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2.3. Projeto Participativo do Trabalho

2.3.1. Objetos de fronteira

O conceito de objetos de fronteira17 foi introduzido por Star e Griesemer

(1989) e buscava responder à heterogeneidade do trabalho científico e a necessidade

de cooperação entre participantes auxiliando na interpretação de seus mundos sociais18.

A questão colocada por Star e Griesemer (1989) reside na dificuldade do processo de criar uma representação comum (para a solução de problemas científicos, por exemplo) em um contexto de intersecção de mundos sociais diferentes e estabelecer um modus operandi colaborativo. Quando os mundos dos diferentes atores deste processo se interseccionam é que a dificuldade aparece, segundo os autores, e a criação de novos conhecimentos científicos dependem da comunicação e de novas descobertas que possuem significados diferentes em seus mundos. Uma reconciliação de significados é necessária e requer um esforço substancial da parte de todos os envolvidos (STAR; GRIESEMER, 1989).

Para o desenvolvimento do conceito de objetos de fronteira, os autores propõem uma abordagem ecológica a qual tem como vantagem considerar que o ponto de vista de amadores não é melhor ou pior do que o de profissionais, por exemplo. A definição dada é que os objetos de fronteira são objetos que são tanto plásticos (para se adaptarem às necessidades locais e restrições daqueles que o utilizam) quanto robustos (o suficiente para manter uma identidade comum através das situações). Estes objetos podem ser abstratos ou concretos e possuem diferentes significados nos diversos mundos sociais, mas sua estrutura é comum o suficiente para que os mundos os reconheçam, sendo um meio de interpretação. A criação e gestão dos objetos de fronteira é um processo chave no desenvolvimento e manutenção da coerência através do intersseccionamento dos mundos sociais (STAR; GRIESEMER, 1989; tradução do próprio autor)19.

Wenger (2000) define os objetos de fronteira dentro do contexto das comunidades de prática que definem a base do sistema de aprendizagem social (por estas conterem as competências que compõem um sistema deste tipo). Tais objetos,

18 Os autores não definem explicitamente o conceito de mundo social, mas referem-se aos diferentes papéis sociais das pessoas nas organizações, como gestores, especialistas, amadores, cientistas, patrões, entre outros. 19Texto original com a definição: “Boundary objects are objects which are both plastic enough to adapt to local

needs and constraints of the several parties employing them, yet robust enough to maintain a common identity across sites. They are weakly structured in common use, and become strongly structured in individual-site use. They may be abstract or concrete. They have different meanings in different social worlds but their structure is common enough to more than one world to make them recognizable means of translation. The creation and management of boundary objects is key in developing and maintaining coherence across intersecting social worlds” (STAR; GRIESEMER, 1989, p. 393).

para este autor, possuem seu valor não apenas como artefato de uma prática mas sobretudo na medida que suportam conexões entre diferentes práticas. Para Wenger (2000, p. 236) as formas que estes podem assumir são várias: artefatos (ferramentas, documentos ou modelos); discursos (linguagem comum para as pessoas se comunicarem); e, processos (rotinas e procedimentos).

Carlile (2002) também apresenta uma proposta de categorização dos objetos de fronteira com base em Star (1989, apud CARLILE, 2002): repositórios (como bases de dados de custos, bancos de dados CAM/CAD, por exemplo); métodos e formatos padronizados (como relatórios padronizados ou métodos bem estabelecidos, como o FMEA, por exemplo); objetos ou modelos (representações simples ou complexas como esboços, desenhos, maquetes e simulações computacionais, por exemplo); e, mapas de fronteiras (representando as dependências e limites entre diferentes grupos de forma sistematizada, como gráficos de Gantt, mapas de processo e matrizes de fluxos de trabalho, por exemplo). Devido à similaridade, o autor combina as duas últimas categorias em uma única: objetos, modelos e mapas (CARLILE, 2002).

Broberg, Andersen e Seim (2011) apresentam um quadro síntese com uma categorização dos objetos de fronteira - baseada nas categorias de Wenger (2000) e Carlile (2002) - e diversos registros de objetos utilizados extraídos de 19 estudos de ergonomia participativa entre os anos de 1995 e 2008. A síntese é apresentada no Quadro 2.

Pode-se concluir que muitos objetos têm sido utilizados em processos de ergonomia participativa, porém, como Broberg, Andersen e Seim (2011) afirmam, raramente suas funções, formas de funcionamento e impactos são discutidos nos estudos, ou ainda a razão de suas escolhas entre outros objetos possíveis.

Hall-Andersen e Broberg (2014) definem a função dos objetos de fronteira como mediadores na comunicação direta entre diferentes atores. Em contraste à estes, os autores introduzem o conceito de objetos intermediários no contexto de Design de Engenharia, os quais possuem uma função mais ativa no processo de concepção.

Quadro 2 Categorização de objetos de fronteira em ergonomia participativa

Tipo do Objeto Registros em processos de ergonomia participativa

Repositório Nenhum Métodos e formatos padronizados Documentos  Diagramas de Ergonomia  Questionários  Relatórios de danos

 Lista de resultados e problemas  Inventários

 Diagramas de layout  Esboços feitos à mão  Desenhos  Diagramas  Tabelas  Relatórios de reuniões  Diagramas de Pareto  Diagramas de relações  Diagramas de árvore Breakthrough thinking Testes de usabilidade Entrevistas com grupos Objetos, modelos e mapas Protótipos

Testes de estações de trabalho e equipamentos

Apresentações de slides com imagens de postos de trabalho CAD Visualização computacional  2D  3D  Animações  Manequins  Ambiente virtual

Maquetes em escala ou tamanho real (mock-up) Jogos de produção

Gráficos espinha de peixe Quadro de avisos ergonômicos Discursos Questionando situações

Ações típicas de situações Auto-confrontação

Vídeos com trabalho gravado Modelo de diálogo

Processos Prototipação

Testes de novas formas de trabalho

Visitas a outros departamentos ou postos de trabalho Fonte: Traduzido pelo autor a partir de Broberg, Andersen e Seim (2011, p.466).