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3.2 – SOBRE O CONTEÚDO DO CADERNO

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma iniciativa pioneira, e só por isso já representa um avanço, mas que ainda precisa de ajustes. O Ciência&Vida, único caderno de ciência em todo o estado da Bahia, região com seis universidades públicas21, é resultado de um investimento local único em divulgação científica nos meios de comunicação de massa. Como primeira tentativa, começou como um produto com abordagem ampla na área científica e com uma série de recursos gráficos para atrair o leitor. Contudo, após 20 meses, a produção da equipe local acompanhou o número de páginas do caderno, foi reduzida.

As oito páginas iniciais, com conteúdo extenso e um forte suporte de imagens, sofreram redução por motivos unicamente econômicos. Segundo Cláudio Bandeira, o editor do caderno, as modificações sofridas pela publicação atingiram todos os cadernos do jornal. O editor afirma ainda que se o número de páginas do caderno dependesse apenas da equipe que o produz, a publicação só expandiria porque conteúdo não falta. O entusiasmo da declaração, presente em toda a entrevista com o jornalista, não condiz com o que foi verificado na análise do caderno.

Na comparação entre o mês de lançamento do caderno Ciência&Vida, outubro de 2007, e um mês recente, março de 2009, a presença de conteúdo produzido pela equipe do jornal A Tarde foi muito menor no mês mais atual. Os dados analisados mostram que nos quatro primeiros cadernos, cada um com oito páginas, os textos locais são o conteúdo quase exclusivo das edições. Entretanto, o número de textos de agências de notícias publicados cresce de dois no mês inaugural da publicação para 12 em março de 2009.

O resultado aponta vários paradoxos na produção do caderno Ciência&Vida. O mais patente é o desacerto entre conteúdo e espaço disponível. Num caderno com oito páginas sobre uma área não muito explorada pelo jornalismo local, era de se esperar a utilização do conteúdo de agências de notícias, inclusive para suprir uma demanda de informações

21 Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Universidade Estadual da Bahia,

Universidade Estadual de Feira de Santana, Universidade Estadual de Santa Cruz e Universidade Estadual do Sul da Bahia.

relacionadas a temas cujo conteúdo é quase sempre oriundo de notícias internacionais, como astronomia e arqueologia. Ao contrário, nas primeiras edições do caderno os textos de agências quase não são utilizados.

O tempo de preparação para a produção da primeira edição da publicação deve, claro, ser considerado, uma vez que permite um período de produção mais extenso do que o habitual nas redações. Ainda assim, o crescimento de dois s para 12 no número de textos de agências num caderno menor e, portanto, mais facilmente preenchido com conteúdo produzido pela equipe local, é o inverso do seguimento tido como natural para a publicação. O que nos leva a considerar outra contradição, o conteúdo publicado e o aparente entusiasmo e a grande oferta de material para ser publicado no caderno apontados pelo editor. Na entrevista, o mesmo foi otimista em relação aos problemas enfrentados para dar continuidade ao caderno, principalmente a um entrave já comum na área: a relação com os cientistas.

Mesmo afirmando que há dificuldades na relação com os pólos de pesquisa, Bandeira garante que a situação após mais de um ano de existência da publicação é melhor. De fato, após esse tempo de publicação do caderno, é natural que a equipe local tenha estabelecido contatos e relações mais estreitas com a comunidade científica. Isso, contudo não implicou em aumento da quantidade de conteúdo local no impresso, sequer em continuidade do que já era publicado antes. No debate sobre o relacionamento entre jornalistas e pesquisadores, um problema sempre abordado nas discussões sobre a cobertura científica, o aumento de assessorias, o boom do jornalismo em ciência e a popularização da internet são fatores apontados como causas para a melhora da situação. Na Universidade Federal da Bahia, contudo, o tempo teve efeito contrário.

É Cláudio Bandeira, com toda a sua inicial visão positiva sobre o desenvolvimento do caderno e o relacionamento com os pesquisadores, que revela um passado mais aberto da universidade. O editor aponta que em seu início de carreira havia uma agência de notícias de ciência na universidade formada por um convênio entre a UFBA e a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão (FAPEX). A agência reunia um grupo de alunos, que sob a coordenação de um docente, era responsável por procurar notícias e informações sobre a produção acadêmica na instituição. O resultado era um boletim impresso que, segundo o

editor, servia de base para grandes pautas nos jornais. Um catálogo anual de pesquisas em andamento é o outro recurso lembrado por Bandeira como uma iniciativa importante da UFBA na divulgação científica.

Levantamentos como esses são a base para a criação de pautas científicas nos jornais. Sem isso, a atividade de divulgar a ciência se torna ainda mais complexa. A não continuidade dessas ferramentas de divulgação significa uma lacuna que a universidade precisa corrigir, principalmente a UFBA, a mais importante em investimento público. A falta de incentivo às frentes de difusão da informação científica como estas implica a manutenção de um cenário de novidades latentes nas instituições de pesquisa, o que dificulta a descoberta de novos assuntos que se tornam pautas nos jornais. Os centros de pesquisa precisam dar visibilidade à sua produção uma vez que o aporte da mídia funciona como o grande espelho do desenvolvimento científico para a sociedade.

Uma indicação de progresso na abertura das instituições de ensino e pesquisa para a imprensa é o crescimento das assessorias de comunicação. Sem estas estruturas a divulgação científica nos centros de pesquisa para além da comunidade acadêmica não funciona. A necessidade das assessorias para o funcionamento do fluxo de informações entre jornalistas e cientistas é motivo da exclusão de muitas instituições do conteúdo publicado nos jornais. Na análise do conteúdo local do caderno, isso é verificado na falta de notícias sobre os centros privados de ensino superior, onde também há produção científica, e das demais instituições públicas do estado. O pouco material produzido com o foco local é referente à UFBA.

E como mesmo na maior universidade do estado a divulgação científica é deficiente, a entrada de conteúdo das instituições das regiões Sul e Sudeste é enorme, outro fator de contribuição para o aumento do material de agências publicado no caderno. A tradição e o profissionalismo dessas estruturas de comunicação não podem nem devem ser ignoradas pela equipe do caderno Ciência&Vida. Portanto, não se está falando aqui de desconsiderar a parcela de culpa das instituições locais pela ausência de conteúdo relacionado às próprias. O que não é justificável é, por causa disso, ignorar a maior parte da produção local de conhecimento em ciência se amparando na dificuldade de obter dados daqui.

O uso rotineiro e constante de material enviado por assessoria acarreta ainda outro problema, a abordagem restrita ao campo da saúde. A facilidade em relacionar os assuntos da área de saúde com os valores/notícia praticados no jornalismo já é causa suficiente para a prioridade da cobertura desta, fato recorrente nos jornais impressos. A área é maioria absoluta nas propostas de pautas recebidas para o Ciência&Vida. E é também no conteúdo publicado no caderno.

Descobertas da indústria farmacêutica são recorrentes indicações de pauta enviadas para o caderno Ciência&Vida. Bandeira apontou o fato como uma situação a qual o jornalista que trabalha com ciência precisa se blindar. De fato, nenhum texto sobre medicamentos ou tratamentos inovadores foi encontrado na análise da publicação. A cobertura da área de saúde é relacionada, sobretudo, às temáticas referentes à busca da qualidade de vida. Até por isso, os recursos gráficos como tabelas com imagens e notas em destaque são bastante utilizados, geralmente como guias para uma vida saudável.

O papel do caderno como um meio de divulgação da promoção de hábitos saudáveis, que informe e estimule o leitor a adotar práticas que permitam que ele melhore e conserve sua saúde, posição difundida pela editoria desde o lançamento da publicação, é seguido pela equipe desde a primeira edição até as mais atuais. Uma constante entre as inúmeras mudanças sofridas pelo caderno. O insucesso em manter seções fixas, a falta de explicações ao leitor quando os elementos componentes do impresso são modificados e as modificações no formato são situações que nos levam a visualizar o caderno ainda como uma publicação instável. O acordo em seguir ao máximo o que é sugerido ou solicitado no retorno do leitor à equipe local não é acompanhado do compromisso com a continuidade do conteúdo oferecido ao público.

Seções são lançadas e encerradas sem qualquer explicação. Da mesma forma, o caderno com oito páginas é reduzido para quatro, mas em uma eventual necessidade publicitária ele novamente aumenta para oito. É claro que alterações deste âmbito são decisões empresariais e, uma vez que o jornal, principalmente numa época de crise, depende financeiramente desta renda, demandas como esta sempre serão atendidas, independente de em qual editoria ou caderno isto implique mudanças. Mais que resoluções administrativas da empresa, as

alterações oriundas da linha editorial do caderno demonstram que mesmo após mais de um ano de publicação, o Ciência&Vida ainda é um caderno com conteúdo indefinido. Além da quebra de vínculo com o leitor que uma descontinuidade de conteúdo causa, a ligação com a comunidade científica também é abalada ou dificultada.

Sobre o uso recorrente do entretenimento como estratégia, pode-se afirmar que a equipe está um pouco menos ousada. Entre as iniciais metas apontadas pela editoria do caderno

Ciência&Vida, utilizar linguagem acessível e informar com prazer são dois pontos bem

executados. Ainda assim, o uso de imagens mais ligadas ao entretenimento, como as fotografias de Marilyn Monroe e as ilustrações dos personagens Homem-Aranha e o Gordo e o Magro, interpretados respectivamente por Oliver Hard e Stan Laurel, I não ocorreu nas edições mais recentes do caderno.

A concorrência com a internet e suas inúmeras possibilidades multi-midiáticas impulsionou a reforma gráfica e editorial de vários jornais e a adesão a recursos gráficos e textuais para chamar a atenção do leitor. A atração resultante do uso de ícones do entretenimento em conjunto com o conteúdo jornalístico é apontada nos estudos do

infotainment. A utilização de elementos do fenômeno emergente é uma opção recorrente em

impressos na disputa de público, principalmente com a internet. No caderno, mesmo com a ausência dos elementos apontados acima, a presença de recursos que possibilitam a união entre o jornalismo e o mundo do entretenimento continuou.

A utilização das fotografias como elemento de suporte importante aos textos, assim como tabelas e gráficos, uma característica constante na publicação, é um recurso relacionado ao fenômeno. O emprego de ilustrações, caracteres destacados e a diagramação que une elementos textuais e gráficos são outros recursos também encontrados. Tais elementos permitem a tradução da linguagem científica, tão necessária na produção de conteúdo dos meios de comunicação de massa, para o público não especializado.

“Com o Ciência & Vida, A TARDE espera aproximar a universidade do público em geral e colaborar com a difusão do que está sendo produzido nas instituições de pesquisa com

uma linguagem acessível a todos, transmitida de forma prazerosa, sem contudo deixar de informar com a profundidade que os temas científicos merecem.”22 A expectativa nobre divulgada na época do lançamento do caderno continua como objetivo não alcançado no que diz respeito a aproximação da universidade com o público.

22

Trecho de texto divulgado no A Tarde On-line na véspera do lançamento do Ciência&Vida. Com grifos do original.

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