentado no I Congresso do Núcleo

Interdisciplinar de Estudos da Imagem, O borboletear do Método, em Abril de 2016 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O artigo se encontra nos anais de congresso do evento.

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