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“ESCOLA NÃO MOTIVA E PERDE ALUNOS”. Esta foi a manchete da Folha de

São Paulo do dia 7 de janeiro de 2007 sobre estudo desenvolvido pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Partindo de uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, três conclusões se sobressaem no estudo:

1. Três em cada quatro jovens entre 15 e 17 anos não completaram o ensino fundamental, sendo que 68% desses jovens não chegaram a ingressar no Ciclo II; 2. A gravidez precoce em meninas adolescentes diminui a probabilidade de elas

estudarem. São 28,8% de mães jovens que não freqüentam escola contra 1,6% estudando;

3. Vários motivos apontados pelos jovens os levaram a saírem da escola: falta de transporte, falta de vaga na escola, falta de dinheiro para se manter, doença, etc. Mas o que mais aparece nas estatísticas é a falta de vontade de estudar (40,4%), seguida da necessidade de trabalhar (17,1%).

Este é apenas um exemplo ilustrativo do que está ocorrendo no sistema educacional brasileiro. A reportagem destaca que a escola não é atraente para os jovens e não faz sentido em suas vidas, levando-o ao abandonar a “carteira escolar”. E mais uma vez os professores “levam toda culpa” pelo fracasso do sistema educacional.

Um depoimento de uma jovem entrevistada nessa pesquisa é revelador: “os

professores eram muito chatos”. Podemos supor que estes professores “chatos” são os mesmos professores que, em nosso estudo, referiram-se a esse mesmo aluno: “desinteressado,

desmotivado, que se torna indisciplinado, rebelde e até agressivo” em relação aos professores, à escola, ao sistema educacional; um aluno que não colabora para que o professor dê aquela aula planejada e estruturada em cima dos conteúdos a serem cumpridos no livro didático, parte de um currículo fragmentado e estanque; um aluno que não tem uma família que o incentive e o encoraje a estudar. São aspectos da cultura docente, imbuídos de valores, crenças, atitudes, hábitos e pressupostos institucionalizados.

Retomando a definição de cultura de Pérez Gómez (2001, p. 17), podemos refletir: que significados, expectativas e comportamentos estão sendo compartilhados por estes alunos, suas famílias, a comunidade, a sociedade? A escola não tem sentido para o jovem porque ele não projeta seu futuro por meio dela. E seus pais, muitas vezes declarados culpados pelo fato de não desenvolverem em seus filhos o “gosto” pelo estudo e pelo aprender, também passaram por isso, pois a escola não lhes deu garantia de melhoria de vida, não lhes garantiu o “futuro prometido”.

Reportagens como a que foi citada fortalecem a baixa auto-estima do professor, contribuindo com o processo de sua desvalorização profissional.

Vimos como boa parte dos professores se isenta de qualquer responsabilidade e como se desconecta dos processos de discussão política de sua profissão, acomodando-se a uma formação profissional que não lhe deu sustentação para lidar com as dificuldades e conflitos de sua tarefa diária. Alguns assumem o papel de vítima da sociedade e, assim, vão se identificando com a imagem de “profissionais socialmente desvalorizados”.

Engolidos pela cultura escolar, conformam-se e conformam uma escola cada vez mais distante da realidade dos alunos.

Isolados em seu mundo – a sala de aula –, os professores se relacionam cada vez menos com seus pares que atuam no mesmo ciclo do Ensino Fundamental ou em outro, dificultando uma identidade coletiva – tão fundamental no processo de valorização de sua profissão.

Perdem o controle do que acontece ao seu redor e se distanciam cada vez mais das decisões que, posteriormente, recairão sobre eles mesmos e seu cotidiano profissional, intensificando seu trabalho, tornando-se meros executores de decisões tomadas sempre por outros profissionais, em outras instâncias do sistema escolar.

Finalmente, cabe lembrar que não é possível encerrar estas considerações sem acrescentar um aspecto central contido nos dados apresentados: a identidade coletiva, aquela em que cada indivíduo se identifica somente com seu subgrupo, mostra-se claramente prejudicada. Poucos são os que mencionam interesse ou tentativas de resolução para seus problemas de forma coletiva. Em nosso corpo teórico vimos como o engajamento dos professores em associações profissionais docentes, entre outros aspectos, é importante no processo de profissionalização docente, no entanto, em momento algum isso é mencionado nos encontros.

Ausentes do controle não só dos alunos, como do processo de seu próprio trabalho (desde seu conteúdo até o seu desenvolvimento), os professores não se dão conta de como estão se embrenhando, cada vez mais, em um processo de desvalorização profissional.

Quase todos se eximem de qualquer responsabilidade pelo fracasso do aluno. Como diz a professora Deusiane, os professores são o “efeito” neste processo, e a causa, na maior parte dos depoimentos, está “fora dos muros escolares”:

Deusiane: [...] é o professor que está sem valor. Nós somos o efeito, onde está a causa? [...].

Os professores não estão conscientes de que a transformação da escola está intimamente ligada às mudanças no seu próprio trabalho e nas condições postas para seu

desenvolvimento profissional – o que nos remete aos conceitos de conhecimento especializado e à autonomia do professor frente a este conhecimento que, segundo Pérez Gómez (2001), são indispensáveis e complementares na configuração da identidade profissional do professor.

Este é outro aspecto muito presente nos depoimentos. Os professores se vêem como “cobaias” de um sistema educacional que lhes é imposto. Eles se sentem insatisfeitos, desanimados, desvalorizados, desmotivados, agoniados, ameaçados, sofrem com as dificuldades da profissão, o fracasso do aluno, o desamparo. E atribuem tudo isso aos fatores sociais, econômicos e culturais da sociedade.

Mostram-se perdidos, sem saber o que fazer ou que caminho trilhar. No entanto, gostam da profissão, sentem-se orgulhosos de poder “contribuir com a formação dos alunos”. Estão imbuídos de “esperança”.

Tardif & Lessard (2005) atribuem esses sentimentos positivos ao fato de que, pela própria especificidade da profissão – interação com outras pessoas (alunos, outros professores e agentes educativo, pais, etc) – os professores investem seu tempo, pensam, dão sentido e significado aos seus atos e vivenciam sua função como uma experiência “pessoal”. Nesse sentido, o professor se reconhece muito mais pelas relações humanas com seus alunos e colegas de trabalho do que pelas ações profissionais que realiza.

No entanto, o ser humano se torna aquilo que ele faz. Esta é uma visão sociológica de que o trabalho modifica, de maneira significativa, a identidade do trabalhador. É neste sentido que o saber e o fazer pedagógico do professor – e, evidentemente, as condições para realizá- los – tornam-se importantes no processo de construção identitária do professor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABDALLA, Maria de Fátima Barbosa. 2006. A formação permanente dos professores na (re)construção do projeto pedagógico: possibilidades e desafios. In: ANAIS XVIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Recife-PE: Universidade Federal de Pernambuco/CAPES/FINEP (Publicação em CD-ROM), 14 págs.

ALMEIDA, Maria Izabel de Almeida. 2006. A reconstrução da profissionalidade docente no contexto das reformas educacionais – vozes de professores na escola ciclada. In: SILVA, A. M. M. et alii (orgs.). Políticas Educacionais, tecnologia e formação do educador: repercussões sobre a didática e as práticas de ensino/ Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Recife: ENDIPE.