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Eu me lembro muito bem Do dia que eu cheguei Jovem que desce do norte pra cidade grande Os pés cansados e feridos de andar légua tirana E lágrimas nos olhos de ler o Pessoa e de ver o verde da cana. Em cada esquina em que eu passava um guarda me parava Pedia os meus documentos e depois sorria Examinando o 3X4 da fotografia Estranhando o nome do lugar de onde eu vinha Pois o que pesa no Norte pela lei da gravidade Disso Newton já sabia cai no Sul grande cidade Belchior, Fotografia 3X4. A música do cearense Belchior conta a história que pode ser a história coletiva de vários nordestinos, fazendo uma analogia com a lei da gravidade para comparar a migração de nordestinos para as cidades ao Sul do país. O relato de migração, estranhamento, amor e preconceito que é retratado na música do compositor e cantor nordestino é também parte da história de vida de muitos maranhenses. Que mesmo estando diante de vários discursos que dizem da sua melhoria de vida pela modernidade, estão distante do que é anunciado.

Como num réquiem para o trabalho escravo contemporâneo, a modernidade é anunciada como a redentora dos males do Maranhão. Os espaços subalternos do estado servem como parte necessária e contraditória do desenvolvimento capitalista no Brasil. O lugar da reprodução da pobreza, um bolsão de miséria, criado e reproduzido pela modernidade do capitalismo contemporâneo como um espaço de reserva do capital e de envio de mão de obra para a exploração do modo de produção.

Como o lugar da mentira, o Maranhão serve ao modo de produção capitalista e seu desenvolvimento no Brasil como espaço subalterno. A mentira, a mesma dita pelo Padre Antônio Vieira no seu Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, no ano de 1654, é corriqueira nos discursos desenvolvimentistas que são sempre pedras angulares das políticas públicas que são empenhadas no território do estado. O discurso do desenvolvimento calcado na modernização do estado, desde o governo de José Sarney, de 1966 a 1971, até o governo Flávio Dino, iniciado em 2015, tem sido o norte para as políticas públicas. Nessas políticas,

a pobreza é algo externo ao desenvolvimento capitalista, tal como fica implícito no discurso do governador ao assumir o cargo de governador do Maranhão em janeiro de 2015.

A pobreza é parte necessária do capitalismo e a modernidade do modo de produção contemporâneo acirra, criando laços de relação entre ela e a exploração do trabalho moderna. A pobreza é parte do processo de exploração do trabalho, principalmente quando pensamos que o pobre tende a aceitar qualquer forma de trabalho precarizado e com salários baixos. O Maranhão, historicamente, tem reproduzido índices sociais de pobreza bem acima da média nacional e ostentando algumas das piores posições em escala nacional, o que, na verdade, não é resultado do acaso, mas sim, parte de uma dinâmica social e econômica que lhe conferiu determinadas características. Essa vocação não se trata de azar ou sorte. O Estado se tornou, no desenvolvimento capitalista dependente brasileiro um espaço subalterno à modernidade. O capitalismo dependente que se desenvolve no país e que foi largamente analisado por Rui Mauro Marinho (2000) tem como um de seus traços mais marcantes a superexploração de trabalhadores.

A marca da exploração dos trabalhadores brasileiros serve à manutenção de um capitalismo que envia parte da mais-valia convertida em lucro em forma de juros para bancos e para os países onde estão localizadas as sedes das empresas multinacionais. O que é produzido no país não serve aos trabalhadores. Apenas as marcas na pele, seja nos períodos colonial e imperial, em que o trabalhador tinha as marcas do chicote do seu senhor, seja na república em que o trabalhador serviu para construir a imagem do Brasil como pátria. Em todos esses tempos, o país- potência tem sua pedra de fundação no suor do trabalhador, sobretudo, com a expansão da fronteira capitalista no Brasil.

A fronteira é parte do processo de desenvolvimento do capital no espaço, que avança sobre o território brasileiro e incorpora novas regiões. A fronteira agrícola é condição da reprodução capitalista. Seu avanço depende das formas de exploração do trabalho, principalmente da superexploração e do trabalho escravo contemporâneo. O movimento da fronteira é ele próprio parte da modernidade. É a separação entre o que é dito como arcaico e o que chega como moderno. É a divisão entre o que é o novo e o velho. Na agricultura, aparece como o antagonismo entre agricultura camponesa e agronegócio. O discurso da modernidade traz o agronegócio como o novo que apaga a agricultura camponesa e todas as relações

não-capitalistas. Como numa evolução linear de tempos históricos. Porém, o desenvolvimento do capitalismo na agricultura se faz com a modernidade do capital se articulando, subjugando, assimilando outras formas de produção para poder se reproduzir. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo na agricultura não se faz de maneira evolutiva e muito menos linear. Assim, o Maranhão não é um espaço perdido no tempo do desenvolvimento capitalista. Ele participa desse desenvolvimento tendo uma funcionalidade, sobretudo em relação ao envio de mão de obra barata.

Os estudos têm demonstrado que a migração de camponeses é uma constância na dinâmica do modo de produção capitalista no país. Esse fenômeno tem que ser entendido a partir dos processos que ele se relaciona, como o movimento da fronteira, a pobreza rural, a mobilidade da força de trabalho, o controle que o capital exerce sobre os salários dos migrantes além do uso do trabalho escravo contemporâneo, entre outros. Os fluxos migratórios de pessoas pelo território brasileiro sempre tiveram relação com o desenvolvimento do modo de produção capitalista no Brasil. À medida que o capitalismo se desenvolvia a partir de determinadas atividades que se faziam em regiões específicas, esse fluxo se modificou, bem como as cidades que foram sendo criadas ou crescendo com o aporte do modo de produção, desde São Paulo como centro industrial e posteriormente como centro financeiro e gestor, até Marabá (PA), com sua dinâmica criada pelas atividades da Vale. A dinâmica dos fluxos se modificou à medida que sistemas de transportes foram se desenvolvendo, permitindo uma maior mobilidade, mas também, a partir das demandas das atividades que se desenvolveram nas regiões de destino. Se antes, o fluxo se dava com as pessoas ficando vários anos nas cidades de destino, atualmente, o movimento de pessoas se dá com esses migrantes ficando apenas parte do ano nessas regiões. As migrações temporárias se tornam parte da dinâmica de sobrevivência de populações empobrecidas do Maranhão para, principalmente, regiões de expansão da moderna agricultura brasileira.

O Maranhão, nesse contexto, é subalternizado pelo processo de reprodução do modo de produção capitalista, servindo a manutenção do status quo do sistema, com o abastecimento de mão de obra barata e precarizada. A mobilização de mão de obra no estado para a exploração de força de trabalho nas

regiões dinâmicas do ponto de vista do capital é necessária para a reprodução do modo de produção.

A saída de maranhenses do estado em busca de melhores condições de vida parece ser a busca do eldorado. A procura do Eldorado, de Canãa ou das Bandeiras Verdes tem povoado a imaginação de migrantes em várias partes do mundo.

Da mesma forma que a busca dos Bandeiras Verdes em meados do século XX por Nordestinos que adentravam a mata amazônica, a ida de maranhenses para a região Norte é também a busca pelo lugar de redenção. O mito das “bandeiras verdes” fez parte do imaginário dos migrantes que se deslocavam principalmente do nordeste meridional em direção à região amazônica, impulsionados pelo mito, que supostamente foi criado por Pe. Cícero, que teria feito uma analogia com a busca da terra Santa pelos Hebreus. Como na busca do Eldorado, nordestinos e principalmente maranhenses vão em busca dos lugares que reluzem o emprego e as melhores condições de vida tanto como o Eldorado que reluzia o ouro para os colonizadores. O Eldorado é uma lenda indígena do período da colonização das Américas. O eldorado foi descrito como sem uma localização precisa, podendo estar em várias regiões do “Novo Mundo”, do Deserto de Sonora (México), nas nascentes do Rio Amazonas ou em algum ponto da América Central ou Planalto das Guianas (entre a Venezuela, Guiana e Roraima no Norte do Brasil). A lenda falava de uma cidade construída com ouro maciço. A lenda também é descrita como sendo relatos de um chefe de tribo que se banhava em pó de ouro e por isso o nome (El Dorado, que traduzido poderia ser O [homem] dourado).58

A busca do Eldorado, como na antiga lenda indígena que motivou muitos aventureiros europeus a se embrenhar nas matas amazônicas no período da colonização, parece reviver. Tanto do ponto de vista das migrações internas com camponeses e trabalhadores rurais empobrecidos e o Eldorado, o espaço urbano das cidades dinamizadas com grandes obras ou cidades que servem de apoio ou que se originaram com a extração mineral, como por exemplo, Eldorado dos Carajás, Parauapebas e Marabá, todas no Pará. Como também do ponto de vista das migrações internacionais e no Brasil, os haitianos, senegaleses, bolivianos (dentre outros) são os novos “aventureiros”, mas que ao contrário dos aventureiros

58Informações obtidas do Portal

que entraram na mata em busca do ouro, aqueles que atravessaram a mata para cruzar as fronteiras brasileiras em busca de melhores condições de vida.

A busca do Eldorado comentada por Ernst Bloch (2006) se transforma no que ele chama de utopia geográfica. Da mesma maneira, podemos falar que a busca maranhense pelas condições de vida que supõem em outras regiões do país também é utópica. Com duas características da “esperança geográfica”, o “inventar” e o “descobrir” se tornam verbos da busca de espaços inóspitos, desde Colombo até as migrações internas e algumas migrações internacionais. Porém, Bloch chama a atenção que a “[...] concretização de utopias geográficas, um fenômeno ausente em todas as demais [...]: a chegada”. É nessa chegada que podemos admitir o desencanto do descobridor. A chegada dos maranhenses nas regiões onde são aliciados para o trabalho escravo contemporâneo se torna o desencanto. A imagem e a realidade se desencontram. O desencontro que Bloch escreve se situa nas condições que os migrantes se deparam no destino. O Eldorado não é descoberto por esses migrantes e o Éden em terra não existe.

O aliciamento para o trabalho escravo contemporâneo é um dos desencantos dos migrantes maranhenses. O Eldorado ganha seu antagônico, as condições precárias e violentas do trabalho escravo contemporâneo aos quais esses sujeitos são submetidos.

Esse trabalho teve como objetivo central analisar a migração de trabalhadores do Maranhão, que buscamos inserir no conceito de espaço subalternizado para os espaços de atração de mão de obra no Brasil, sobretudo no campo brasileiro que reflete bem as transformações das relações de trabalho no país, bem como a reprodução do trabalho escravo contemporâneo. Os elementos de repulsão e atração a partir das desigualdades regionais são abordados, nessa perspectiva, como partes constituintes e características do desenvolvimento do modo de produção capitalista no território nacional. Assim, a relação entre a reprodução da pobreza nesses espaços, que chamamos de regiões-bolsões; a ampliação do trabalho escravo contemporâneo no país como parte da dinâmica do modo de produção que se beneficia da migração de trabalhadores; e a contradição entre mobilizar e imobilizar os trabalhadores com o cerceamento de sua liberdade fizeram parte desse estudo.

O trabalho escravo contemporâneo pode ser compreendido como parte da reprodução capitalista. Ele é uma forma de exploração da força de trabalho