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A análise do site da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) – o www.seppir.gov.br, possibilitou saber como o Governo Federal, na gestão Dilma Rousseff, coloca-se na esfera pública virtual, principalmente quando o tema é a questão racial no Brasil. O trabalho foi desenvolvido a partir das discussões sobre esfera pública virtual, sobre a questão racial no país e as relações entre o Governo Federal brasileiro, o Partido dos Trabalhadores e o movimento negro. Três temáticas que ajudaram a identificar e compreender as características do lugar que a SEPPIR ocupa nessa esfera.

Nesta dissertação, o site da SEPPIR foi inserido na discussão sobre a ideia de esfera pública virtual, tendo como referência a concepção de esfera pública apresentada por Habermas (2003a, 2003b). O veículo de comunicação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi analisado destacando-se a noção de publicidade, daquilo que é exposto, passível de visibilidade e discutibilidade. Mas a discussão apresentada neste trabalho também ressaltou que as novas tecnologias de comunicação e informação chegaram e trouxeram novas formas de ver e viver a ideia de esfera pública.

Apesar das limitações e dificuldades que acompanham a ideia de esfera pública virtual, este trabalho mostrou que a internet pode sim representar ganhos para uma esfera que depende, nas sociedades modernas, da mediação tecnológica da comunicação. Iniciativas governamentais e da sociedade civil, inclusive brasileiras, mostram que a internet pode auxiliar na construção e na manutenção das esferas de visibilidade e discutibilidade públicas, por exemplo.

A análise localizou-se nessa discussão, mas também esteve inserida em uma temática recente em nossa esfera pública. A comunicação desenvolvida no site da SEPPIR dialoga com a história de décadas de luta necessárias para que o movimento negro conseguisse propor uma forma diferente de o país ver a si e a questão racial, conseguisse pressionar a porosidade da esfera brasileira e introduzir a temática nas esferas de visibilidade e de discussão públicas. Fez isso, principalmente, a partir da década de 1970, quando se transformou em um movimento radical organizado, ampliando sua agenda e defendendo demandas de reconhecimento e redistribuição.

O site da SEPPIR também dialoga com as estratégias do movimento para colocar a questão racial na esfera de decisão política. A partir da década de 1980, o Governo Federal abriu as portas de novos e antigos órgãos e cedeu espaços nas políticas públicas para as demandas do movimento e também para seus militantes. Essa entrada na esfera

governamental também é creditada à aproximação do movimento com os partidos políticos, principalmente os de esquerda. Influenciando a agenda partidária, conseguiram influenciar a agenda governamental.

Foi assim na relação entre o Partido dos Trabalhadores e o movimento negro. Conforme a pesquisa, documentos do próprio partido apontam que a história da questão racial no PT e da relação entre partido e movimento não foi uma história fácil. O movimento construía militantes e quadros para o PT, que, por sua vez, tinha como papel avançar em uma política partidária que fortalecesse o movimento negro. Mas, durante anos, isso não significou que a temática racial fosse uma temática prioritária. Só depois da pressão dos negros e negras do PT, a temática saiu de uma posição secundária e passou a ocupar cada vez mais espaço nos programas das campanhas eleitorais. O Programa Brasil sem Racismo, quando da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, em 2002, foi resultado dos pleitos do movimento negro e dos negros petistas. Programa esse lembrado pelas informações do seppir.gov.br.

Aliás, a gestão de Lula significou a esperança de que a temática avançasse na esfera de decisão política. Durante a gestão petista, as políticas iniciadas ainda no mandato de José Sarney avançaram e avançaram no reconhecimento e na redistribuição, com recortes afirmativos, privilegiando a população negra. Isso apesar de problemas na execução do orçamento e das atividades previstas.

Na primeira gestão petista à frente da Presidência da República, a SEPPIR foi criada, em 2003, para formular e coordenar essas políticas e garantir que a questão racial fosse transversal no governo. É uma prova forte da institucionalização da temática racial. Entretanto, este trabalho mostrou que a história da Secretaria, com nove anos, também já teve problemas, como carência de recursos humanos, orçamento, estrutura física e uma ideia de que o órgão, por ser uma secretaria, seria inferior aos demais ministérios.

Na segunda gestão petista, de Dilma Rousseff, o destaque vai para a execução, o desenvolvimento e o aprimoramento das ações existentes. Também há um interesse público em tornar o trabalho da SEPPIR, de coordenação e articulação, mais eficiente. A pesquisa ainda identificou uma nova ênfase: no binômio gênero/raça. Muitas das atividades do primeiro ano da nova gestão priorizaram a igualdade racial e de gênero.

Foi com base nesses cenários que procurei, finalmente, compreender como o Governo Federal brasileiro se coloca na esfera pública virtual quando se trata da temática racial no país. Na primeira parte da análise, estudei o formato do site da SEPPIR, as características de transparência, visibilidade, discutibilidade e participação que o site

proporciona.

O seppir.gov.br segue uma estrutura semelhante a da maioria dos sites de órgãos ligados à Presidência da República. O layout ainda traz muito do período em que estavam vinculados, diretamente, ao Portal da Presidência, atualmente Portal do Planalto. A estrutura traz um menu principal, com 14 tópicos, e uma página principal com seção de notícias, banners, e destaques, que podem ser notícias, imagens ou publicações. A estrutura é rígida, sofre com a falta de atualização de informações e os exemplos de desorganização de dados não são raros.

São problemas ligados à carência estrutural da SEPPIR, cuja equipe de comunicação conta com quatro funcionárias e uma estagiária. Sendo que apenas uma das funcionárias é jornalista. Mesmo assim, ressalto a tentativa e o relativo sucesso de tornar visíveis, públicas, transparentes as atividades, os dados sobre o dia a dia da gestora e da Secretaria como um todo. O site consegue, apesar das lacunas e falhas, atingir o requisito da publicidade, apontado por Silva (2011).

O site é limitado quando os critérios dizem respeito ao debate, ao diálogo, que são característicos da esfera pública. As melhoras na relação entre Estado e cidadão, que poderia se beneficiar com a internet, não são observadas na experiência da SEPPIR. Não são disponibilizados serviços online ou utilizadas outras ferramentas, como chats, fóruns e listas de discussão. O único canal de diálogo é o e-mail. Um canal que proporciona a comunicação apenas entre o cidadão e o representante do governo. Com ele, é mais difícil que outras saibam os questionamentos levantados e as repostas emitidas, se emitidas.

Assim, o site da SEPPIR consegue atingir apenas um nível de responsividade, proposto por Silva. Responsivo significa ser, de alguma forma, dialógico. Mas nenhum nível é alcançado quando o requisito da vez é a porosidade, onde o Estado mostra-se aberto à opinião pública e quando o fluxo vem da sociedade, quando o cidadão é considerado na formulação de políticas. No site da SEPPIR, não há ferramentas que proporcionem aos cidadãos participarem plenamente da produção da decisão política.

A segunda parte da análise se concentrou na contribuição da SEPPIR à esfera de visibilidade pública, já que na experiência do órgão destacam-se ferramentas mais ligadas à questão da visibilidade. Aqui a Secretaria considera o seppir.gov,br como o site oficial de consulta, o principal canal sobre a temática racial do país. O órgão prioriza as mídias digitais, vê com otimismo o potencial da internet para ampliar o leque de informações do cidadão. E é nesse meio que a SEPPIR discorre sobre uma temática colocada na esfera pública brasileira há apenas poucas décadas. Ao falar sobre essa temática, a SEPPIR prioriza, nesse mesmo site,

alguns personagens, eventos, questões e argumentos. E neles, há sempre a predominância da população negra.

Em todos os conjuntos de informações analisados e que versam sobre a temática racial, seja na página principal, seja no menu fixo, há predominância da população negra. A população negra brasileira e o movimento negro são os personagens principais quando o seppir.gov.br fala sobre a secretaria, sobre a gestora e sobre ações, programas, projetos, e quando o site traz notícias, publicações e leis. Ciganos, indígenas, judeus e árabes e/ou palestinos são personagens coadjuvantes nessa narrativa e quando são acionadas pelas informações. Os eventos sobre os quais as informações do site discorrem se relacionam mesmo aos eventos da história do movimento negro e de resistência da população negra.

Também foi possível identificar, na narrativa do site, alguns argumentos, algumas questões que compõem a agenda do movimento negro brasileiro, a partir, principalmente, da década de 1970. Identifiquei, por exemplo, a temática da desmistificação da democracia racial e a africanização, com o valorizar do legado africano na cultura brasileira.

Uma questão importante e que norteia as ações da SEPPIR e a narrativa que ela coloca na esfera de visibilidade pública é a concepção de raça trabalhada pela secretaria, semelhante à concepção de raça trabalhada nos últimos anos pelo movimento. É uma ideia de raça, que apesar de se pautar em traços como a cor do indivíduo, não é um conceito biológico, mas social. É um conceito utilizado pelo movimento para deixar claro que as desigualdades a que são submetidos os negros brasileiros ainda têm muito do racismo, pautado, principalmente, na cor, mas não somente nela. É uma ideia de raça que se torna elemento de mobilização de um grupo e que norteia as políticas, o nome e a narrativa da SEPPIR.

Outra questão identificada no site da secretaria e que dialoga com a pauta do movimento é a classificação bipolar da população (negros e brancos). É o peso numérico, ressaltado, inclusive, por quem faz a comunicação do órgão. É uma questão ligada também à tentativa do movimento em relacionar raça e classe e, com isso, transformar o movimento negro em movimento de massa. Ao unir pretos e pardos, a maioria negra representa a maioria pobre. Eis aí a base estatística e ideológica das informações veiculadas no site e das políticas da SEPPIR. Políticas tanto universais quanto políticas de reconhecimento, valorizativas, e políticas de reparação, afirmativas.

Assim, a análise feita nesta dissertação confirma a hipótese deste trabalho. O seppir.gov.br é uma experiência de comunicação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) que, considerando as características e potencialidades da esfera pública virtual, não contribui de forma substancial para o desenvolvimento de uma esfera

pública discursiva, de uma esfera de discutibilidade pública, mas contribui com a formação e o desenvolvimento de uma esfera de visibilidade pública sobre as ações do Estado e, principalmente, em torno da temática racial.

E sendo um polo emissor de discursos sobre a questão racial no Brasil, o seppir.gov.br opta por se aproximar dos personagens, eventos, argumentos e questões vividos e defendidos pela história recente do movimento negro brasileiro e também partilhados pelo Partido dos Trabalhadores nos últimos anos. Por isso, avalio que é militante a comunicação desenvolvida no site da SEPPIR.

Tal conclusão também suscita e deve suscitar novos questionamentos, abordagens e análises. Destaco duas em especial. Uma se relaciona ao percurso percorrido pela temática racial na história do Partido dos Trabalhadores e à relação do PT com o movimento negro. Nesta parte específica da dissertação, os documentos do partido foram, basicamente, as únicas fontes encontradas e utilizadas por mim. Apesar desse não ser o tema principal desta dissertação, avalio que um estudo mais aprofundado, com o auxílio, inclusive, de entrevistas com personagens dessa história, poderia ser uma contribuição relevante ao campo de estudo sobre a relação entre os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais e sobre a questão racial na esfera de decisão política brasileira.

Durante a realização desta pesquisa também senti, sobretudo, a necessidade de analisar experiências na esfera pública virtual que trabalhassem a temática racial, mas que partissem de um outro lugar. Falo de experiências da sociedade civil, de entidades do próprio movimento negro. Tal abordagem proporcionaria saber qual o papel de um “outro lado” da questão, em termos tanto de visibilidade quanto de discutibilidade. Também proporcionaria saber que personagens, eventos, argumentos e questões são priorizados em uma experiência do movimento. Mas esse não foi o propósito desta dissertação, por motivos relacionados ao recorte do objeto e ao tempo da pesquisa. Fica a sugestão para outras leituras e outros trabalhos.