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97 Enxergar a geografia nas coisas simples, no cotidiano, em todo lugar (DANTAS 2011), é aí que podemos vê-la. Quando o homem se coloca no mundo, ele tem um lugar para estar.

Tuan (1980) utiliza o termo topofilia para associar o elo afetivo entre a pessoa e o lugar. E que adquire esse conceito quando é um espaço vivido, dado através das experiências.

Em São Pedro de Cima é visto um pouco disto. Conhecem seu lugar e o ritmo em que as coisas acontecem como mais ninguém. Sentem seu espaço, o experimentam, vivem ali.

A água é essencial para que as pessoas escolham seu lugar. E mais, ela é essencial para a manutenção da vida. Entender os significados e usos que algumas pessoas da comunidade fazem desta foi o foco do trabalho.

Falar sobre a água que está inserida nos fazeres cotidianos, nos lugares percebidos e até não percebidos, a água que tem simbolismo e traz inúmeros significados, que está contida em quase tudo que comemos, que é usada para a preparação da comida, que usamos para limpar nosso corpo, a água que carregamos dentro de nós de um lado para o outro e que poucas vezes é percebida. Essa movimentação pode ser chamada de ciclo hidrossocial (FELIPPE, [s.d]) momento em que o homem percebe-se como integrante do ciclo da água. É no espaço de vida que tudo isso acontece. A água sempre esteve presente (desde quando éramos apenas um embrião).

E apesar dos “usos de maneira comum” da água, há diferentes valores dados, como por exemplo, o caso do Alencar que dá também sentido de recreação e por conta disso “direcionou” a estrutura da casa favorecendo o uso da piscina e da bica, assim como os que constroem um lago para pescar como o Vadinho, e os que a utilizam com “mais cautela” por causa da diminuição do fluxo da água como a Lenir e o Zé Pereira e por isso precisam racioná-la.

Entender mais da água, seus movimentos e a integração do homem com esta, percebendo-a como integrante de si, faria com que o ser humano olhasse a água de outra forma. E talvez assim, a tratasse minimamente com o devido cuidado como quem entende que sem ela com a devida qualidade a vida não será mais possível.

98 É no espaço concreto, espaço praticado, vivido e percebido, um espaço de vida (Besse, 2000) que tudo isso acontece.

Acredito que o momento de diálogo com a comunidade foi importante também para eles. Proporcionou reflexões sobre o uso da água no seu cotidiano, evidenciando como ela é essencial à vida. Ajudou que a olhassem também nos lugares não tão óbvios. Durante nossa conversa, pude também compartilhar um pouco da pesquisa e tudo que venho aprendendo, inclusive sobre o ciclo hidrológico e sobre estarmos incluídos neste movimento. Foram momentos importantes pra mim, como geógrafa, conversar com eles sobre nossa (minha, deles e todos os seres vivos) inserção no mundo.

E questões foram pensadas a partir desta pesquisa sobre demandas com relação aos usos da água. Como por exemplo, a preocupação com a contaminação das águas subterrâneas por conta das fossas negras utilizadas por praticamente toda comunidade (contaminação biológica) e também a contaminação por conta do uso de defensivos agrícolas (contaminação química) utilizados por muitos e dos dutos da Samarco que “cortam” São Pedro de Cima e que eventualmente ocorre vazamentos. Isso altera a qualidade das águas do lugar.

Outra questão seria entender até que ponto a entrada massiva da produção de eucalipto, pode ter alterado o ecossistema e também o movimento das águas daquele local. Perceber até que ponto isto pode estar modificando o ciclo da água na comunidade e porque na região da família dos Pereiras essa seca atuou de forma mais “dura” que nas outras regiões da comunidade. Tentar perceber também sobre essa diminuição que vem ocorrendo ao longo das décadas, quando os relatos dizem que a várzea diminuiu drasticamente a quantidade das águas e que hoje não se planta mais arroz. Terá isso haver com a introdução de eucaliptos? Com o desmatamento? Queimadas? Com o crescente número de moradores que alteram o ciclo da água (ao invés de ir diretamente para o curso principal a água utilizada também se destina ao sumidouro)? Essas são questões a serem pensadas.

Acredito que através da Universidade, que já possui uma entrada na comunidade ao trabalhar projetos de pesquisa e extensão, que se proponha a subsidiar formas de aprimorar a relação da água na comunidade. Como por exemplo, a preparação de fossas sépticas de baixo custo, maior difusão das técnicas de plantio

99 agroecológico, propostas de reaproveitamento da água e que também de propor “fazeres” que sugiram o retorno da água para a região da família dos Pereiras, entre outras coisas.

Perceber que a vida das pessoas está totalmente ligada a água, contudo alguns dos seus usos não são tão apropriados para a manutenção da água, ainda mais com relação à sua qualidade, tanto para sua saúde quanto para o ambiente. Pensar também que é uma comunidade agrícola, que se encontra numa bacia e que o grande número de fossas podem trazer considerável contaminação de suas

águas, terras e consequentemente dos alimentos que produzem. Algumas propostas podem ser feitas para que seus usos possam ser cada vez mais harmoniosos e saudáveis.

Termino então, com uma frase do Porto-Gonçalves (2013, p.418) nos lembrando que:

A água é fluxo, movimento, circulação. Portanto por ela e com ela flui a vida, e assim, o ser vivo não se relaciona com a água: ele é a água. É como se a vida fosse um outro estado da matéria água, além do líquido, do sólido e do gasoso – estado vivo. Se sentir pertencente a este fluxo faria o homem perceber o mundo de outra forma.

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ANEXO

QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO

1. Há quanto tempo vivem ali?

2. Gostam de morar ai? Pensam em se mudar? 3. Como a água chega até eles?

4. De onde ela vem? É encanada?

5. E o esgoto? Utilizam fossa? Como ela é? 6. Tem rio perto das casas?

7. Há muito tempo consomem a água daquela nascente? 8. É boa? Limpa?

9. E no tempo de pouca chuva, a água diminui? 10. Quem descobriu a nascente? Como?

11. Se pudessem escolher, prefeririam ou não tempos de chuva? 12. Onde usam a água?

13. Como ela é utilizada na alimentação? 14. E para os animais? Pesca?

15. Regam as plantas?

16. Como a plantação fica sem a chuva? E os animais? 17. Utilizam água da chuva?

18. Há poço artesiano ali?

19. Usam água na igreja? Durante a reza?

20. Primeiro banho das crianças quem dá? Como é? 21. Como que é na Pedra Santa? Tem uma nascente lá? 22. Limpam a casa com água? E o terreiro?

23. Tomam banho morno ajuda a baixar a temperatura?

24. Em dias quentes, tem o costume de banharem-se no rio, bica, cachoeira, lago, piscina (entre outros)?

25. Gostam de mar? 26. Tem medo de temporal

27. Acham a água importante para que? 28. Como fica a paisagem quando não chove? 29. Entendem o ciclo da água? Como funciona?

105 30. Acham que a água tem diminuído em São Pedro de Cima? E no mundo?

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