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MIGRAÇÃO DE CAMPONESES NO MARANHÃO: entre a Geografia do Diabo e a mobilização da força de trabalho

Eu fui pedir aumento ao patrão Fui piorar minha situação O meu nome foi pra lista Na mesma hora Dos que iam ser mandados embora João do Vale, A voz do povo.

Quando João do Vale cantou na música “A voz do povo”, naquele que se tornou o seu disco mais famoso e que tinha o mesmo nome da música, o cantor visualizava na canção uma repetição da vida de muitos maranhenses. Sua história contada em versos, em que saiu do povoado de Lago da Onça, no interior do município de Pedreiras - MA29 para trabalhar no comércio informal na sede da

cidade, partindo depois para uma jornada que lhe levaria para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como servente de pedreiro confunde-se com a história de muitos maranhenses. Trabalhadores e trabalhadoras que saem do estado à procura de colocação no mercado de trabalho em outras regiões do país. Para esses trabalhadores e trabalhadoras, a saída do estado é uma oportunidade de conseguirem melhores condições de vida mediante as condições de carência que enfrentam nos seus lugares de origem.

As condições que enfrentam em seus lugares de origem não são apenas fruto do acaso ou uma má sorte do destino. Como numa geografia perversa, o espaço de onde saem apresenta como característica a pobreza e a falta de acesso a recursos. Porém, não tem nada a ver com uma condição de não presença do modo de produção capitalista como aparece em alguns discursos30. Esses enunciados, de

uma suposta não chegada da modernidade no Maranhão, se confrontam com a ideia de modernidade expressa por Anthony Gidens (1991). Para ele, a modernidade apresenta dois elementos essências: 1) ruptura com a ideia de comunidade; 2) ruptura com as práticas do poder político encarnado na figura pessoal, ultrapassando para a dominação impessoal e racional. Ora, esses dois elementos

29 Município localizado no centro do estado do Maranhão.

30 O governador eleito no mandato de 2015 a 2018, Flávio Dino afirmou que sua gestão iria “fazer o

capitalismo no Maranhão”. Daria um “choque de capitalismo” com a intenção de atrair investimentos. Nas palavras dele: “Na nossa avaliação e na dos economistas, isso leva a mais investimentos e expansão da riqueza”. Matéria publicada no Portal UOL “Comunista, Dino promete 'choque de capitalismo' no Maranhão”: http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/10/08/comunista-dino- promete-choque-de-capitalismo-no-ma.htm

não se sustentam nos exames da realidade concreta, sobretudo a ruptura de práticas pessoais. O próprio Estado moderno é uma expressão de pessoalidades. A modernidade, assim, não carrega o peso de ser o bem comum, que não aporta em interesses individuais. Ela é palco e produzida pela luta de classes, colocando o Estado como parte dessa disputa.

Podemos dizer que Maranhão tem uma forte presença do domínio oligárquico em suas estruturas políticas, conferindo pessoalidade à atuação do Estado. Essa atuação tem relação com a modernidade que o Maranhão tem conhecido há muito tempo31. Na verdade, o que geralmente se confere como

característico da não modernidade do Estado é próprio da modernidade e só existe pelo seu avanço. As relações de trabalho, a estrutura de poder, a pobreza, todos esses são elementos que se reproduzem e se expandem com a modernidade no Maranhão.

A modernidade pode ser avaliada no desenvolvimento do modo de produção capitalista, assim como Alex Fiúza de Mello (2001, p. 64) faz quando diz que a modernidade burguesa “não apenas é o patamar objetivamente mais evoluído e o momento dialeticamente superior de um amplo processo de racionalização da vida humana” e este processo de racionalização como momento de evolução das sociedades, mas também, parte da “história, como processo social total”. Ao mesmo tempo que o autor faz essa constatação da modernidade no capitalismo como parte dele, também avalia que “Nunca houve capital(ismo) em escala apenas local ou nacional” (idem, p. 21). Assim sendo, não existe um capitalismo que não se expanda sem a constituição do mercado mundial. Isso nos leva a pressupor que o modo de produção tenta articular as diferentes localidades, de diferentes maneiras, à sua mundialização. Obviamente, os casos particulares de permanência de modos de produção fora do capitalismo podem ser analisados à luz de suas especificidades, mas que nesse contexto, fica expresso a força do capital de se espraiar no espaço.

Neste capítulo, analisamos o Maranhão dentro da lógica perversa da distribuição funcional do modo de produção capitalista em torno de sua mobilização de mão de obra para sua reprodução. Debatemos aqui, como a produção de um

31 O texto de Wagner Cabral (2006) intitulado “ Do 'Maranhão novo' ao 'novo tempo': a trajetória da

oligarquia Sarney no Maranhão” ressalta bem esse panorama de uma oligarquia empenhada na gestão do “processo de modernização econômica do espaço regional”. Ele assim expressa: “Esta idéia de uma oligarquia modernizante de certa forma combate e relativiza as posições simplistas que identificam a oligarquia com o “atraso” do Maranhão [...]”.

espaço subalternizado no Maranhão a partir da reprodução da pobreza serve de um lado à liberação de mão de obra pelo processo de acumulação primitiva de capital, que nas palavras de Carlos Brandão (2010) é permanente e não apenas processo inicial de acumulação de capital. E de outro lado, serve também à mobilização da mão de obra pelo capital, tornando-a disponível para sua reprodução nos vários pontos do território nacional. Sobretudo em áreas rurais do estado, sendo a população camponesa o principal sujeito a que nos referimos.

Assim, o fenômeno da migração de trabalhadores maranhenses, sobretudo os provenientes de regiões rurais, pode ser analisado a partir de diversas perspectivas teóricas, mas que a que privilegia o seu contexto vinculado ao modo de produção é a que mais consegue compreender o caso do Maranhão. A especificidade do estado não exclui a perspectiva de Paul Singer (1975). A ideia de que as migrações internas são decorrentes de fatores históricos, institucionais, bem como de mudanças estruturais da economia, como sendo um processo global abarca a realidade maranhense como uma subtotalidade que se reproduz na totalidade-mundo.

Porém, sua análise deixa de fora um fenômeno que vem se apresentando à história do capitalismo, a reprodução do “atraso” como parte da modernização da economia. Sendo assim, mostra-se como um movimento complexo, diverso e contraditório. A modernidade é causa do que o discurso dos grandes empreendimentos e do Estado, que os financia, chama de atraso maranhense.

Parece-nos que a modernidade no estado traz consigo, também a mentira como um mote. A mesma mentira que o Padre Antônio Vieira já falara no século XVII. Quando ele escreveu o seu Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, no ano de 1654, falando da mentira, não imaginava que a geografia descrita ali, espacializando a mentira no Maranhão, poderia ser aludida no século XXI como sendo atual no contexto que se reproduz no estado. Em seu escrito, ele afirma assim: “No Maranhão a corte da mentira. O galante apólogo do diabo. O M de Maranhão. No Maranhão até o sol e os céus mentem” (VIEIRA, 1998). Essa geografia da mentira, na verdade, é parte de uma geografia mais demoníaca, a geografia do diabo. Ele cita o que seria uma fábula antiga alemã, em que dizia da queda do Diabo do céu e ao cair se fez em pedaços no ar. Os vários pedaços caíram em diversos lugares: a cabeça caiu na Espanha, por isso a fúria característica do povo daquele país; O peito teria caído na Itália, e por isso, dali saiu

os fabricadores de máquina, com coração sempre coberto; O ventre caiu na Alemanha e por isso a gula que faz aquele povo gastar mais que os outros com comida e bebida; A língua teria caído em Portugal, daí os vícios com a fala. Ele cita que se as letras do abecedário se repartissem pelos “estados de Portugal”, a letra que tocaria sem dúvida o Maranhão seria o M.

M - Maranhão, M - murmurar, M - motejar, M - maldizer, M - malsinar, M - mexericar, e, sobretudo, M - mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente (VIEIRA, 1998, p. XX).

A geografia do diabo em que o Maranhão está inserido lhe destinou a mentira e ao engodo. A mentira que a globalização traz ou o engodo do desenvolvimento trazido pelos grandes empreendimentos. Não é intenção debater aqui as consequências de um Maranhão inserido na economia moderna globalizada, mas cabe ressaltar que os produtos da modernidade que se instala no Maranhão se assemelham ao que Milton Santos falava de uma fábrica de perversidades. Ele se referia à globalização como fábula em que “[...] se difunde a noção de tempo e espaço contraídos” (SANTOS, 2003, p. 19). Essas fábulas são um conjunto de fantasias criado a partir dessa primeira ideia. Desde a morte do Estado, fim do trabalho, e o que ele chama atenção, a fabulação da aldeia global.

A constituição do ele chama de “máquina ideológica” (Idem, p. 18) serve à manutenção dessas fábulas como as verdades do mundo, disseminando o discurso da globalização como homogeneização do espaço e destruição do tempo. Na verdade, o fenômeno atual da globalização não causa uma homogeneização dos espaços tais como seu discurso ideológico faz crer. A disseminação da informação seria uma das consequências dessa suposta homogeneização dos lugares. Todos teriam igualmente acesso às informações produzidas e também poderiam informar de maneira igual. O acesso de maneira veloz à informação seria uma consequência das inovações tecnológicas. Porém, Milton Santos (2003, p. 19) expõe que sobre outro ponto de vista, a globalização é um ambiente em que “O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida”.

Somado a essa compreensão, temos que avançar para o fato de que o fenômeno da globalização atual direciona capitais e especializa regiões a partir das demandas desses capitais, criando uma fragmentação do território cada vez maior.

Não é à toa que pensamos a globalização como um espraiamento do capital, mas associado com uma maior desigualdade entre as classes sociais. E isso se dá envolvendo o espaço, sua produção e consumo de maneira dialética. Podemos dizer que há a especialização de regiões por parte do capital, como sendo espaços de gestão, que se dá com a administração financeira do capital. Movimento inverso ao de refuncionalização que vem se dando com a “desindustrialização” e desconcentração metropolitana.

A inserção do Estado na economia globalizada, sobretudo, com a instalação de grandes projetos agropecuários e minero-siderúrgicos das últimas décadas tem se dado dentro desse contexto de especialização e de desigualdade. Esses projetos de integração à economia mundial a partir da exportação de commodities produzidas a preços baixos e com uma série de isenções patrocinadas pelos governos municipais, estadual e federal no Maranhão. O complexo portuário do Itaqui, um dos maiores do país, com uma das maiores capacidades de atracamento de navios de grande calado, a Estrada de Ferro Carajás, as regiões de expansão da soja no sul e leste do estado, além dos espaços vendidos como sendo para o consumo do turismo são parte dessa complexa rede espacial de integração com a economia de mercado. Constantemente essas atividades são vendidas como eixos do desenvolvimento maranhense. Em seu “Plano Estratégico de Desenvolvimento Industrial do Maranhão” a Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (2009, p. 26) afirma assim:

A economia do Maranhão está estruturada em dois grandes eixos de desenvolvimento e integração, que englobam macro-cadeias produtivas de elevado dinamismo e modernização: o agronegócio de alimentos e energia, com destaque para a moderna produção da região sul, onde se expande a soja, o milho, a cana-de-açúcar e a pecuária; e o complexo minero- metalúrgico, concentrado na parte oeste e norte (São Luís) do estado. Esses dois eixos expressam e consolidam uma relativa diversidade econômico-social interna, concentrando o dinamismo nas microrregiões sul e sudoeste, e no eixo da ferrovia, além da capital, ponto de convergência e de suporte logístico da economia maranhense.

Apesar de sintetizar em dois, esse plano expressa bem o que viria a ser a tentativa de sistematizar o desenvolvimento do Estado a partir de grandes investimentos em atividades centrais, de acordo com seu dinamismo e potencialidades regionais. Mas tal como uma fábula, como a globalização vista por Milton Santos, esse discurso de desenvolvimento se apresenta como uma retórica,

do mesmo tipo da mentira a que o Padre Antônio Vieira se referia. Apesar das promessas a que constantemente são associados esses grandes empreendimentos, sobretudo de criação de vagas de emprego e geração de renda, eles parecem ser parte da mentira que o padre se refere em seu sermão ainda do século XVII, como se fosse uma profecia para o século XXI32.

Cada vez mais, o papel do Maranhão diante desses grandes investimentos tem sido de um espaço subalternizado pelo capital, em que a gestão do seu território passa a ser controlada por forças exógenas, com imposição de valores, delimitações, organização da produção e até mesmo a gestão administrativa, já que a força das grandes multinacionais tem servido de lobby para isso. O sentido de subalternizado tem uma conotação parecida com o que Rui Mauro Marine (2000) expressara no seu “A dialética da Dependência”. Nesse livro, o autor analisa como se deu uma maneira particular de desenvolvimento do capitalismo no Brasil a partir de uma dependência, que ele busca suas raízes no momento político do golpe militar de 1964. A junção entre política e luta de classes é trazida por ele para buscar a relação entre esse momento político com o desenvolvimento do capitalismo no país no período. Mesmo a prática do que ele chama de subimperialismo, posição ao qual o Brasil se põe em meados do século XX, não descarta a ideia expressa por ele de que o país desenvolve o modo de produção de maneira dependente. Então, a integração ao mercado mundial, um intercâmbio desigual e a superexploração do trabalho são elementos primordiais para entender a economia brasileira. Este último mais ainda para a nossa análise. E, para isso, para esse terceiro elemento acontecer, a criação de um panorama de pobreza estrutural e a produção de um espaço de reserva para a devida mobilização da mão de obra quando o capital necessita é de suma importância.

Apesar de a tendência é pensarmos a lógica da dependência na escala do território estadual, é preciso, na verdade, ampliar a escala e analisar o Maranhão como parte da dialética da dependência do capitalismo no país. O Maranhão tem sido apresentado como um dos principais exportadores de mão de obra, mas

32 Mesmo recentemente, o Estado tem se empenhado na atração de grandes empreendimentos para

o Maranhão. Em notícia no site do governo do estado, assim o governador Flávio Dino afirma: “Nosso compromisso com relação a este grande investidor no estado, e aos demais, é garantir as condições institucionais e legais, para assegurar o bom funcionamento deste fluxo de negócio e, com isso oportunizar emprego e renda com desenvolvimento social no Maranhão” (MARANHÃO, 2015). Do portal: http://www.ma.gov.br/governador-flavio-dino-discute-parcerias-com-representantes-da-alumar/.

Esse é um dos exemplos do discurso de desenvolvimento que se reproduz a partir desses grandes investimentos de capital.

também é um estado que detém alguns dos piores índices sociais e econômicos. A partir das condições de subalternidade do estado, entendemos que a gestão do território tem se dado a partir da influência das multinacionais, acontecendo fora do lugar.

Não obstante essa teoria ser convidativa para elucidar a criação de um espaço que serve ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, é preciso ter em conta que ele não consegue desvelar a totalidade dos processos que se fazem na relação entre as diversas escalas. O aparecimento de espaços “luminosos” dentro do espaço subalterno não é um processo que a teoria da dependência consegue dar suporte. Apesar das limitações, ela ainda pode ser um aporte teórico para construção da ideia dos espaços subalternos como lócus da reprodução de relações não-capitalistas, mas que demonstram as necessidades de criação e recriação do modo de produção capitalista que vão para além do trabalho assalariado.

Essa relação entre território e multinacionais também é referida por Milton Santos (1994, p. 15) quando ele escreve sobre o que anuncia como “O retorno do território”. Nesse texto, ele fala que “O território era a base, o fundamento do Estado- Nação que, ao mesmo tempo, o moldava. Hoje, quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos da noção, tornada antiga, de Estado territorial para a noção pós-moderna de transnacionalização do território”, uma passagem do domínio das horizontalidades para o domínio das verticalidades.

Não só na organização do território que atende a esses interesses, a sua produção sob uma nova égide que repousa em formas culturais distintas das comunidades tradicionais que residem no espaço ou das populações que se reproduzem e reproduzem o espaço. Mas também, a própria população do Estado, é elemento dessa subalternidade. O avanço dos grandes empreendimentos não só atua de maneira a criar um processo de produção do espaço, com novos agentes, mas atua de maneira a recolocar a população sob as demandas do capital. Assim, por exemplo, a disseminação de cursos técnicos ou cursos destinados a funções como de cozinheiro (a), cabeleireiro (a) voltados para a população maranhense para atuar em empresas e indústrias que se instalam no Estado, são elementos que podem ser explicativos dessa subalternidade ao processo global de produção do capital que integra o território maranhense de maneira periférica.

4.1 Entre a pobreza e o legado do desenvolvimento Maranhense

Disse aos patrões: sei o que meus clientes têm. Mas não posso curá-los porque sou médico e não diretor daqui. A doença desta gente é fome. Pediram que eu me demitisse. Saí. Compreendi, então, que o problema era social. Não era só do Mocambo, não era só do Recife, nem só do Brasil, nem só do continente. Era um problema mundial, um drama universal. Josué de Castro, Citação no Livro Josué de Castro: Vida e Obra. (2007, p. 29) Quando Josué de Castro escreve sobre o drama da fome, ele já tinha bem desenhado que o problema não se tratava apenas de uma carência alimentar pura e simplesmente. Havia dentro do problema da fome algo mais amplo que a constituía como um elemento estrutural. Como bem citado na epígrafe deste tópico, não se tratava de um problema pontual, mas sim, geral. Esse problema, no período de realização de suas pesquisas e escritos principais, era um tema proibido, silenciado, como ele afirma. “[...] um silêncio premeditado pela própria cultura”. Na verdade, a cultura aqui entendida como a forma hegemônica de impor valores, em que “os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido [...]” (CASTRO apud CASTRO, 2007, p. 32).

Ao escrever sobre a fome, Josué de Castro fez sua relação com a reprodução da sociedade a partir do modo de produção predominante. Seria o aspecto mais cruel do modelo produtivo. Ou como ele afirma, uma expressão biológica do subdesenvolvimento, que ao mesmo tempo seria efeito do modelo de desenvolvimento escolhido. Na sua perspectiva, ao retratar a fome no Brasil, evidenciou o seu subdesenvolvimento econômico “[...] porque fome e subdesenvolvimento são a mesma coisa” (CASTRO apud CASTRO, 2007, p. 32). Ao dizer isso, ele relaciona um fenômeno biológico a um fenômeno social, em que o primeiro passa a ser consequência do segundo. Mas ela não seria apenas encontrada onde tivesse subdesenvolvimento, ela era o próprio estigma deste, mas mais que isso, ela aconteceria em toda parte do mundo, seja em países subdesenvolvidos ou em países ditos desenvolvidos. As considerações de Josué de Castro de que a fome se tornara um assunto tabu em que o mundo silenciava e que mesmo os grandes países produtores de alimentos tinham milhões de pessoas que

pereciam de fome, tornava o termo fome crivado de aspectos sociais, em que desde a reflexão de que se tratava de um assunto que necessitava ser mais debatido e que havia uma forma de reprodução do mundo que fazia com que o fenômeno se reproduzisse como parte dele.

Mesmo se passando tantos anos após Josué ter escrito suas obras principais, a fome permanece como tabu e o mundo permanece a silenciar, mesmo com tantos milhões33 que carecem do mínimo para sua sobrevivência. Como parte

da reprodução da pobreza, a fome de comida e de nutrientes é silenciada pelo