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4. ESTADO E JURISDIÇÃO NO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

4.3 A “HECATOMBE DE MACAÚBAS”

No dia 23 do corrente, as 6 ½ horas da tarde, achando-se todos os habitantes daquela vila em suas casas ou de amigos, mansa e pacificamente, ouviram um grande alvoroço, que parecia uma confusão infernal de cem ou mais pessoas, vindas do brejo, fazenda do mesmo Porfírio, capitaneados por este a frente, todos a pé, municiados de clavinotes e facão com uma gritaria de “morra aos liberais” e muitas injúrias, entraram correndo pela Rua Direita, que vai ter à praça, onde entrando deram uma grande descarga de muitos tiros, da qual caiu gravemente ofendido em ambas as pernas o delegado em exercício Dr. José Bernardino de Souza Leão, que achava-se à porta da casa de José Batista de Salles conversando com este e outros, e dando os amotinadores outra descarga para a casa de meu mano Benigno, confronte com a de José Batista, correram em direção à casa do Dr. Ernesto Botelho de Andrade, juiz municipal do termo, e à pouca distância deram uma grande descarga, de que resultou a morte de um sargento de polícia, ferimento gravíssimo de um soldado e leve no tenente comandante do destacamento e um soldado, dirigiram-se depois para a frente da casa de meu mano Manoel Seixas, fizeram mais uma descarga, da qual faleceram mais três pessoas de nomes Manoel Cândido, Romão, Hermegildo, pelo que algumas pessoas que presentes se achavam armaram-se e fizeram fogo sobre eles, que recolheram-se a casa junto a cadeia, aonde costuma aboletar-se o mesmo Porfírio quando vem aquela vila e desta casa fez o grupo deste descarregar durante toda a noite, tanto para a casa do subdelegado Seixas, como para todos da praça, fazendo a todo o momento investidas para a casa do mesmo meu mano, gritando que queriam picá-lo a facão, mas ele com as poucas pessoas que tinha o repeliu toda à noite, até no dia seguinte às 9 horas da manhã (BN, A Reforma, 12 de abril de 1878).

Após os tiros de revide morreu o filho de Porfírio Brandão, Antônio Brandão, e de outras pessoas do grupo do fazendeiro. Na manhã seguinte ocorreu a tentativa de invasão da casa de Ernesto de Andrade por homens de Brandão. Conforme o missivista, Botelho e sua família escaparam graças à intervenção do vigário Firmino Batista Soares que, juntamente com um agente da força pública, conduziu-os a casa do dito padre. Nesta mesma manhã, um grupo invadiu a cadeia e soltou presos, inclusive um indiciado. Segundo Seixas, os liberais foram intimados a sair da vila sob pena de morte. Porfírio Brandão continuava exercendo o cargo de delegado (BN, 12 de abril de 1878). Ao todo, sete pessoas morreram na tarde de 23 de março e, aproximadamente, vinte ficaram feridas.

No dia 24 de março, Seixas escreveu carta ao major Felisberto Augusto de Sá comunicando o ataque à vila e pedindo providências, inclusive a força pública. Na vila de Lençóis, sabendo dos episódios, Carlos Cedro escreveu à Aristides Augusto César Zama, deputado provincial, no dia 29 de março, comunicando o ataque, a chegada dos liberais a Lençóis e a permanência de Américo Barreto e seu cunhado Botelho naquela vila, informa que o delegado nomeado, Luís Santos Castro, saiu naquele dia de Lençóis com destino a Macaúbas (BN, A Reforma, 12 de abril de 1878). As notícias logo chegaram à capital provincial e a Corte. Existiam duas versões sobre os fatos da aludida vila, uma que comungava com o relato do liberal Antônio Lourenço e, outra, que apresentava pontos divergentes. A principal divergência dizia respeito aos motivos que levaram o delegado demitido a ir a vila naquela tarde. Segundo os liberais, Brandão, inconformado com a demissão, foi a vila demostrar o seu poder. Segundo Joaquim de Mello Rocha, genro de Brandão, versão com a qual pactua a imprensa conservadora, o fazendeiro foi a vila após ser comunicado de que ali os liberais preparavam um “alvoroço”, não tendo recebido o comunicado da sua demissão, entendia que deveria ir a praça estabelecer a tranquilidade. Existia, portanto, uma disputa pelas versões entre os sujeitos, essa disputa estabeleceu um debate intenso na imprensa da capital, definindo inclusive a maneira como seriam compreendidos criminalmente os episódios daquela tarde, voltaremos a tratar desse aspecto.

Com a chegada das notícias à capital, o presidente da província Barão Homem de Mello incumbiu o chefe de polícia da província, Antônio Carneiro da Rocha, a ir sindicar os fatos e tomar as devidas medidas. Este justificou-se sobre a não efetivação da tarefa, conforme ele, enquanto deputado provincial, não poderia se ausentar em períodos de profícua atividade da Assembleia Provincial, Homem de Mello acatou o pedido de dispensa.

A imprensa conservadora criticou a postura do chefe de polícia. O jornal baiano, Correio

social, travando a marcha da administração. A leitura do jornal era a de que Carneiro da Rocha se esquivou para estar presente na Assembleia e votar favoravelmente as matérias do seu partido, o liberal (BN, Correio da Bahia, 12 de abril de 1878).

Ernesto Botelho e demais autoridades locais fugiram para Lençóis. Com o atraso das autoridades incumbidas para sindicância, a vila de Macaúbas experimentava um vazio de justiça. A correspondência de Pedro Carneiro da Silva, Juiz de Direito da Comarca de Urubu, expõe o cenário de tensões e incertezas postas naquelas paragens. Não havia certeza de que agentes da lei ali faziam mostra da justiça, nas suas palavras o termo encontrava-se “acéfalo”.

O juiz de direito tinha uma licença para tratar de questões de saúde, deixa evidente que tomaria as providências relacionadas a averiguação e instauração de processos assim que os ânimos ali se acalmassem, mas ficaria na dependência de seu estado de saúde (APEB, 23 de maio de 1878, Maço 2624). O juiz entrou de licença sem comparecer a Macaúbas, o que gerou críticas e um conflito jurisdicional na comarca.

As autoridades da província demoraram a chegar a Macaúbas, o delegado Luís Santos Castro chegou apenas no início de abril. A recusa do chefe de polícia em partir em sindicância retardou a chegada da comissão naquela vila, a missão foi direcionada ao chefe de polícia interino Inocêncio Maria de Almeida que partiu da capital em 09 de abril, demorou dois dias em Cachoeira, chegando a vila em 30 de abril, pouco mais de um mês após os ocorridos. As causas da demora segundo o agente se deveram ao “mal estado dos caminhos, pela falta de pastagem e aguada para os animais” (CRL, Relatório, 25 de novembro de 1878, p.1). Almeida levou consigo cinquenta praças de infantaria comandados pelo capitão Francisco de Paula Argolo (CRL, 1º de maio de 1878, p.6). Da vila de Lençóis, Joaquim Alvares dos Reis levou trinta praças do corpo de polícia (BN, A Reforma, 25 de maio de 1878).

Apesar da prisão de Porfírio Brandão ter se tornado uma “questão de ordem pública” para o governo provincial, ela não se concretizou. Inocêncio de Almeida explica que a prisão não teve lugar “por inércia ou talvez propósito da parte do capitão de polícia Joaquim Alvares dos Reis”, que mantinha boas relações com o preso Martiniano Antônio de Almeida, aliado de Brandão, e com outras pessoas próximas ao ex-delegado.

Observando tal conduta, o chefe de polícia fez Alvares Reis retornar para Lençóis, onde era delegado de polícia (CRL, 25 de novembro de 1878, p.5). Independentemente de ter contado com auxílio ou não, Porfírio Brandão, sertanejo que era, conhecia a geografia daquele local, o que a força policial que vinda de Lençóis e da capital não conhecia, além de ser um sujeito influente naquele território, o que, provavelmente, facilitou sua fuga e dificultou sua captura pelas autoridades.

4.4 OS AGENTES DO ESTADO IMPERIAL NO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO