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Só quando eu tive acesso à língua de sinais na adolescência, depois de muito sofrimento e de negação da surdez, é que eu pude construir a minha identidade surda e com isto abriram-se as portas do ‘saber’ sobre o mundo e, só aí, comecei a compreender as coisas.

Karin Lilian Strobel (2008a)

Escolhemos finalizar essa dissertação com a epígrafe de um trecho da tese de doutorado de Karin L. Strobel, que é professora, pesquisadora, ex-diretora da FENEIS, diretora de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos e ficou surda profunda aos quatro dias de vida, quando o uso de um antibiótico excessivamente forte enfraqueceu seus nervos auditivos. Ao demonstrar a importância do aprendizado e da utilização da Língua de Sinais para os surdos, corrobora com o que apresentamos na nossa pesquisa e com a dimensão que os intérpretes possuem na formação dos alunos surdos.

Ao chegarmos a esta parte final estamos conscientes de que percorremos um longo caminho até aqui. Dito isso, enveredamos na contextualização histórica que permeou a formação e a constituição dos intérpretes enquanto profissionais, aprofundamos na conjuntura legal e normativa da profissão, apresentamos um panorama amplo das pandemias ao longo da história com ênfase na da COVID-19, e, por fim, ouvimos as intérpretes educacionais de Libras que atuaram no ensino remoto emergencial.

Com base no aporte teórico no qual nos fundamentamos, ao iniciarmos a pesquisa partimos da seguinte questão norteadora: como os intérpretes educacionais de Libras atuaram no ensino remoto emergencial, durante pandemia da COVID-19, a uma tela de distância dos alunos surdos e quais foram as experiências vivenciadas neste período pandêmico? Esta pergunta nos direcionou ao objetivo geral, que foi analisar a atuação profissional dos intérpretes educacionais durante o ensino remoto da pandemia da COVID-19. Este, por sua vez, desdobrou-se em outros três aspectos fundamentais no qual evocamos o percurso histórico em nível mundial e nacional da formação dos intérpretes de Libras. Apresentamos as pandemias que aconteceram ao longo da história e apontamos as experiências profissionais que as intérpretes vivenciaram durante esta última pandemia.

Concordamos que este não foi um caminho fácil. Trilhamos uma árdua jornada até chegarmos a este ponto e, desse modo, entendemos que ainda é preciso que a temática seja mais discutida nos meios acadêmicos, e que em consequência mais pesquisas abordarão as especificidades dos intérpretes de Libras. Vimos a partir da trajetória histórica que a função de

interpretar sempre existiu e esse elo de comunicação com os surdos ficou a cargo das pessoas que, de alguma maneira, levavam o conhecimento a eles. Observamos que a profissionalização só ocorreu em meados do século XX, a partir das leis que respaldam a profissão. Desde então, vimos que os intérpretes ampliaram o alcance e foram além dos ambientes religiosos, deixando o caráter filantrópico e adquiriram um viés de profissão.

Inferimos que no decorrer desta pesquisa consideramos necessário apresentar uma exposição sobre pandemias de uma maneira geral, e, compreendemos que essa escolha pode ter causado estranheza a quem inicia a leitura. No entanto, no decorrer da exposição e, levando em consideração que nossa pesquisa se deu em período de pandemia, evidenciamos essa necessidade de uma explicação mais ampla, que abarcasse, por exemplo, os diferentes termos que se diferem, entre epidemias, endemias e pandemias. Nesse sentido, destacamos que o SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19, não foi o primeiro a ganhar status de pandemia e com toda certeza não será o último que assolará a humanidade.

Ao realizarmos a coleta e análise dos dados diversos pontos evidenciam as situações de dificuldades que as intérpretes educacionais de Libras vivenciaram durante o ensino remoto emergencial. Ao tratarmos de um espaço temporal tão recente e ainda muito presente na memória, isso pode ser um facilitador quando pensamos nas considerações levantadas pelas entrevistadas. Percebemos por meio dos relatos que situações que eram recorrentes no ambiente escolar e no ensino dos alunos surdos, evidenciaram-se ainda mais na pandemia. Como exemplo, temos os relatos das entrevistadas quando apontam que os agentes envolvidos no ambiente educacional, dentre coordenadores pedagógicos, disciplinares e professores, atribuíram a elas o papel de ensinar os alunos surdos, cuidar da disciplina, repassar o conteúdo das aulas e até mesmo corrigir atividades e avaliações. Nos foi relatado que essa situação não aconteceu exclusivamente no cenário pandêmico, pois anteriormente era normal essa atribuição de função a elas; porém eram situações antes veladas, e agora, conforme os participantes da pesquisa, ficou perceptível que no ensino remoto emergencial foi aumentada essa responsabilidade, e que obviamente, nunca fez parte das suas atividades laborais.

Um ponto de destaque nos dados obtidos é o tempo que as profissionais já atuavam com os alunos surdos, pois quando do afastamento presencial, aquelas que haviam iniciado o ano letivo de 2020 com os discentes apresentaram uma maior dificuldade se comparado àquelas que já atuavam como intérprete do mesmo aluno no ano anterior à pandemia. Notamos, também, que mesmo os profissionais com mais tempo de experiência, também tiveram dificuldades a se adaptarem ao ensino remoto emergencial.

Os dados revelam que as famílias dos alunos surdos atribuíram também às intérpretes

educacionais a tarefa de ensinar e acompanhar seus filhos no estudo online. Essa transposição de responsabilidade, que de algum modo já existia mesmo antes da pandemia, se agravou a partir dessa realidade implementada após março de 2020. Observamos por meio dos relatos, que o fato de muitas famílias não saberem Libras e os surdos vivenciarem o isolamento comunicacional dentro das suas próprias casas, não é nenhuma novidade; mas com as aulas não presenciais as famílias não acompanharam os estudos e nem as aulas virtuais, ficando mais uma vez essa atribuição a cargo das intérpretes e aumentando a dificuldade no aprendizado.

Percebemos que a tecnologia foi uma aliada para que o ensino remoto de fato se efetivasse; e, mesmo com todas as dificuldades como - acesso à internet, o uso das novas mídias, manter o foco e a atenção em um ambiente virtual -, se não fosse o uso dessas novas ferramentas o ensino teria sido muito mais prejudicado. Um ponto a se destacar é o uso das imagens nas aulas online, tendo em vista que o surdo apresenta uma característica marcadamente visual, o uso desse recurso nas aulas se mostrou muito eficaz para o aprendizado.

Ademais, observamos que houve um aumento na carga de trabalho das intérpretes ocasionada pelo ensino remoto, pois estas trabalharam além do turno estipulado para que pudessem acompanhar os alunos surdos no desenvolvimento de atividades ou com reforço das aulas ministradas no dia. Essa não foi uma questão que surgiu com a pandemia, haja vista que essas atribuições já aconteciam antes mesmo das aulas não presenciais. O que vimos foi que, com a possibilidade de reuniões virtuais, essa situação se agravou, pois, podendo estar em casa e encontrar os alunos virtualmente foi-lhes atribuída a responsabilidade de acompanhar os alunos surdos além das aulas no turno que estes estudavam.

Destacamos, ainda, que esse trabalho exercido “a mais” e fora da carga horária não era compensado ou remunerado. As intérpretes não receberam nenhum tipo de compensação, seja financeira ou descanso posterior. Ficou evidente a omissão de quem deveria zelar por essa questão, seja os agentes educacionais nas escolas ou o Estado. Isto porque, legalmente, toda e qualquer atividade laboral exercida além da carga estipulada e acordada, deve ser de alguma forma compensada e vimos que isto não ocorreu no caso das intérpretes. Desse modo, o trabalho extra desempenhado pelas profissionais recaiu, novamente, na situação de filantropia, de apego emocional ou de uma responsabilidade com os alunos e com a profissão escolhida, mas que de fato isso não está dentro da legalidade ou o correto a acontecer.

Em meio a tantas informações desencontradas, medo do desconhecido, escolas fechadas e nenhuma formação ou preparação para o ensino remoto, as intérpretes exerceram seu trabalho da melhor forma que foi possível a essa realidade posta, pois lhes foram atribuídas responsabilidades que não as cabia e nenhuma ajuda ou apoio lhes foi oferecido. E, reforçamos

mais uma vez, que os papéis e as atribuições profissionais estão deturpados dentro das UE, tendo em vista que o aluno surdo, assim como qualquer outro, é aluno do professor regente e é sua responsabilidade, como todos os demais e não dos intérpretes educacionais. Entretanto, não é isso que vemos acontecer ao longo do tempo e, mais ainda, durante a pandemia. E, muitas vezes, isso acontece com o conhecimento e o amparo dos profissionais responsáveis pela gestão destas unidades escolares.

É visível, portanto, que nas Unidades de Ensino o papel dos intérpretes educacionais de Libras está desfocado e, em grande parte do tempo, não segue uma cultura organizacional que deveria primar pelo que é atribuição de cada profissional envolvido no processo de ensino e aprendizado dos alunos. É preciso que a equipe gestora esteja integrada e que entenda a importância de cada agente educacional realizar a sua função, sem desvio de trabalho e sem sobrecargas.

Diante disso, entendemos que o momento mais complicado de uma pandemia já findou.

As aulas presenciais foram retomadas, os alunos retornaram para as escolas, os profissionais voltaram às suas atividades nas salas de aulas e hoje acreditamos, e esperamos, que o período mais crítico já tenha acabado. Foi um caminho longo, complicado, traumático para muitos, e agora que finalizamos a escrita desta pesquisa o Brasil registra um total de 688. 39555 vidas perdidas para a COVID-19 e que marcou profundamente todas as relações humanas, sociais e culturais.

Por fim, acreditamos que novas pesquisas surgirão muito em breve e que trate amplamente sobre as temáticas que aqui apresentamos. Dentre as considerações que fizemos no decorrer de todo trabalho esperamos que o papel exercido pelas intérpretes educacionais de Libras ao longo desta pandemia seja visto como fundamental para os alunos surdos que puderam estar, mesmo que virtualmente, integrados ao ensino e puderam aprender mesmo com todas as dificuldades evidenciadas com as aulas virtuais. E que estes profissionais tenham o reconhecimento merecido e este período pandêmico, vivenciado à distância e no silêncio das telas, não caia no esquecimento.

É preciso que não haja mais silenciamentos e que possamos aprender na dificuldade e a educação, de fato, possa ser ampla, para todos, sem distinção e que respeite sempre a diversidade,

e que não nos falte fé, esperança e busca pelo conhecimento para que realmente isso se concretize.

55 Dado coletado no dia 08 de novembro de 2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ (CORONAVÍRUS, 2022).