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As questões levantadas até aqui remetem-nos a vários conceitos já estudados que podem contribuir em nossa pesquisa. Entre eles, destacam-se: Identidade Profissional

Docente; Cultura escolar; Cultura docente; Ação Pedagógica; Intensificação e Proletarização do trabalho docente.

Em uma pesquisa bibliográfica realizada até o mês de julho de 2005 em sites bibliográficos como Sciello, Dédalus, Portal INEP/ MEC, CD-ROM de compêndios de Anais da Endipe e Anped, Portal da CAPES, e em Banco de teses e dissertações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), encontramos 65 teses relacionadas com os referenciais teóricos aqui descritos. Partindo de palavras-chaves como: profissão docente e

construção da identidade profissional docente, no âmbito da educação básica, e intensificação

e proletarização do trabalho docente, buscamos teses e dissertações defendidas desde o ano 2000. O gráfico apresentado a seguir demonstra os resultados obtidos em dados quantitativos.

19 10 20 8 13 12 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

FORMA ÇA O INICIA L FORMA ÇA O CONTIÍNUA COTIDIA NO (Implic aç oes Sóc io-c ulturais )

FA Z ER PEDA GÓGICO MUNDO DO TRA BA LHO / PROLETA RIZ A ÇÃ O

CONSTRUÇA O DA IDENTIDA DE

Co n s t r u ç ã o d a I d e n t i d a d e Pr o f i s s i o n a l Do c e n t e

As colunas representam as pesquisas que envolvem o tema da construção da identidade profissional docente. Cada coluna representa um tema, a saber: construção da identidade profissional docente versus formação inicial docente; construção da identidade profissional docente versus formação contínua de docentes; construção da identidade profissional docente versus o cotidiano docente com suas implicações culturais e sociais; construção da identidade profissional docente versus o fazer pedagógico docente; construção da identidade profissional docente versus o mundo do trabalho/ proletarização.

Podemos observar que a construção da identidade profissional docente vem sendo tema de interesse em muitas pesquisas nos últimos cinco anos. O que é significativo nesta pesquisa bibliográfica inicial é o fato do tema a ser explorado em nosso estudo – a relação entre os professores dos dois Ciclos do Ensino Fundamental - ser inexistente.

Vale a pena, neste momento, pôr em destaque algumas dessas pesquisas, e outras, anteriores ao ano de 2000, que podem contribuir em nosso estudo. Vejamos.

Dias-da-Silva (1997), em seu estudo sobre a prática pedagógica de professores na 5ª série do Ensino Fundamental (primeira série do Ciclo II) em duas escolas públicas do município de Araraquara, estado de São Paulo, captou algumas crenças e valores que regem a cultura escolar e sustentam o “saber-fazer” do professor. Sua pesquisa revelou, por exemplo, que os professores do Ciclo II do Ensino Fundamental utilizam com menor freqüência materiais de apoio didático como ilustrações, gravuras ou CDs, em substituição ao livro didático.

Se, por um lado, devemos esperar que a escola disponha desses materiais para uso de alunos e professores, por outro, é estranho que os próprios professores – como profissionais – não possuam qualquer material de trabalho pessoal (como ocorre com as professoras “primárias”...). Ainda que se reconheça a pauperização profissional do magistério impede que o professor – pessoalmente – invista dinheiro em slides ou em fitas de vídeo, incomoda perceber que materiais simples (e até imprescindíveis) não fazem parte do acervo pessoal dos professores “secundários”. (Dias-da-Silva, 1997, p. 54)

Alguns depoimentos aqui descritos confirmam que as aulas dos professores de 5ª série se voltam, na sua maioria, em atividades orais e gráficas, e pouco exploram materiais ilustrativos, lúdicos ou que evoquem uma situação mais próxima da realidade dos alunos.

Outro aspecto verificado por Dias-da-Silva (1997) está relacionado à afetividade do professor para com o aluno. Um dos momentos observados pela autora era o “passeio” do professor pela classe, percorrendo as carteiras e voltando sua atenção para a individualidade do aluno: “Precisa melhorar essa letra, hein!”, “Vamos melhorar esse caderno” (p.55). Uma das raras oportunidades do aluno receber uma atenção individual do professor.

No que se refere às características do “saber-fazer do professor de 5ª série”, Dia-da- Silva (1997) aponta alguns aspectos que merecem ser destacados.

No cotidiano das aulas, o caderno é um dos meios em que professor e aluno se relacionam. Dias-da-Silva observou que os professores da 5ª série, apesar de sempre utilizarem o caderno (por vezes até mais que os livros didáticos) para realizarem exercícios e cópias, raramente se preocupam em olhar os cadernos de seus alunos. Mesmo que o caderno seja objeto de controle de qualidade e nota, para o professor, ele não tem tempo para ler, corrigir, verificar atentamente o que o aluno está produzindo. As próprias correções, com muita freqüência, acontecem na lousa e o aluno copia o “certo” em seu caderno.

O saber e a experiência do aluno são ignorados sem a menor preocupação. É como se aquilo que foi aprendido até a 4ª série, isto é, no Ciclo I do Ensino Fundamental, não merecesse ser considerado:

Uma cena presenciada na aula de matemática [...]; o garoto pergunta sobre a divisão e a professora diz que “isso vocês ainda não viram...” O garoto retruca que sim, que já sabe! E ela simplesmente responde: “Mas não vimos

este ano, né? Até agora só vimos adição, subtração e multiplicação...”. (Dias-da-Silva, 1997, p. 58)

A autora cita vários exemplos revelando que, na concepção do professor de 5ª série, a possibilidade de o aluno ser fonte de conhecimento, um sujeito detentor de saberes e experiências ímpares, é praticamente nula. Até mesmo a “troca” entre alunos não é importante, pelo contrário, o aluno é sempre alertado de que deve fazer sozinho, não pode conversar com o outro, etc23.

Outra perspectiva que não é considerada é a de interdisciplinaridade. Dias-da-Silva (1997) constatou que os professores da 5ª série não se esforçam em saber o que os professores das demais disciplinas estão trabalhando, que assuntos os alunos estão aprendendo nas outras aulas, etc. Mesmo quando o livro didático sugere uma relação com outros assuntos e disciplinas, o professor não explora de maneira aprofundada: “Será que a formação recebida nas licenciaturas (sempre tão ‘específicas’) permitiu a formação intelectual abrangente desse professor?” (Dias-da-Silva, 1997, p. 60).

A questão da afetividade reaparece quando Dias-da-Silva (1997) descreve o momento da “chamada”. Considerada pela autora um momento de interação individual e afetiva nas aulas do Ciclo I do Ensino Fundamental, a chamada na 5ª série se dá pelo professor chamando pelo número e não pelo nome do aluno (muitas vezes em tom de voz autoritário e em ritmo acelerado), e com o objetivo de disciplinar a turma, uma “[...] forma indireta de dizer: Fiquem

quietos (agora) que a aula já começou...” (p. 67).

A indisciplina dos alunos é algo que muito incomoda os professores da 5ª série. Dias- da-Silva (1997) chega a apontar que a organização didática dessa série está associada ao comportamento “indisciplinado” dos alunos, um comportamento “típico” de alunos da 5ª série:

23 Juarez Dayrell (2006) afirma que a socialização que ocorre no cotidiano da escola não é potencializada no

espaço escolar, contribuindo para uma distância ainda maior entre o conhecimento individual do aluno e o conhecimento escolar.

[...] as “perguntas cretinas” ou os “resquícios da 1ª a 4ª ...”. Trata-se da “avalanche” de questões que as crianças formulam no início de uma atividade, ou perante uma proposta de trabalho. As infalíveis “É para escrever a lápis ou a tinta?”, “A senhora vai ditar?”, “Quantas linhas pulam?” [...]. (Dias-da-Silva, 1997, p. 67)

É visível a falta de tolerância dos professores com tais atitudes dos alunos, encaradas pelos docentes como conseqüências de um ciclo escolar anterior “paternalista”. Essa visão pode ser revelada na forma como os professores identificam os alunos: na 4ª série eles são crianças; na 5ª série, são alunos. Dias-da-Silva (1997) colheu alguns depoimentos de alunos que refletem a percepção e o desconforto deles com relação a essa situação:

Na 4ª série, a professora era mais boa (sic). Na 5ª os professores só sabe (sic) xingar a gente sem fazer nada.

O professor da 4ª é muito mais atencioso, eles brincam, conversam com a gente e os da 5ª série não, eles são mais sérios e não conversam com a gente. Os outros professores beijava (sic) nós, na 5ª as professoras em vez de dar

um beijo elas dão um berro, um puxão de orelha ou senão um pisão no pé ou um puxão de cabelo ou senão um puxão no braço. (Dias da Silva, 1997, p.77.)

Sabemos bem que os professores de 5ª a 8ª série assumem que seu papel não é o de “tomar conta de crianças”: “Não sou detetive pra descobrir quem fez, não sou delegado pra

resolver briga, não sou parente, nem mãe pra dar educação. Assim não é possível! Sou professora! Eu estou aqui pra ensinar [...]” (Dias-da-Silva, 1997, p. 79). E de preferência, ensinar apenas o que lhe é de direito na série em questão. “Aluno que não tem base, não pode

ir para a 5ª série”, é expressão comum entre os professores desta série. “[...] não se tem ‘tempo’ para (re)ensinar tabuada (de novo), não se ‘tem tempo’ para (re)ensinar ortografia ou princípios básicos de redação... O programa é imenso e precisa ser cumprido...” (Dias-da- Silva, 1997, p. 93).

Este nível de exigência que se estabelece pressupõe que os professores do Ciclo I do Ensino Fundamental não dão conta de suas tarefas e ainda, muitas vezes o que é ensinado por eles impede uma aprendizagem “adequada” na 5ª série. “Tem muita coisa que era melhor que

eles não tivessem ensinado, porque agora são dois trabalhos: fazer o aluno esquecer o que aprendeu errado, e aprender do jeito certo” (Dias-da-Silva, 1997, p. 103). É inegável que para este professor da 5ª série, os professores de 1ª a 4ª série são “incompetentes”. E a professora da 4ª série “entra” nesse jogo com facilidade: “Estuda direitinho, porque senão,

E como fica a relação entre estes professores? Dias-da-Silva observou que estas questões até aparecem nos encontros pedagógicos, no entanto, não são discutidas, apenas mencionadas como algo que o professor deve se reajustar e pronto. O relato a seguir, de uma reunião pedagógica, revela que este é um assunto que “incomoda”:

É a transição é fogo!

O tratamento é que é diferente, não é a questão de ser bom professor ou mau...

As crianças estranham barbaridade! Porque o tratamento é diferenciado mesmo, mas não é culpa de vocês...

[...]

É uma questão de enfoque, dos objetivos da 1ª até a 4ª série, e da 5ª a 8ª! Porque o aluno chega na 5ª série, ele tá acostumado com um tipo de atividade que tem da 1ª a 4ª, que tem mais a ver com recreação, esta coisa... Então ele chega pra mim e diz” Vamos brincar de quê, tia?’, Que brincar o quê!... Acho o enfoque da 1ª a 4ª recreacionista, disse uma PIII. (professora do Ciclo II do Ensino Fundamental). (Dias-da-Silva, p. 1997, p. 103.)

A reação de uma professora do Ciclo I do Ensino Fundamental é imediata. Em tom irônico, ela rebate:

É... agora nós vamos entrar na ginástica dura, né? Não é pra julgar que o que a gente faz é recreação e só. Vocês também não se preocupam com o contrário! (Várias professoras fazem sinal com as mãos e/ou sobrancelhas, outra dizem “Deixa pra lá...”) Por que vocês não pegam então esse gancho e

começa assim – um pouco de recreação e entrosar com a dureza da 5ª série?

(Vários falam)... Se não dá pra ir direto da recreação para os exercícios,

faça adaptação...

“Calma gente! Vamos fazer o ofício”, conta a diretora. (Dias-da-Silva, 1997, p. 114)

Este relato revela que a situação é real e perceptível, mas até mesmo quem dirige o grupo nega qualquer tentativa de confronto, o que poderia levar a mudanças nesta realidade. Quando a sugestão de se integrar mais a 4ª com a 5ª série é colocada, é motivo de risos, como se fosse algo inviável, impossível. Dias-da-Silva (1997) aponta que as interações que acontecem estão mais próximas de relações e afinidades pessoais do que profissionais. A troca pedagógica, realmente, fica de lado. A própria escola, da maneira como está organizada, não permite uma “vontade” dos professores em refletirem e se aprofundarem em soluções para este conflito.

Quando se obriga o professor a trabalhar em quatro escolas diferentes, quando se condiciona o cumprimento de um programa intermitente em períodos rígidos de 50’, quando (ilegalmente!) se espreme 40 crianças num espaço limitante e impeditivo, quando se nega salário e material de trabalho e, sobretudo, quando se nega tempo e condições para que o pedagógico tenha papel nuclear no cotidiano de seus professores, a escola cumpre seu papel

mais algoz de reproduzir a “mesmice pedagógica” (Dias-da-Silva, 1997, p.121.)

Na pesquisa de Truzzi (2001), os conflitos levantados por Dias-da-Silva (1997) são reafirmados:

Tomamos aqui algumas falas das professoras de 5ª série a respeito da competência acadêmica dos alunos [...]

Eu acho que a maioria deles tem, pelo menos, que sabe ler e escrever. Alguma falha no cérebro é que não é! Porque eles assimilam a matéria, mas fica difícil ele escrever a palavra correta, [...] (Professora de História).

Eles vêm sem base... Tem muita coisa que deixa a gente doente! Escrever casa com z, coisa desse tipo! Isso só pode ser falta de base na alfabetização! [...] Falta de base não só na escrita, mas na leitura, [...] (Professora de

Língua Portuguesa) (Truzzi, 2001, p.13).

Os professores do Ciclo I do Ensino Fundamental, na opinião dessas professoras, não alfabetizaram seus alunos, em outras palavras, não foram competentes. Uma opinião que também é emitida por professores das séries mais avançadas do Ciclo I: “Eu acho que eles já

deveriam vir sabendo ler e escrever! [...] Eu acho que desde a 1ª série a criança já tinha que vir... Vem uma criança mal alfabetizada! [...]. (Professora de Português da 4ª série)” (Truzzi, 2001, p. 13).

O professor de 5ª a 8ª série sente-se incomodado com a situação deste aluno que saiu mal preparado da 1ª a 4ª série, pois não se sente preparado para lidar com as dificuldades de alfabetização. “[...] para os professores secundários, talvez o erro do aluno represente, muitas vezes, um dilema, porque simboliza o reflexo da sua incapacidade ou impotência, da sua não realização profissional” (Truzzi, 2001, p. 52).

Sabemos que vários são os fatores que levam o professor de 5ª a 8ª série a não dar conta do processo de leitura e escrita do aluno, mas o principal está na formação deste profissional. “Formação e experiência profissional raramente permitem que o professor conheça profundamente o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita e de alfabetização” (Truzzi, 2001, p.56). Este seria mais um motivo para que professores de Ciclo I e Ciclo II do Ensino Fundamental desenvolvam um trabalho integrado e que permitam a troca de experiências e saberes.

Truzzi (2001) revela também que a questão da afetividade é mais fortemente presente nas relações de professores e alunos do Ciclo I do Ensino Fundamental:

A gente se sente responsável com relação a ajudar o aluno a progredir. Eu, professora primária, me sinto responsável pelo aluno. Trabalho pelo crescimento dele [...] Eu me sinto responsável, então me preocupo. Quando ele erra, eu procuro mil e uma alternativas de tentar ajudá-lo. [...] O

envolvimento afetivo é muito forte para eu abandonar. [...] O aluno é um ser humano. Ele está aí. Tenho que tentar ajudar. [...] (Professora [...] da 4ª série). (Truzzi, 2001, p. 71)

O envolvimento do professor é tanto que ultrapassa os “muros” da escola. “[...] Já

levei em janeiro aluno com o meu carro porque se fosse depender da mãe, a mãe não levava na recuperação... (professora da 4ª série)” (Truzzi, 2001, p. 72).

Os professores do Ciclo I do Ensino Fundamental também criticam os professores do Ciclo II. Criticam a maneira como os professores desenvolvem seu trabalho, o perfil profissional, o fato de não respeitarem o universo da criança e não se preocuparem em realizar um trabalho a partir do que o aluno já sabe, e ainda, o fato deles não estabelecerem um relacionamento mais afetivo com os alunos. Truzzi (2001) afirma que os professores do Ciclo I do Ensino Fundamental vêem a afetividade para com o aluno um compromisso profissional.

[...] O professor de 5ª a 8ª série não se envolve, ele é frio! Ele não respeita o universo da criança! [...] Eles não fazem um trabalho como a gente aqui na 1ª a 4ª, que é um trabalho de base. Eles só querem resultado! A gente está trabalhando com o aluno verificando o processo dele dia-a-dia. O professor de 5ª não. [...] Eu acho que os professores de 5ª série em diante se consideram muito auto-suficientes. Eles não precisam aprender mais nada,

porque eles dominam a prática. Eles precisam se tornar mais humildes e procurar entender mais o universo da criança. Trabalhar com aquilo que ela traz, com os conhecimentos que ela já traz. [...] Eles têm que se conscientizar que o papel deles também é de dar continuidade ao processo, [...]. O professor de 5ª série não pode fazer uma lavagem cerebral no aluno e começar tudo de novo, como se a criança não soubesse nada. [...]

(Professora [...], 4ª série). (Truzzi, 2001, p. 98)

Os professores do Ciclo II do Ensino Fundamental acreditam que os professores dos níveis anteriores exigem pouco dos alunos. Os professores do Ciclo I acreditam que os professores dos níveis posteriores exigem demais. E nesse confronto de opiniões, os próprios professores percebem que o problema está posto, mas não se buscam soluções:

Sabe por que está nesse pé? Porque um lava as mãos e joga a culpa no outro. O dia que cada um assumir o seu papel, o professor de 1ª a 4ª assumir o papel dele, educador de 1ª a 4ª, ou de 5ª a 8ª ninguém ficará jogando um pro outro. Porque está um jogo de empurra-empurra. [...] (Professora [...], Geografia, 5ª série) (Truzzi, 2001, p. 125)

Monteiro (2002) analisou biografias e autobiografias de professores, com o objetivo de compreender a autoformação destes profissionais como um processo de formação que abrange não só a construção da identidade profissional, como a identidade pessoal. Apoiada em teóricos como Berger & Luckmann, Michel Apple, Gimeno Sacristán, Antonio Nóvoa e

Maurice Tardif, entre outros, Monteiro (2002) estabelece uma relação com a construção da identidade profissional docente e o contexto social em que ele está inserido e com as experiências vividas.

A pesquisa de Monteiro (2002) constatou, entre vários outros pontos, que a identidade profissional docente se constrói num processo de construção e reconstrução. E nesse processo, a valorização da prática-teoria desenvolvida pelo profissional é decisiva. Quando os professores narraram suas experiências de vida pessoal e profissional, tomaram consciência não só de sua autoformação, como também do conhecimento que construíram ao longo de suas trajetórias e de como suas identidades foram se forjando de maneira instável, repleta de mudanças. Nesse processo, a pesquisadora confirma que as vidas pessoal e profissional se entrelaçam e provocam mudanças recíprocas, e que as relações sociais compartilhadas deixam marcas na construção da identidade. Isso supõe que a mobilização de situações onde os professores possam interagir e dialogar com professores de diversas áreas e níveis e outros atores do segmento educacional, trocando idéias, saberes, experiências e reflexões sobre suas práticas, contribuem na autoformação profissional e na formação do outro.

Os estudos de Fontana (2000) podem contribuir na apreensão destas questões que envolvem a construção da identidade profissional docente. A autora relata vivências iniciais de uma professora do ciclo I do Ensino Fundamental:

[...] sua primeira experiência como professora de uma terceira série da escola fundamental.

[...] repleta de “boas intenções”, “olhar crítico” e quase nenhum saber fazer. [...]

Não estou gostando da professora que eu estou sendo. [...]

A coordenadora tem reclamado que eu não tenho controle da classe. As crianças falam muito, brincam, riem, fazem barulho ao saírem da sala. Ela até me sugeriu que voltasse à universidade para fazer alguma disciplina da área de didática ou metodologia. Estou me sentindo incompetente. Comecei a ser chata com as crianças. Tenho escrito muita coisa na lousa, tenho exigido silêncio. Até sermão eu tenho passado! Eu não gosto disso! Eu não acredito que seja uma boa forma para trabalhar com elas, para estar com elas, todos os dias, durante quatro horas. Como vai ficar nossa relação? [...]

(Fontana, 2000, p. 108-109)

Um simples relato que pode nos ajudar a pensar como o professor, empolgado no início de sua carreira, vai se “esvaziando” de seu significado do trabalho docente, sentindo-se incompetente de não dar conta deste “jogo perverso” de controle de tempo e de ações que permeiam a sala de aula, que vai “expropriando o ser profissional”. (Fontana, 2000, p.110). E, ainda, como a escola deixa de se posicionar num papel de ajudar este professor.

O professor se isola na sua “angústia”, na sua “frustração” e é engolido pelo cotidiano do seu trabalho: “É difícil, muito difícil ser professora. É difícil, muito difícil estar na escola, trabalhar na escola, decidir permanecer na escola, acreditar na escola, sem perder de vista nossas concepções e valores” (Fontana, 2000, p. 117).

Borba (2001), ao investigar a prática da avaliação escolar de professores do Ciclo I do Ensino Fundamental, discute o conceito de identidade numa perspectiva dialética entre a vida pessoal e profissional destes professores. A autora pôde constatar que as professoras, sujeitos de sua pesquisa, na sua prática cotidiana já constroem sua profissionalidade, o que supõe que a imagem de professor como uma profissão de doação, vocação e amor, tenha sido superada.

Destacamos aqui algumas considerações de Borba (2001) referentes às formas identitárias dos professores do Ciclo I do Ensino Fundamental. A autora afirma que a construção da identidade profissional destes professores se dá num processo em que se articulam questões de orientação estratégica e as posições que ocupam no espaço escolar, resultando em uma trajetória social incorporada através de situações vividas, e presentes nas relações que ultrapassam o ambiente escolar. Essas relações são importantes para que a professora se reconheça como profissional e contribuem intensamente na produção de seus desejos, necessidades e saberes. Em outras palavras, a identidade profissional vai se