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Controle Social não é apenas a estrutura de conselhos e conferencias, mas sim onde a sociedade exerce o controle social pelo Ministério Público, pelas Câmaras Legislativas, pela cidadania, pelas ouvidorias, pelas passeatas, pelas concentrações, pelos acampamentos, pelas invasões. Enfim, há várias maneiras de se exercer o controle social, e nós enquanto Conselheiros, devemos ter a humildade de reconhecer que não somos instância exclusiva de expressão do controle social (CNS apud BRASIL, 2003, p. 41).

Capítulo 2 Controle Social e Participação Cidadã

Controle Social: Qual a sua história?

O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele. Uma alma o habita e o leva à existência, que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política: a alma, prisão do corpo (MICHEL FOUCAULT).

Neste trabalho procuramos evidenciar o termo “controle social” que atualmente, em especial, na política de saúde pública brasileira tornou-se sinônimo de modismo. Porém, com uma acepção muito positiva, visto que é empregado para o Estado pela sociedade e também no sentido de contradizer a tradicional definição, destinada ao controle das pessoas e dos comportamentos.

Em sua origem na, filosofia foucaultiana, controle vem relacionado ao sistema penitenciário (penas e castigos para quem transgridem as normas). Essa concepção leva a internalização pelos indivíduos de regras e da moral impostos pela sociedade, utilizando-se principalmente pela intensidade dos castigos, expressados, inicialmente, pela prática do suplício aplicado àqueles que eram por algum motivo considerados infratores.

A história dessa microfisíca do poder punitivo seria então uma genealogia da “alma” moderna. A ver nessa alma os restos reativados de uma ideologia, antes reconheceríamos nela o correlativo atual de uma certa tecnologia do poder sobre o corpo. Não se deveria dizer que a alma é uma ilusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que tem uma realidade, que produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que são vigiados, treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a existência (FOUCAULT, 1987, p.31).

Até meados do século XVIII, utilizavam-se do suplício36 e dos castigos públicos para exercer sobre o corpo dos indivíduos, através da dor e humilhação, o controle. Esse não visava apenas a ordem social mas, a punição daqueles que ousavam agir contra o Rei. “Sua finalidade é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um extremo, a dessimetria entre o súdito que ousou violar a lei e o soberano todo poderoso que faz valer sua força” (FOUCAULT, 1987, p.46).

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O suplício estaria relacionado a quantidade do sofrimento “[...] a morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação – que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do suplício – até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes... ” (FOUCAULT, 1987, p. 34).

Com a reforma penal, no século XVIII, temos os soldados bem preparados e a burocracia judiciária em crescimento (julgamentos, documentações, provas etc) e as grandes prisões. Todos esses elementos contribuíram para manter o corpo como alvo para o exercício do poder “Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam...” (1987, p.125).

A literatura sobre o corpo foi alimentada por grandes pensadores com a visão metafísica, Homem- Máquina37. Inicia-se com Descartes, no anátomo-metafísico e posteriormente médicos e filósofos dão continuidade a este pensamento. E o corpo passa a ser analisado a partir de uma visão técnico-político por meio de um “[...] conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo” (1987, p.126).

Para Foucault (1987) a intensidade das regras impostas pela sociedade, bem como, a pressão criada nas pessoas para a absorção dessas normas estaria estreitamente relacionadas ao controle, sendo o corpo veículo viável ao seu exercício.

[...] não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalha-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infenitesimal sobre o corpo ativo. (p. 126).

Assim, controle social teria uma dimensão subjetiva, é que uma sociedade embasada em regras, normas e na moral buscaria utilizar o controle das atitudes e comportamentos dos seus indivíduos para o equilíbrio da vida em sociedade, o corpo (social e político) é objeto da interação das normas e de punição do seu não cumprimento. “[...] em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações [...]” (FOUCAULT, 1987, p.126).

Ao longo dos tempos, a forma de estabelecer essas normas e o seu cumprimento, foram passando por diversas mudanças. No entanto, buscava-se manter uma relação do Estado com a sociedade, com o propósito de ampliação do seu poder e da manutenção da ordem social.

É nessa relação de poder e de controle que a saúde pública ganha espaço no âmbito estatal, como vimos no primeiro capítulo. Epidemias de peste necessitaram de atuação

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O Homem- Máquina de la Metrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de docilidade que une ao corpo analisável o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 1987, p. 126).

constante e precisa para além de atitudes de exclusão do enfermo o controle da doença. No século XVII foi desenvolvido o policiamento tácito e disciplinar suscitado pelo grande Fechamento,38 como seja, a observação e registro. “Mais que a divisão maciça e binária entre uns e outros, ela recorre as separações múltiplas, a distribuições individualizantes, a uma organização aprofundada das vigilâncias e dos controles, a uma intensificação e ramificação do poder”(FOUCAULT, 1987, p.174).

O controle passa a se efetivar através do saber tecnicamente intelectivo, reproduzido em instituições39 organizadas a partir do poder sutilmente calculado. Esses esquemas de controle são visualizados no século XIX como a segregação não apenas dos leprosos e pestilentos mas também dos mendigos, vagabundos, loucos e de pessoas violentas, traduzindo-se na divisão “[...] binária e da marcação (louco-não louco; perigoso-inofensivo; normal e anormal)” (FOUCAULT, 1987, p.176). Isso foi determinando a disciplinarização individualizante coercitiva que, a partir da universalização dos controles disciplinares irá distinguir quem é ele, onde deve estar, como caracterizá-lo, como reconhecê-lo; como exercer sobre ele o poder para modificá-lo.

É a partir da necessidade de excluir e, ao mesmo tempo de disciplinar que Bentham defende a construção do Programa Panóptico.40 Esse Projeto contava com uma arquitetura que permite visibilidade, onde o preso era colocado em unidades espaciais, permitindo o seu reconhecimento imediato. O fato de individualizar a pessoa por meio de agrupamento específico não retira o caráter da disciplina universalizante.

Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas; se são doentes, não há perigo de contágio; loucos, não há risco de violências recíprocas; crianças não há “cola”, nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidente ( FOUCAULT, 1987, p.177).

O Panóptico ficou conhecido pela função de controlar e modificar o comportamento, e também treinar ou retreinar os indivíduos, funcionando como um laboratório de poder, que

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Fechamento da cidade sob o olhar da milícia, sob pena de morte o que ousasse a sair de casa ou entrar em contanto com outras pessoas. É inovador o controle ao não apenas vigiar mas registrar “[...] tudo que é observado durante as visitas, mortes, doenças, reclamações irregularidade, é anotado e transmitido aos intendentes e magistrados... A relação de cada um com sua doença e sua morte passa pelas instâncias do poder, pelo registro que delas é feito, pelas decisões que elas tomam” (FOUCAULT, 1987, p.174).

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“O asilo psiquiátrico, a penitenciária, a casa de correção, o estabelecimento de educação vigiada, e por um lado os hospitais..” (FOUCAULT, 1987, p.176)

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Um modelo de prisão totalmente diferente, destacada pela tecnologia política e pela capacidade de fazer funcionar as relações de poder de induzir no recluso a consciência de poder estar sempre sendo vigiado (torre central), não sabendo quando, ver Foucault (1987, p. 177-184).

subordinava os corpos irregulares. E, assim, serviu não só “[...] para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos” (FOUCAULT, 1987, p.181).

Taticamente o panóptico, individualizou o ser humano (objeto de seu controle) por meio da distribuição dos corpos no espaço, enfatizou a relação de poder com a organização hierárquica e a disposição de canais. Apesar desse Programa individualizar o ser humano, ele é aplicado à multiplicidade, ou seja, “Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico poderá ser utilizado” (FOUCAULT, 1987, p.181).

O Projeto, em questão, representa a mudança no exercício do controle, distoante daquele exercido no século XVIII, em que prevalecia o espetáculo público produzido pela modalidade dos castigos corporais suplicantes. O panóptico será expresso por uma forma mais geral de dominação à disciplina41, constituída com a organização de instituições, visando o controle dos movimentos singulares do corpo, tornando-o obediente e útil. De acordo com Foucault (1987) como anatomia política.

A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem como um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma física, ou uma anatomia do poder, uma tecnologia (FOUCAULT, 1987, p.189).

Assim, a disciplina é aplicada em instituições variadas indo das penitenciárias e casa de correção do século XIX a escolas e hospitais. Outras instituições sociais utilizaram o potencial da disciplina como a família, que na busca de reforçar o seu poder, deu origem a outras formas institucionais de controle por meio da disciplinarização do comportamento, linguagem e sobretudo da internalização dessa organização.

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“[...] controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade – utilidade, são o que podemos chamar as disciplinas...” (FOUCAULT, 1987, p.126). “[...] Em uma palavra, as disciplinas são o conjunto das minúsculas intervenções técnicas que permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades [...]”. “[...] Uma multiplicidade, seja uma oficina ou uma nação, um exército ou uma escola, atinge o limiar da disciplina quando a relação de uma para com a outra torna-se favorável” (1987, p.193). “[...] Digamos que a disciplina é um processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo ônus reduzida como força política e maximalizada como força útil” (1987, p.194).

[...] um dia precisará mostrar como as relações intrafamiliares, essencialmente na célula pais-filhos, se disciplinaram, absorvendo desde a era clássica esquemas externos, escolares, militares, depois médicos, psiquiátricos, psicólogos, que fizeram da família o local de surgimento privilegiado para a questão disciplinar do normal e do anormal, seja de aparelhos que fizeram da disciplina seus princípios de funcionamento interior (disciplinarização do aparelho administrativo a partir da época napoleônica), seja enfim de aparelhos estatais que têm por função não exclusiva mas principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma sociedade (a polícia) (FOUCAULT, 1987, p.189).

Observamos que a partir do tempo histórico, foram utilizadas formas diferenciadas para o controle e obtenção do poder, do suplício à disciplina, investindo no corpo como instrumento para essa relação e aplicação de normas e sanções.

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