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Desde o seu surgimento, nos Estados Unidos, na década de 1950, o rock aparece como um gênero musical capaz de expressar uma série de sentimentos e anseios daqueles que se voltam contra algo presente na sociedade. Pudemos notar como tal visão aparece por intermédio de uma juventude que anseia ir de encontro ao que lhe parece careta, conservador ou ultrapassado, representado por hábitos e costumes da geração precedente. Tal discordância configura-se nos movimentos de contracultura com suas pautas políticas e comportamentais, apontando as mazelas da sociedade.

Assim, podemos notar que o rock surge em uma época de efervescência política e torna-se um gênero musical alinhado com as ideologias que propõem saídas ou soluções para os problemas presentes nas vivências daquele tempo histórico. Ao mesmo tempo que o rock transcende para outras realidades e conquista públicos a partir tanto da rebeldia presente em suas canções quanto da estratégia utilizada pela indústria cultural ao transformá-lo em mercadoria para um público que tinha a tendência a gostar do gênero musical, investindo no rádio, no disco e em filmes que mostravam a rebeldia como um estilo de vida que carregava consigo o consumo de uma série de outras mercadorias, como roupas, cigarro e etc.

O rock a partir da estratégia ligada ao cinema e ao disco, utilizada pela indústria cultural, chegou à Raul Seixas e influenciou o artista que enxergou o gênero musical enquanto um meio para expressar os seus anseios, como fizeram os manifestantes da contracultura. Então, Raul, por intermédio de suas músicas, propôs uma saída, aspirando uma nova realidade, uma nova sociedade, como vimos nas análises feitas no quinto capítulo dessa dissertação.

Tendo variadas referências, o artista detalhou alguns elementos em relação aos seus anseios de mudança, mas deixou um questionamento principal qual seja: “como chegar nessa tal sociedade que você está propondo?”.

Em suas canções, não temos alusão a um local fixo no qual encontraríamos essa sociedade nova, ao contrário, podemos ver que o artista preza por uma vivência em que o local não importa, mas sim, a constante mudança que faria o ser humano perambular pelo mundo, conhecer o máximo de realidades possíveis e mudar de opinião, chegando, assim, à plenitude da experiência.

Assim, nas canções vemos que Raul Seixas apresenta o que podemos chamar de utopia, enquanto um ideal a ser perseguido, mas sem uma notável preocupação sobre

130 como chegar a tal ideal. Percebemos que em variados momentos o artista se apresenta como o próprio caminho, como aquele que irá guiar rumo ao ideal da nova sociedade, mas sem maior detalhamento sobre tal percurso.

Mas, vemos que o pensamento do artista não segue um conjunto único de ideias que fazem com que construa seus argumentos de forma linear. Ora temos um afastamento da fantasia, com uma visualização além da sociedade vigente e um propósito de enfrentamento das limitações humanas, ora temos uma aproximação com a fantasia e referências a mundos místicos que serão apresentados para os ouvintes a partir daquele que é o caminho: Raul Seixas.

O ponto em comum entre os dois momentos está na liberdade. Seja dando força a fantasia ou estando completamente focado na realidade, o artista se mantém discutindo sobre acabar com aquilo que possa limitar as vivências dos seres humanos. A busca por uma vida em sua plenitude a partir dos ideais de liberdade está presente na produção musical de Raul Seixas independente das parcerias de composição ou de qual tema esteja sendo discutido em determinada canção.

Mas, é na liberdade também que encontramos as contradições internas do pensamento do artista e de seus parceiros de composição. Temos momentos em que o artista exalta a importância da coletividade para mudar a realidade e transformar um sonho em realidade. Raul expõe que somente juntos a diferença pode ser feita.

Em outros momentos, o artista abandona essa proposta coletiva e coloca o poder de mudança no indivíduo. A liberdade torna-se individual e é a partir da total expressão da individualidade, do homem forte e perseverante, que a transformação da sociedade acontecerá. Aqui, podemos perceber a força da influência do pensamento de Aleister Crowley na composição das canções.

Vale ressaltar que os dois elementos estão presentes nas canções que o artista compõe sozinho e nas que compõe em parceria com Claudio Roberto, Paulo Coelho e Marcelo Motta. Assim, podemos perceber que não é a influência das parcerias que causa a ruptura e o conflito de ideias. No final, não podemos afirmar se o elemento crucial para a sociedade alternativa de Raul Seixas seria a coletividade ou a individualidade.

Podemos notar que a coletividade ganha força quando o artista está a criticar aspectos da realidade. É como se sua importância estivesse na transformação do real no ideal, na mudança de uma sociedade para a outra. Mas, quando o artista começa a discorrer sobre aspectos da realidade nova, da sociedade alternativa, a individualidade

131 ganha destaque, nos fazendo questionar a importância da coletividade para além do passo inicial que tornou a nova sociedade possível.

Na coletividade, Raul Seixas se torna um utopista que questiona o quanto as melhorias no âmbito individual não irão fazer com que a sociedade se transforme. O artista é enfático e critica veementemente o comportamento pequeno burguês, rechaçando-o e buscando mostrar uma nova vivência que supere o processo de exploração e aprisionamento no cotidiano, recheado de problemas, das pessoas.

Nesse momento, a aposta na coletividade frente ao pensamento mediado pequeno burguês, ou às tradições, mostra uma aposta do artista na união dos indivíduos como maneira de enfrentamento. Entretanto, a aposta passa para melhorias individuais em outros momentos, colocando a força de mudança nos indivíduos fortes, melhorados, que não cederiam, que enfrentariam os seus fracassos sem medo, rumo à vitória e uma vida plena.

Temos, então, a relação entre o pensamento de Raul Seixas e o pensamento de Bloch (2005) sobre o sonhador que tem como preocupação a real mudança na realidade. Esse não irá se prender a transformações mínimas, mas sim, àquelas que atingem a sociedade em sua totalidade. Assim como temos o distanciamento, que coloca esse ser que se realiza como aquele forte individualmente.

Podemos pensar também que possa existir uma continuidade nesse pensamento de Raul Seixas sobre coletividade e individualidade, pois seria através da primeira que seria possível formar o “homem forte”, um novo homem, que só existiria na sociedade alternativa, após o coletivo ter transformado a realidade. Teríamos, então, uma coletividade de indivíduos diferenciados que viveriam de forma plena na nova sociedade. Entretanto, as canções que colocam o poder de mudança no indivíduo, não expressam que esses indivíduos compõem uma coletividade de iguais e nem como tal coletividade seria composta. Assim, não conseguimos concluir que essa relação possa realmente ser vista enquanto continuidade, mas sim como conflituosa e contraditória.

Tal conflito, no entanto, não coloca o pensamento expresso nas canções de Raul como não utópico. Afinal, o artista consegue colocar os pontos de crítica à realidade vigente e pensa para além dela, antecipando uma nova realidade. O que não conseguimos notar é a totalidade dessa sociedade alternativa e seu funcionamento e isso não descaracteriza a mentalidade do músico enquanto utópica.

Raul Seixas se apresenta enquanto um artista com um pensamento utópico que propôs uma mudança na realidade e também como um músico que cria algo novo a partir

132 de diferentes referências. Suas canções mostram misturas de variados gêneros musicais latino-americanos com o rock, trazendo elementos musicais originais e criativos que nos fazem refletir, dançar e, até mesmo, meditar.

Assim, Raul Seixas criou um pensamento inspirador, recheado de profundidade e contradições, e um estilo musical único que se tornou atemporal.

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