• Nenhum resultado encontrado

A partir da articulação apresentada e do referencial teórico exposto, é possível sintetizar possíveis formas de interação da ergonomia nos processos de concepção com diferentes responsabilidades:

 Informante: trata-se da participação mais passiva da ergonomia nos processos de concepção, se colocando apenas como fornecedora de conhecimentos (cadernos de encargos ou recomendações) para inserção da perspectiva da ergonomia no processo de projeto;

 Gestor ou condutor do projeto: seu papel é ativo durante o processo de concepção, porém voltado para as questões administrativas do projeto, gerindo recursos (como tempo, dinheiro, pessoas – e possivelmente entrando em conflito com seu papel original de ergonomista, conforme aponta Béguin (2007)), “preparando os atores” e conduzindo os participantes do processo de projeto para que colaborem entre si (DANIELLOU, 2007b);

 Participante: neste papel, a ergonomia atua sobre o processo de concepção (com o seu mundo-objeto) da mesma forma que as outras disciplinas (ou ofícios) o fazem; possui um grau maior de participação efetiva que os anteriores, podendo inclusive ter influência significativa no processo de tomada de decisão;

 Projetista: este papel pode ser considerado uma extensão do papel anterior, com a diferença que o responsável por inserir as questões de funcionamento do homem, atividade e as necessidades operacionais do sistema produtivo, possui condições (saberes e métodos) para construir de forma independente os cenários propositivos baseados na atividade futura e participação dos demais atores envolvidos no projeto.

Para melhor explorar os diferentes papéis apresentados e justificar a discussão da capacidade de projetar dentro do mundo-objeto da ergonomia, são

propostas duas ilustrações na Figura 9 relacionando-se com as diferentes formas possíveis de atuação da ergonomia com o momento da sua entrada no processo de concepção, a partir de reflexões de Maline (1994), Duarte (2002), Béguin (2007) e Lima e Duarte (2014).

Figura 9 Momentos possíveis de entrada da ergonomia e de sua forma de atuar

Fonte: Elaborado pelo autor.

Na figura é possível observar gráficos que tratam da temporalidade dos processos de concepção, com o eixo horizontal representando a evolução do tempo e no eixo vertical a margem de ação. Tal ilustração remete ao caráter paradoxal apresentado por Midler (1996) que afirma que o nível de conhecimento sobre o projeto aumenta ao longo do desenrolar do processo de concepção, porém, o grau de liberdade disponível se reduz a medida que as escolhas são feitas. Para o autor trata- se da convergência e irreversibilidade próprios da dinâmica de uma situação em projeto. A linha na cor cinza clara, abaixo da seta decrescente, indica que este processo de diminuição não é linear, isto é, o espaço de possibilidades pode cair com diferentes taxas ao longo do tempo (por exemplo, após uma decisão em torno da adoção de uma determinada tecnologia, a margem de ação pode ser reduzida consideravelmente).

No primeiro gráfico (a) ilustra-se os diferentes momentos possíveis de entrada da ergonomia, desde as fases iniciais até próximo do encerramento do projeto (com pouca possibilidade de ação, neste caso). A relação neste caso se dá com o eixo horizontal – tempo.

No gráfico (b) são apresentadas as diferentes formas de atuação da ergonomia durante os processos de concepção, segundo os papéis apresentados anteriormente. Aqui a relação ocorre com o eixo vertical – possibilidade de ação.

O cruzamento destas características delimitam a capacidade de atuação efetiva da ergonomia nos processos de concepção de situações produtivas. Por exemplo, a entrada tardia em um projeto, mesmo para uma equipe de ergonomia que tenha capacidade de projeto, fica severamente limitada pelo avanço das decisões tomadas e, portanto, pequena margem disponível para alterações. A Figura 10 ilustra graficamente duas situações extremas: uma crítica e outra, de forma oposta, considerada desejável.

Figura 10 Capacidade de atuação da ergonomia em processos de concepção

Fonte: Elaborado pelo autor.

No gráfico (a) apresenta-se a situação mais crítica possível: entrada tardia da ergonomia no projeto com o papel de informante. Observa-se que as linhas referentes a tais características demarcam uma área pequena que refere-se a “capacidade de atuação da ergonomia”. No gráfico (b) a situação inversa, isto é, considerada a ideal: entrada o mais cedo possível da ergonomia no processo de concepção com o papel de projetista. A área demarcada pelas linhas é bastante superior à do gráfico anterior e explicita uma maior capacidade de atuação da ergonomia.

Tais reflexões remetem à análises citadas (MALINE, 1994; DUARTE, 2002; BÉGUIN, 2007; LIMA; DUARTE, 2014), mas se diferenciam substancialmente por explicitar que a inserção da perspectiva da atividade não pode ser analisada

apenas pelo viés temporal de entrada no processo de projeto ou ainda pela oportunidade de discutir “as principais questões” (ou as escolhas feitas sobre os determinantes ao nível do sistema de trabalho). A capacidade e forma de atuação do profissional responsável pela inserção da atividade é um aspecto chave nesta estrutura. Basta, para isto, imaginar que na situação idealizada por tais autores, isto é, entrada logo no início do projeto e participação nas discussões de nível macro (como qual tecnologia ou área do terreno que será utilizada, por exemplo), tal profissional consiga apenas informar aos projetistas as estratégias operatórias desenvolvidas e os constrangimentos aos quais os trabalhadores são expostos na situação existente, em geral, no nível do posto de trabalho. Neste cenário, é esperado que pouco possa ser aproveitado no processo de tomada de decisão, que continuará centrado nos aspectos técnicos e econômicos.

Os desenvolvimentos apresentados até aqui são convergentes no sentido de apontar para que a ergonomia deva participar do processo de concepção de forma a incorporar o seu “mundo-objeto”, assim como qualquer outra área ou disciplina o faz e que tal capacidade de atuação pode ser ampliada com os saberes e métodos próprios das atividades projetivas e compreensão dos sistemas produtivos.

Outra reflexão possível é a mudança do paradigma presente nas teorias e práticas de projeto do trabalho. A racionalidade que permanece é herança direta dos modelos tayloristas e fordistas com alguma influência do modelo japonês e tem como foco, em termos práticos, a eficiência produtiva.

As experiências que propuseram modificações estruturais, como o enriquecimento de cargos e os grupos sócio-técnicos não foram institucionalizados pelo ambiente econômico, social e cultural a ponto de influenciarem significativamente a teoria e prática do projeto do trabalho.

Neste sentido, este texto é orientado pela hipótese de que a Ergonomia da Atividade, assim como outras disciplinas ligadas ao Design de Engenharia, pode colaborar substancialmente e de forma articulada (em termos de referenciais teóricos, métodos e instrumentos, como a simulação) no projeto de situações produtivas.

Em termos específicos, o referencial teórico teve como objetivo sustentar uma reflexão em torno da questão definida para esta pesquisa: como a simulação

pode ser um objeto intermediador para a incorporação da atividade nos processos de projeto de situações produtivas?

No próximo capítulo são apresentados o método e o campo da pesquisa que pretende validar a articulação utilizada e contribuir de forma teórica e prática, a partir das análises e reflexões propostas, para a utilização da simulação como instrumental intermediador de concepção.