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Mediante o apresentado no decorrer deste trabalho, pode-se fazer algumas considerações.

Primeiramente há de se pensar o campo de estágio no EMAJ enquanto um espaço sócio-ocupacional, o qual - ainda que permeado por conflitos tanto de natureza teórica, como prática - propiciou um espaço de “estudo, reflexão do fazer, de pensamento da prática social, ou seja, uma formação de apropriação de elementos de crítica e descobertas sobre as questões presentes na dinâmica da sociedade” (Oliveira, 2004: 66 apud Oliva, 1989:150).

Partindo do pressuposto que o EMAJ é um campo significativo de atuação acadêmica, faz-se necessário refletir e buscar estratégias para se pensar o estágio enquanto uma prática educativa, intermitente, contextualizada, sem que assim se estabeleça, nesse processo de exercício profissional, a reprodução de práticas miméticas, sem a devida reflexão sobre o seu fazer, sobre a sociedade, sobre a historicidade da sua profissão, e sobre as condições de seu trabalho.

Ainda que o Serviço Social do EMAJ busque a ampliação do acesso a assistência jurídica gratuita o que se percebe é que a intervenção se mantém individualizada, não somente no que se refere ao atendimento do usuário, como, também dos encaminhamentos, muitas vezes fragmentado, onde não se sabe, em muitas situações, o que aconteceu com a demanda atendida, se foi instaurado inquérito, se entrou com ações de alimentos, se aquele usuário encaminhado ao posto, a Delegacia, ou a qualquer outra rede recebeu o atendimento, se o processo foi arquivado, se a medida protetiva de urgência foi propalada.

Com relação a isto se faz fundamental pensar estratégias para publicizar a importância de nossa profissão neste espaço através de um maior acompanhamento do usuário nos atendimentos, no seu retorno e até mesmo em audiências públicas, para que as demandas trazidas pelos usuários sejam integralmente solucionadas.

A partir do exposto neste trabalho, reconhece-se a importância que os instrumentais têm no processo de atendimento e seria relevante que, cada vez mais as entrevistas, principal instrumental utilizado em nossa atuação no EMAJ, seja uma ferramenta de “relação estreita, de conhecimento mútuo, buscando-se a ampliação de consciência sobre as questões do cotidiano” (Silva, 1995). Também se faz necessária a ampliação dos demais instrumentais por nós utilizados, como as reuniões, instrumental importante na relação interpessoal da instituição como meio necessário para uma atividade interdisciplinar.

O Serviço Social do EMAJ também possui todos os elementos necessários para que seja atribuído a este a função particular de acolhimento dos usuários, pois, acolher envolve muito além de ouvir, “é imprimir ao simples ato de ouvir a capacidade humana de escutar, de estar atento ao outro” (Farias, 2007), envolve a “recepção do usuário desde a sua chegada, responsabilizando-se integralmente por ele, ouvindo suas queixas, permitindo que expresse suas preocupações, angústias” (Aquino, 2008) de modo a resolver determinadas problemáticas, buscando para tal a articulação com os demais serviços sociais. O acolhimento envolve escuta social qualificada, acompanhamento das demandas, e com relação a isto, ninguém é mais preparado para tal atividade do que o assistente social. Por isso, sugere-se que a primeira abordagem seja feita não pela secretaria do EMAJ, mas pelos estagiários do Serviço Social que podem identificar as demandas pertinentes a cada área seja Serviço Social, Psicologia ou Direito e encaminhar para as redes sócio-assistenciais.

Com relação à interdisciplinaridade é importante perceber que o diálogo necessário para que ocorra uma prática interdisciplinar pouco intermitente neste espaço é de reconhecimento de todos os profissionais e estagiários entrevistados, sendo por eles ressaltada a importância de um maior diálogo não só entre os próprios operadores de direito como de cada equipe entre si. O diálogo é um pressuposto para que as ações sejam mais totalizantes, integrais. Práticas como de reuniões, palestras, fóruns, pesquisas são fundamentais para que se discuta as formas, estratégia e avaliação das ações no EMAJ, de modo a se pensar este campo não apenas enquanto um espaço de formação profissional como também de atendimento integral ao usuário.

O desconhecimento acerca de cada área ali presente sobre si e sobre os demais limita as possibilidades de atendimento. É pressuposto para um atendimento qualificado o auto- conhecimento de cada profissão, de seus limites e possibilidades e do conhecimento de todas as áreas presentes no EMAJ para que se consiga um atendimento e uma prática interdisciplinar dentro deste espaço. Uma forma de cada área se conhecer dá-se, por exemplo, pela reunião, palestra, seminário que publicize a importância e o fazer profissional de cada área, seja o Serviço Social, Psicologia ou Direito.

Percebe-se, pela fala da maioria dos entrevistados que se faz necessário no EMAJ que cada área do conhecimento, Serviço Social, Direito e Psicologia entrem, através de suas particularidades disciplinares, em um maior contato. Que o atendimento pautado em um único objetivo, possa ser posto em prática de maneira qualificada e mais integrado de forma tal que a resolutividade de questões que aparecem no cotidiano do usuário quando cercadas pelas diferentes visões de uma mesma demanda se possam apresentar pela noção da totalidade das

situações sociais a melhor solução possível. Esse tipo de ação, segundo boa parte dos entrevistados, resultaria em um atendimento integral da demanda.

Tais ações são difíceis ao passo que a prática interdisciplinar é nova e requer quebra de alguns preceitos conservadores arraigados nas práticas institucionais. É preciso que, em algumas demandas o atendimento se dê de maneira conjunta “com planejamento democrático [...] elaborando um modelo de responsabilidade” (Rômulo, 2002:70) condicionado a um compromisso: garantir o acesso do usuário a assistência jurídica gratuita buscando atender integralmente a todas as demandas que cerceiam a sua realidade cotidiana. É preciso que se reconheça a importância e as particularidades de cada ação, por cada área presente no EMAJ, pois a interdisciplinaridade não pressupõe a quebra total entre os conhecimentos, mas, a integração destes respeitando as especificidades de cada um.

Para que uma prática interdisciplinar se torne presente neste espaço há que cada profissional, cada estagiário presente no EMAJ possua uma vontade política e comprometimento com sua ação. Precisa- se reconhecer as dificuldades e os limites impostos pela instituição, inerentes a própria sociedade capitalista desigual que deixa a margem dos direitos sociais, políticos e civis milhares de pessoas, um sistema pautado na incipiente atenção a questão social. Assim, com a visão totalizante é que se pode pensar estratégias e agir em prol de um atendimento integral das demandas dos usuários.

Nossa atuação deve estar pautada na „economia de ação‟ entendida enquanto um processo de atendimento que leve em consideração a socialização e racionalização da ação. Esse tipo de ação não pretende que se burle o monopólio do saber e nem que se extingue a hierarquia profissional (Rômulo, 2009), mas busque a interlocução entre o conhecimento e o aprofundamento das demandas. Requer dos profissionais além da formação específica, do “aperfeiçoamento constante, sensibilidade e compromisso ético com o objetivo da realização de uma ordem jurídica que atenda os anseios” (Chuairi, 2001: 141) da população.

A consecução de um trabalho interdisciplinar com ações compatíveis com a realidade social e com os níveis de desenvolvimento científico-tecnólogico do mundo modernos possibilita maior eficácia à ordem jurídica, superando, assim, a mera identificação da ciência do Direito com a aplicação da Lei (CHUAIRI, 2001:136-137).

Outra questão a se pensar refere-se à imensa dificuldade de dentro deste espaço possuirmos maior autonomia não somente no que concerne a aprovação dos usuários para

obterem maior acesso ao direito de assistência jurídica gratuita como também de mostrarmos que nossa atuação não se restringe a análise sócio-econômica e que se faz relevante dentro deste espaço sócio-ocupacional. Com relação ao entrave físico, luta-se até hoje para que possamos ter uma sala mais ampla, visto que a atual equipe deve, em um pequeno espaço, e com apenas dois computadores comportar, por vezes, 8 estagiários além dos supervisores.

Além disso, outra problemática a que se coloca, refere-se ao fato de que o local onde são feitas as entrevistas com os usuários além de não possibilitarem o sigilo profissional são em número insuficiente para que se possam atender a todos, visto que não há nenhuma estação de atendimento exclusiva para o Serviço Social.

Como nos diz Iamamoto (2006), o que se pode perceber no espaço sócio-jurídico é que “Vive-se uma tensão entre a defesa dos direitos sociais e a privatização/mercantilização do atendimento as necessidades sociais, com claras implicações nas condições e relações de trabalho do assistente social”(p.272).

Nessa direção um fator que tensiona nossa relação com o Direito é o fato de, por vezes, as aprovações dos usuários são negadas pelas equipes de Direito, exclusivamente pela questão da renda, o que vai até contra a Constituição Federal de 1988, a qual não estipula valores para a comprovação de hipossuficiência. Com relação a isto a nossa ação esta pautada na noção de que é hipossuficiente aquele usuário que ao se ter gastos com despesas judiciais prejudicará seu sustento e de seus familiares e não aquele usuário que ganhe até 1500 reais- valor monetário que não exprime a situação social dos usuários. Nesse sentido é fundamental o aprofundamento e o debate acerca da hipossuficiência dentro do EMAJ.

E, nesse sentido, tanto os estagiários do Serviço Social quanto das demais áreas presentes no EMAJ devem compreender sua ação enquanto operacionalizadores de direitos. Especialmente o Serviço Social deve buscar, cada vez mais socializar informações, reconhecendo o direito à informação enquanto sine qua non para a prática cidadã, pois, viabiliza direitos, fortalece os usuários de autonomia para buscarem seus direitos. O direito do usuário não deve ser somente o de acesso à informação, mas de compreensão das informações (Mioto, 2009).

O processo de elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso é árduo e exige dos alunos um estudo bibliográfico e documental muito intenso e um acervo bastante vasto para aferir valor científico ao seu corpo, o que nem sempre foi possível devido à ausência de registros bibliográficos e documentais do Serviço Social no EMAJ. Um exemplo disto são os Trabalhos de Conclusão de Curso elaborados por estagiárias do Serviço Social do EMAJ. Além de alguns exemplares serem extraviados, muitos - principalmente os anteriores de 1990

- não são disponibilizados pela UFSC. Além disso, a maioria dos exemplares não traz informações históricas completas principalmente no que se refere aos projetos de intervenção dos estagiários que passaram pelo EMAJ desde 1978, o que dificultou e vem dificultando o levantamento bibliográfico da referida instituição.

A elaboração e aplicação dos questionários foram igualmente desafiadoras. Primeiro no que se refere a sua construção. Pensar quais e quantas perguntas são suficientes para fazermos uma análise que dê conta de compreender minimamente a realidade social não é uma tarefa fácil. E segundo, da forma de aplicação dos questionários sabendo das dificuldades de diálogo existente entre os estagiários e profissionais do EMAJ. Nesse sentido, as dificuldades de elaboração do referido trabalho nada mais são do que resultados das dificuldades dentro do EMAJ.

Entretanto, as Supervisoras de Serviço Social e os estagiários do Serviço Social do EMAJ não devem esmorecer diante das situações conflitantes e limitadoras, deve sim, ao enxergar tantos empecilhos munir-se de uma ação política modilizadora e transformadora comprometida com o espaço organizacional, com os preceitos éticos da profissão e com a legislação pertinente, de modo a ampliar cada vez mais o acesso dos usuários de seus direitos, dotá-los de ação autônoma.

É evidente que isto não é uma tarefa fácil, e meu trabalho não pretende e nem propõe uma ação transformadora imediata, mas sim reconhecendo a ação interdisciplinar enquanto um processo difícil e lento, intenta alertar e sugerir aos profissionais inseridos no EMAJ um novo modelo de prática profissional que coloque no centro o usuário integral com demandas que necessitam ser solucionadas de maneira integral.

Termino então com a seguinte reflexão

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar (BRECHT, 1982).

Da mesma maneira que Brecht pensa que nada deve ser considerado como „dado‟ como „posto‟, mas sim como duvidado, questionado, penso que o espaço de atuação EMAJ, enquanto campo de intervenção do Serviço Social é um local onde as relações e o modo de atuação deva ser permanentemente questionado.

Que as relações hierárquicas não sejam vistas como naturais, e que cada um que exercite a profissão neste conflitante espaço sócio-ocupacional busque reconhecer os avanços, os conflitos, as fragilidades, assumindo, assim, uma postura propositiva e atuante, levando em consideração que “nada deve parecer impossível de mudar”, ainda que para isso passe-se por um longo processo de avanços e retrocessos. A mudança começa no momento em que se percebe que algo necessita ser transformado.

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