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Esse estudo buscou inicialmente explicitar sobre os fundamentos acerca da gênese da sociedade capitalista, que se origina diante da expropriação dos produtores rurais de seus meios de produção, impulsionando no desenvolvimento de novas relações de trabalho, determinadas a partir da formação de duas classes sociais fundamentais – a burguesia e o proletariado. Assim, apreende-se que esse é o ponto de partida para uma nova sociabilidade, na qual, tencionava a acumulação desenfreada pelo lucro, pautada na venda da força de trabalho e na exploração dos trabalhadores.

Dessa maneira, como demonstrado na primeira seção, um contingente de trabalhadores é forçado a vender sua força de trabalho como único meio de sobrevivência, todo esse processo que se constituiu o modo de produção capitalista e as consequências para a classe trabalhadora, são os determinantes históricos e materiais da questão social que possui como uma das suas principais expressões o pauperismo.

Fez-se necessário compreender toda essa trajetória de consolidação da sociedade capitalista, para então desvendar as formas de intervenção adotadas pelo Estado no trato sobre a pobreza. Na sociedade pré-capitalista, a ação estatal esteve pautada no viés punitivo e repressor em que determinava em suas legislações o trabalho para todos aqueles aptos. Nesse período, além de proibido a mendicância e a livre circulação, as ações assistenciais com auxílios seletivos e restritivos, eram destinadas para os reclusos nas workhouses, no qual, eram forçados a exercer alguma atividade laborativa que explicasse o auxílio adquirido. Para esses eram assegurados uma assistência pautada no princípio moral e cristão da ajuda, em que não era reconhecido na perspectiva do direito social.

A transição histórica da sociedade pré-capitalista à sociedade capitalista, que marca o surgimento do pensamento liberal e da regulamentação da Nova Lei dos Pobres, restringiu ainda mais a assistência dos incapazes aos cuidados da filantropia. Esse período de intensa exploração resultante do crescimento industrial, agudizou o fenômeno do pauperismo e diante da luta dos trabalhadores frente a sua condição de exploração, ficou evidente à necessidade de uma intervenção estatal sob a égide de novas regulamentações sociais e de trabalho.

Diante disso, como observado no decorrer da primeira seção, as medidas de proteção social se efetivam com o Welfare State nos países da Europa Ocidental, logo após a Segunda Guerra Mundial. O Estado passa assumir o papel de instância soberana que administrava o funcionamento econômico e com políticas voltadas para o bem-estar social da população por meio da expansão da rede de proteção social. Isto é, nesse contexto histórico, que desenvolvem-

se medidas como o pleno emprego e a expansão dos direitos civis, econômicos, políticos e sociais, visando garantir que a classe trabalhadora tivesse acesso aos serviços sociais essenciais para a manutenção da força de trabalho e da acumulação do capital.

Entretanto, ao contrário do que ocorreu na Europa, o Brasil por se tratar de um capitalismo tardio somente no final dos anos de 1930 passa a ter uma intervenção direta do Estado nas expressões da questão social, que até então destinava o cuidado com os pobres como exclusividade da Igreja. Nesse período, a assistência passa a ser incorporada pelo Estado, mas sem perder seus traços vocacionais católicos e sem ser qualificada como uma política estatal, assim, essa assistência se torna necessária para o processo de industrialização emergente, visando a reprodução da força de trabalho.

Dessa maneira, observa-se que entre as décadas de 1930 a 1980, as medidas estatais, principalmente nas primeiras décadas, se restringiam aos trabalhadores urbanos com contratos de trabalhos, excluindo a maior parte da população que ainda se encontrava nas zonas rurais ou estavam desempregadas. Como uma das escassas medidas do Estado, se tem a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1942, entretanto, sua intervenção não foi realizada de forma direta, pois era direcionada para as organizações da sociedade civil por intermédio de subvenções estatais, o que veio a resultar no caráter assistencialista e clientelista da assistência social.

Com foi visto na segunda seção, esse cenário somente modifica-se com a aprovação da Constituição Federal de 1988 em que a assistência social passa a integrar legalmente a tríade da Seguridade Social ao ser demarcada como uma política pública de direito social, e regulamentada posteriormente em 1993, a partir da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Contudo, mesmo diante dos avanços referentes aos direitos de cidadania compostos na carta constituinte, sua consolidação é coibida em razão do Estado priorizar as políticas econômicas, pois frente a crise estrutural desencadeada na década de 1970 nos países centrais, foram implementados os princípios neoliberais, havendo o desmonte do sistema de Seguridade Social. Assim, como explicitado no estudo, diante da ofensiva neoliberal a política de assistência social assume uma face contraditória, enquanto preconiza os princípios universalistas, se efetiva de forma focalizada. Posto isto, por intermédio das análises realizadas no decorrer da pesquisa, apreende-se que a universalidade indica expandir a acessibilidade dos direitos sem delimitar critérios de elegibilidade, contudo a referente política ao assumir uma perspectiva focalista, se distancia do caráter de universalidade em vista que adota os critérios mínimos de elegibilidade no acesso aos serviços, programas e benefícios.

Vale ressaltar que a assistência social é instituída para quem dela necessitar, e seu papel na perspectiva da universalidade é possibilitar o acesso as demais políticas sociais havendo uma relação entre as mesmas. Em suma, ao se constituir como uma política social e campo de intervenção do Estado, a mesma tenciona se afastar do viés assistencialista que ficou marcado as décadas de 1930 a 1980, contudo por manter uma relação intrínseca com concepções político-ideológicas conservadoras e neoliberais, sua implementação se limita ao caráter focalizante.

Desse modo, conclui-se diante das análises dos autores estudados ao longo da segunda seção, que a política de assistência social se enquadra na estratégia funcional das requisições do capital, uma vez que viabiliza um atendimento focalizado nos mais pobres visando garantir os mínimos sociais por intermédio de uma política social compensatória. Como principal medida adotada na política, tem-se a centralidade nos programas de transferência de renda que objetiva a redução da extrema pobreza, tendo como público-alvo, indivíduos que estão inseridos em situação de vulnerabilidade e risco social.

Fica evidenciado que o foco da Assistência Social não está no enfrentamento das mais diversas expressões da questão social, mas sim no combate da extrema pobreza a partir dos programas de transferência de renda mencionados na segunda seção (BPC e Programa Bolsa Família). Verifica-se assim, a predominância desses programas em detrimento da consolidação e da expansão dos demais serviços socioassistenciais. Diante disso, por haver essa intervenção focalizante através de medidas paliativas, não se tem uma contestação das raízes da questão social, pois a focalização na parcela mais pauperizada da população trata-se de uma estratégia de controle em meio a uma conjuntura neoliberal marcada pelo retrocesso e perda de direitos sociais e trabalhistas, resultantes da crise estrutural do capital.

Nesse sentido, a política de assistência social torna-se um instrumento de administração do pauperismo, sendo funcional ao capital na medida em que sua ação se focaliza na extrema pobreza, se distanciando ainda mais de uma intervenção direta nas raízes da questão social, haja vista que colocaria em xeque a ordem capitalista. No entanto, mesmo com a face contraditória que a política de assistência social assume, e compreendendo a impossibilidade no âmbito da sociedade capitalista, de assegurar a universalização do acesso dos direitos sociais principalmente diante da ofensiva neoliberal, é inegável os avanços no aparato normativo da política, por isso a necessidade de estudos e discursões referentes a política de assistência social em vista que a mesma é destinada à parcela da população que se insere na relação conflituosa entre capital x trabalho.

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