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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Foto 39 Pau-ferro

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho foi possível demonstrar como se deu a formação territorial, os modos de habitações, a produção e utilização da cultura material, o uso e transformação dos espaços conhecidos como sertões de Ararobá, realizados por colonizadores que adentraram a região do interior pernambucano, durante a passagem do século XVIII para o XIX. Tomou-se como estudo de caso a análise do surgimento e desenvolvimento de um povoado chamado “Alagoinhas” ou “Lagoinhas”, então subordinado administrativamente à vila de Cimbres, considerada, na época, um dos maiores e mais importantes núcleos urbanos dos sertões de Pernambuco.

O ponto de partida foi a identificação de alguns dos atuais lugares que remetem a lembranças do período da colonização portuguesa do interior da América, pois esses locais, embora muitas vezes modificados ao longo dos séculos, ainda guardam memórias desse período incrustadas em seus caminhos, serras, lajedos, lagoas, casas e objetos. Além da identificação desses espaços e seu uso como fonte de pesquisa, buscou-se compreender também as relações sócioculturais que a atual população mantém com esses lugares de memória. Através disto, foi possível perceber que certos bens que compõem o patrimônio cultural da localidade são mais apropriados pelas pessoas do que outros. É o caso da antiga casa de taipa pertencente a Gonçalo Antunes Bezerra, considerada a “primeira edificação da cidade” e que recebeu uma placa em homenagem no cinquentenário do município em 1998. Embora entendida pela população como patrimônio cultural de Alagoinha, isso não significa que a casa tenha sido preservada por sua importância comemorativa. Pelo contrário, foi averiguado que a edificação se encontra num estágio de degradação, causado pela ação do tempo e do abandono por parte da sociedade.

Já outros bens ainda estão passando por um processo de reconhecimento, como é o caso dos territórios quilombolas que são alvos recentes de uma série de ações sociais de valorização desenvolvidas pelo Ministério Público de Pernambuco. No entanto, alguns bens são menos familiarizados por parte dos habitantes do que outros, como por exemplo, as pinturas rupestres. Por se encontrarem nas áreas rurais, esse patrimônio é pouco visto e conhecido pela população que habita a área urbana do município. Além disso, tanto a herança cultural indígena quanto a afro-brasileira, ainda são alvos de preconceito e discriminação,

sendo por vezes esquecidas ou depredadas, como por exemplo, a destruição de parte da Pedra Pintada. Já a herança cultural deixadas pelos colonizadores, apesar de sofrer também degradações, ainda assim consegue manter certo reconhecimento por parte dos moradores daquela região, como é o caso da casa de Gonçalo Antunes (Alagoinha) e do Senado da Câmara de Cimbres (Pesqueira), que receberam placas comemorativas em sua homenagem. Em outras palavras, enquanto a maior parte da população reconhece simbolicamente a importância do legado cultural deixado pelos colonizadores, o mesmo não pode ser dito dos bens culturais dos povos pré-coloniais (indígenas) e afro-brasileiros que ainda sofrem certo tipo de discriminação.

Retroagindo no tempo, chegamos ao período colonial, onde adentramos no interior do território da América portuguesa, mais precisamente na região conhecida como os sertões de Ararobá. Através de variados documentos escritos – petições, relatos de viajantes e cronistas, ordens régias – foi possível notar que os núcleos urbanos do litoral e do além-mar (detentores dos poderes políticos, administrativo, econômico e cultural) imputavam certa imagem sobre as áreas do interior do continente. Chamadas de sertões, essas áreas eram taxadas de “desertas”, “vazias”, “matas” “inóspitas” e seus habitantes originais (variados grupos indígenas) eram tidos como “selvagens, “bárbaros”, “incultos”, pois, aos olhos dos colonizadores, essas pessoas e lugares ainda não possuíam os padrões de cultura europeia (moradia, idioma, vestimenta, religião...). Gradativamente, diversos colonizadores (viajantes, cronistas, homens de negócios, criadores de gado, plantadores de algodão, funcionários da Coroa portuguesa) adentravam o interior do continente e aos poucos iam transformando esse espaço.

Porém percebemos que, já consolidado o processo colonizador na região, entre os séculos XVIII e XIX, ainda assim os sertões eram vistos pelos habitantes do litoral como um lugar ermo. Em outras palavras, mesmo exterminados ou subordinados a maioria dos grupos indígenas, mesmo desmatadas partes da caatinga e estabelecido o Estado português (com sua influência político-administrativa e cultural proporcionada pela criação de povoados e vilas) ainda assim se perpetuava essa antiga imagem que os habitantes dos núcleos urbanos do litoral mantinha em relação aos sertões.

Finalmente formalizada a administração do Estado português em Ararobá, com a criação de Cimbres, logo começaram a surgir povoados em sítios que faziam parte da influência jurídico-administrativa da vila. Nesse sentido, o antigo sítio Alagoinhas não

escapou desse processo colonizador. Habitado por uma família colonial, a partir de 1805, o local apresentava, segundo as pesquisas realizadas, um ambiente propício para a sobrevivência humana, pois as diversas lagoas incrustadas nos lajedos de granito garantiam o abastecimento de água numa região de clima seco e vegetação espinhosa formada por mandacarus, xique-xiques, facheiros, coroas-de-frade. Estabelecidos estrategicamente entre lajedos e lagoas, os colonizadores passaram a realizar diversos tipos de atos – habitar, expandir a família, plantar roçados, criar animais, utilizar mão-de-obra escrava – transformando, com isso, cada vez mais as configurações da paisagem que os rodeava.

Graças ao cruzamento entre inventários post-mortem da antiga Comarca de Cimbres, com a cultura material e com os relatos de cronistas que percorreram os sertões das Capitanias do Norte da América portuguesa (Henry Koster, Carl von Martius e Spix), foi possível aferir os diversos tipos de atividades realizados por Gonçalo Antunes Bezerra e sua família colonial. O resultado desse cruzamento gerou uma gama de informações a respeito dos modos de habitação, dos casamentos, da religiosidade, da economia, dos trabalhos realizados e do uso da matéria-prima da região para confecção de artefatos.

Sendo assim, ao tomarmos o povoado colonial de Alagoinhas como objeto de estudo foi possível ter uma melhor percepção dos usos e transformações dos espaços, das formas de moradia e da vida desenvolvida nos sertões da América portuguesa. Sertões estes que provocavam medo e receio ao olhar dos habitantes dos centros urbanos do litoral e do além- mar (sendo por isso considerado deserto e inóspito), mas que tinham sua forma específica de organização e que, através das estratégias de ocupação do espaço e da utilização da matéria- prima, proporcionavam meios de sobrevivência aos mais variados grupos humanos.

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