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A dissertação é um trabalho de História Política e perpassa-o várias dimensões que são, por vezes, considerados de ordem política, apenas. Todavia, a História Política, em seus pressupostos teórico-metodológicos, avançou ao ponto de ignorar supostas barreiras entre as áreas, subtraindo recortes bruscos entre os campos. Com isso, o que é considerado do domínio político, não é apenas deste, é também do domínio social, econômico e cultural, e vice-versa. Esta dissertação apoia-se em tal pressuposto. Consideramos, ao longo deste trabalho, a política conectada às demais dimensões históricas. Estivemos atentos a análise do pensamento político- social, da prática dos sujeitos, dos discursos e dos aspectos sociais, entre outros.

No que concerne aos discursos, preocupamo-nos em considerá-los em sua historicidade, bem como apontar o papel que tinham naquele contexto. Tal tarefa nos levou a considerar a construção de determinadas concepções, seus desdobramentos, bem como suas permanências. A argumentação, segundo a qual o sertão era bárbaro, oposto à civilização, o litoral, atravessa a maioria dos discursos que analisamos, além disso reforçava outras visões, como a que se tinha sobre a política praticada nas regiões interioranas e as práticas dos sujeitos.

Dedicamos maior atenção aos discursos da imprensa, especialmente pelo papel que esta teve nos negócios de Macaúbas. Consideramos a mesma como um agente político naquele contexto, pois reivindicou ações, teceu interpretações e construiu imagens sobre os eventos, os homens e suas práticas. Como jornais partidários, buscavam favorecer os partidos e políticos aliados, construindo versões, criticando posições e buscando fortalecer as agremiações naquele contexto.

As disputas na vila de Macaúbas em 1878, colocam em debate a instabilidade nos sertões da Bahia, todavia, as questões vão além. Tocam em temas centrais para as ciências sociais brasileiras, como: o Estado e seu alcance, o patrimonialismo, o paternalismo, a dependência, dentre outros.

O aparelhamento do Estado fazia-se presente na região estudada, não obstante, sua jurisdição foi comprometida por fatores de várias ordens, como o envolvimento de seus agentes — delegados, chefe de polícia, tenentes, juízes, promotores etc., — nas lutas políticas, a carência de pessoal, as condições geográficas do local, a debilidade das prisões, entre outros. Estas questões, como vimos, não eram particulares daquela região, tais problemas se faziam presentes em várias partes do Império.

Tais informações indicam que o argumento sobre a força do centralismo era enganador em muitos aspectos. Visconde de Uruguai alertara, no Ensaio sobre o direito administrativo

(1861), sobre a debilidade da centralização no Brasil. De fato, a partir do Regresso, o poder central tinha concentrado a prerrogativa de nomear e demitir seus agentes, todavia, isso era feito, muitas vezes, de acordo com os interesses dos chefes locais, além disso os funcionários estatais deveriam atuar de maneira a colocar os interesses estatais em primeiro lugar, conduta esperada do chamado funcionário ideal. Identificamos em nosso estudo, que, a depender de seus interesses, o poder local ditava os rumos que eixos policiais e jurídicos deveriam tomar.

Durante os conflitos na vila de Macaúbas, a esfera mais afetada foi a justiça. Suas funções ora estavam sendo disputadas ou à mercê de interesses particulares, ora vagas. Com isso, os assuntos jurídicos acabavam comprometidos na Comarca de Urubu. Esse aspecto diz respeito, principalmente, a atuação dos agentes estatais, muitos deles, emersos nas lutas locais. Estes estavam entre a política e os negócios da justiça e da administração. Por um lado, situava- se a inserção partidária; por outro, os negócios relacionados às funções jurídico-administrativas que possuíam.

Reside nisso a importância de deslocarmos o olhar para além das relações partidárias, pois existiam outros elementos, como o fator “interesses” — aquilo que, nos argumentos da época, poderia ser o “motor da civilização” ou fator de sua pouca ou nenhuma existência. Os sujeitos não estavam à mercê dos interesses do Estado e de seus líderes políticos, por vezes, se distanciavam destes para favorecimento próprio, como no caso de Porfírio Brandão, que recorreu à violência para combater seus adversários políticos, aqueles aos quais estava destinado seu cargo e, possivelmente, os de correligionários seus. Ou como o caso de Pedro Carneiro da Silva, que conduziu um julgamento emerso em irregularidades, que, por fim, absolveu todos os julgados.

Identificamos vários discursos que apontam a inserção partidária como o elemento principal para as disputas armadas em Macaúbas, afinal de um lado estavam os “liberais de Macaúbas”, do outro os “conservadores”. Constatamos, todavia, que outros interesses mobilizavam aqueles homens, estes diziam respeito mais às inserções na estrutura do Estado e menos a posição político-partidária. Homens como Porfírio José Brandão e Antônio Lourenço de Seixas Júnior, possuíam, há algum tempo, certa colocação nas fileiras da administração e da justiça, não estavam dispostos a perder tal.

A posição política era um dos elementos que alimentava os interesses, pois, se autodenominar como conservador ou liberal, bem como defender tais posições, era uma postura garantidora da aquisição ou manutenção de posições na burocracia estatal, quando no poder estava algum partido ou correligionários favoráveis.

Os exemplos de Pedro Carneiro da Silva e Ernesto Botelho são os mais elucidativos nessa matéria. Considerado líder conservador e parcial frente aos negócios de Macaúbas, Carneiro da Silva teve sua “punição” decretada pelo liberal e Ministro da Justiça, Manoel Dantas, que não poupou ao castigá-lo, removendo-o para uma localidade distante, Bagé, no Rio Grande do Sul. O liberal Ernesto Botelho, envolvido nos negócios de Macaúbas, foi removido para uma localidade da Bahia, Monte Alto, o que, certamente, não lhe custou grandes esforços, uma vez que não era morador de Macaúbas e continuaria na sua província. Tal configuração mostra-nos como eram regidas as relações políticas no Império do Brasil e como interesses diversos encontravam lugar.

Consideramos, ainda, a posição social e econômica de homens como Carneiro da Silva, Botelho e Porfírio Brandão, todos homens de posses. Aos dois primeiros o título de bacharel conferia prestígio e posições, ao terceiro faltava o estudo das leis, algo que o poder econômico, de certa forma, supria. Entre eles estavam os “homens livres pobres”, cujas vidas regiam-se, em vários sentidos, através das relações que os primeiros estabeleciam. Afinal, os cargos da localidade formavam-se a partir dos quadros dos bacharéis e potentados. A segurança e a justiça estavam em suas mãos.

Muitos homens livres e pobres encontravam em associação aos chefes locais a sobrevivência em meios desfavoráveis. Os serviços incluíam desde segurança, tarefas nas fazendas e execução de vinganças orquestradas pelos potentados. Muitas vezes, não avistavam outro horizonte no sertão, sobreviviam em uma sociedade escravista, possuindo o status de livre, mas em situação econômica desfavorável. Alguns trabalhos dedicam análise à ação desses homens na província da Bahia, dentre eles destacamos o de Rafael Sancho Carvalho da Silva (2011), no entanto muitas dimensões de suas vidas e relações carecem do olhar da historiografia.

No Império do Brasil, onde a manutenção da ordem era um imperativo, desejava-se inibir ou neutralizar qualquer foco de instabilidade. Em fins da década de 1870, o Império encontrava-se instável devido as disputas que se processavam em vários locais. Neste cenário, muito era discutido para sanar tal estado, através de uma retórica vazia de ação, na maioria das vezes. Os trabalhos efetivos cabiam as autoridades mais próximas dos eventos, que, por diversos fatores, tinha dificuldade para alcançar sucesso em suas empreitadas.

Nos sertões da Bahia, os homens ocupavam-se em fazer sua própria política, que, muitas vezes, não comungava com a política desejada para o Império. Os sujeitos, em sua prática política e atuação jurídica ou policial, estavam a todo o tempo em relação com as instituições do Estado, sem estabelecer distinção evidente entre interesses particulares e interesses

institucionais. Os cargos serviam para a inserção política, a inserção política servia aos cargos. Tal quadro ficava evidente em momentos de instabilidade, quando cabia ao Estado, através de instituições e agentes, atuar.

As experiências históricas são singulares, dessa forma, tais considerações não devem ser tomadas como passíveis de generalização, mas como amostra de como, muitas vezes, os processos se desenrolavam no Império do Brasil, devido a um tipo de configuração política e social que se arrastava e se arrastaria para além do regime monárquico.