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O panorama da administração da “coisa pública” , em especial a de saúde, aqui tratado, nos mostra que esta esteve tradicionalmente centralizada no governo federal. A participação da sociedade na saúde pública brasileira é recente e tem como marco algumas experiências iniciadas a partir da década de 1970.

A Participação Comunitária na política de saúde, que como vimos, permeou os serviços de saúde nos anos de 1970, com bases na vida comunitária e como busca de integração da população excluída. Esse modelo não primava pela autonomia política e nem pela participação coletiva. Tratava-se de uma visão restrita de participação mas, mesmo assim, possibilitou a organização de alguns movimentos, como o da zona leste/SP, que levaram o governo para a ampliação dos serviços.

No encruzamento dessas idéias (ampliação dos serviços) emerge a Atenção Básica como forma de barateamento e maior controle dos gastos, havendo o favorecimento da participação da comunidade. Concomitantemente, ganha expressão o movimento sanitário, na busca do reordenamento da política de saúde pública, protagonizando importante papel na formulação da reforma dessa área. Assim, na década de 1980, expressões sociais se articulam e compõem um verdadeiro mosaico de luta pela democratização do país.

No seio das manifestações, nasce o campo democrático popular, no qual diversas entidades sociais e políticas se empenham pela aprovação da nova Carta Constituinte, em 1988, considerada como Constituição Cidadã, pela universalização dos brasileiros frente aos direitos e deveres civis e políticos, e também pela ampliação dos direitos sociais. Dentre os inúmeros avanços, destacamos a garantia de participação da população na gestão de políticas públicas, a partir dos Conselhos de direito e setoriais, especialmente o de saúde, objeto de nossa análise.

Todavia a implantação dos conselhos e o processo de democratização do país, incluindo a ampliação dos direitos sociais, civis e políticos inscritos no texto constitucional, acontecem num cenário político e econômico de redução do papel do Estado.

Consideramos ainda, que foram através de séculos que se construíram atitudes e comportamentos que levaram o Estado a se responsabilizar pelos problemas sociais, econômicos e de saúde da sua nação. Podemos dizer que a política de saúde pública é marcada, no final do século XX e neste início do século XXI, pela relação contraditória entre o discurso de universalidade, garantido legalmente, ao mesmo tempo em que ocorre a redução da intervenção do Estado, o qual vem repassando para a sociedade civil e empresarial, a sua

responsabilidade e que inclusive, conta com recursos arrecadados através dos impostos para o financiamento.

Constatamos no cotidiano da saúde pública que a falta de investimentos, dentre outros, dificulta o acesso aos serviços, possibilitando o crescimento de empresas médicas privadas, favorecendo nos anos de 1980 e 1990 o boom dos seguros de saúde, dando continuidade a uma política que praticamente teve o seu início em 1920, e que vem sendo reforçada ao longo dos tempos, em detrimento da real cobertura à saúde pelo Estado.

Diante de uma legislação avançada, mas de um Estado ausente, ou seja, que tem se colocado “mínimo”, para as políticas públicas, está a população. Além de estar fragilizada pelas precárias condições de vida, reforçadas e impostas pelas novas condições de trabalho, bem como, pela sociedade capitalista, se vê ainda desprovida do direito às parcas políticas públicas.

Paralelamente à questão da omissão do Estado, vêem acontecendo outras mudanças, que dentro da nova ótica da divisão social do trabalho, coloca grande contingente da população economicamente ativa na condição de subempregado ou desempregado.

As formas de trabalho se modificaram, aumentando o emprego temporário, subcontratado, terceirizado, sem vínculo com a empresa, etc. O desemprego passou a ser estrutural, assim as reivindicações perderam forças, enfraquecendo os sindicatos. Essas mudanças nas relações sociais e de produção trazem um rebatimento direto nas políticas sociais e de saúde. Se por um lado há aumento na demanda por serviços, por outro, não há aumento dos serviços na mesma proporção, dificultando ainda mais o atendimento nas diversas políticas sociais, elevando o distanciamento entre o que a legislação garante e o que os serviços de saúde oferecem.

Desse modo, a precarização das relações de trabalho e a redução do papel do Estado frente aos direitos sociais, acirram ainda mais as condições de vida. A população acaba tendo que percorrer um longo trajeto em busca de algum direito seja ele da área da educação, saúde ou assistência social, reduzindo as iniciativas de superação das dificuldades para o âmbito individual.

O SUS é uma grande conquista social e política, além de ser uma lei avançada, considerando sua construção histórica, bem como suas diretrizes, mas observamos que está havendo seu descumprimento. Diante da falta de investimentos públicos a população usuária se vê obrigada a enfrentar filas intermináveis para agendamento de consultas e para a obtenção de vagas em ambulatórios de especialidades e em hospitais. Portanto, é imputado ao

Conselho de Saúde o controle social, dessa área, que numa função de aprendizado vem tentando resguardar o SUS.

O que de novo colocamos é que essa prática é mediada pelo Conselho, mas deve contar com maior envolvimento da sociedade. Como bem nos lembra Carvalho (1997) a respeito da visão maniqueísta ou instrumental do Conselho como guardiões do SUS deve ser transferida para um contexto mais amplo de relação entre Estado e Sociedade “[...] desobrigando-os da hércula tarefa de guardiões heróicos da agenda da Reforma Sanitária, para redescobrí-los como experiência social e inovação política relevante para a reforma democrática do Estado” (p. 98)

O SUS precisa ser divulgado e estar articulado com o meio social, para que possa favorecer a accountability e a transparência da gestão da saúde pública.

Acreditamos que a efetivação do novo paradigma de saúde só será possível através do controle social que além de ampliar o leque de possibilidades para o exercício da cidadania, favorece também o despertar e o fortalecimento de novos atores sociais, que num processo de empowerment garante e amplia as conquistas sociais pela via da participação institucionalizada e legalizada (Conselhos e Conferências).

Entendemos que houve muitos avanços, ampliação do acesso, participação da população no acompanhamento da política de saúde pública, mas não se efetivou completamente a previsão legal. As pessoas ainda estão diante de um sistema fragilizado, com dificuldades materiais e de recursos humanos para atender as demandas, ficando as ações sob o prisma emergencial. Na contra corrente, as diretrizes e a ampliação do conceito saúde como condicionante para a cidadania estão prejudicadas, inviabilizando o controle social.

Como vimos, a administração da coisa pública, em especial a de saúde, de forma centralizada no governo federal, tem origem secular, a cultura participativa e democrática é um processo em construção e dependente da ação de todos nós.

A posição e intervenção da sociedade, dos vários profissionais e defensores do SUS, na esfera pública, que num processo de aprendizado intensificam a apropriação de conquistas envolvendo os usuários nos embates pela manutenção e ampliação dos seus direitos. Essa visão crítica e de compromisso, tornam possível a democracia, fortalecendo os atores individuais e coletivos, o empowerment, em prol da efetivação dos direitos sociais.

A participação cidadã, no âmbito do SUS, não só na reivindicação mas também na elaboração e acompanhamento da saúde pública, traz em seu conteúdo a construção de uma nova esfera de homens que com autonomia acompanham mais de perto a política e a administração da “coisa pública”.

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