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Podemos reconhecer e, talvez seja relevante destacar que, efetivamente existe uma demanda de trabalho analítico nas psicoses. Por este viés, se faz necessário que prossigamos nos interrogando, a partir dos casos clínicos e dos desdobramentos teóricos que estes nos propiciam, tendo em vista a centralidade da linguagem, pois conforme estudamos, a psicose apresenta uma estrutura significante.

Para Saussure (2004), a medida que observamos a linguagem, o caráter psíquico das imagens acústicas aparecem claramente. O autor indica que o signo porta uma impressão psíquica e, se articula na união de um conceito e uma imagem acústica.

Portanto, para que uma clínica psicanalítica opere, no sentido de que o trabalho de análise seja efetivo em seus pressupostos teóricos, é preciso reconhecer e articular o estatuto da palavra, pois é “[...] a língua, o mais completo e o mais difundido sistema de expressão, é também o mais característico de todos [...]” (SAUSSURE, 2004, p. 82), sendo por excelência, o material com o qual o psicanalista trabalha.

A teoria lacaniana se estruturou nos desdobramentos da linguagem, na articulação da cadeia de significantes, também na topologia e na nodulação do nó borromeano, o que nos permite pensar os processos subjetivos que compõe a constituição da estrutura do sujeito, uma vez que o enodamento do simbólico, real e, imaginário, denotam a forma de ser do sujeito.

Saussure (2004) versa que há uma relação entre significante e significado. Em Lacan vemos que o significante é vazio de uma significação automática, pois é no desdobramento da cadeia, que o sujeito vai produzir suas significações.

No que tange a psicose, entendemos que a articulação significante possui uma mobilidade singular, pois há “[...] dissociação, espedaçamento, mobilização do significante enquanto fala, palavra jaculatória, insignificante, ou demasiado significante, carregada de insignificância, decomposição do discurso interior [...]”

(LACAN, 1988, p. 370), sendo esta a configuração de características, de elementos clínicos e estruturais, com os quais o analista vai se deparar.

A não inscrição do significante Nome-do-Pai, ou seja, a foraclusão da metáfora paterna, provocará efeitos radicais que, colocarão o sujeito no plano da identificação com o falo, de forma que sua posição prototípica, será a de objeto do Outro. “E esta posição de objeto a que o psicótico ocupa está assentada sobre o saber que os próprios fenômenos lhe oferecem.” (QUINET, 2006, p. 125).

Pommier (1998) indica que, para diminuir, e ou, suspender o excesso de gozo dos fenômenos que se apresentam para o sujeito, pela identificação com o falo, que é efeito de uma significação que lhe é imposta pelo Outro, ele terá de fazer um trajeto que se assemelha a um atravessamento do espelho, que é despersonalizado, pois este não lhe assegura uma unidade imagética.

Segundo Nasio (2001), a imagem do corpo é constituída na relação com alguém. Se, por algum motivo, por vezes desconhecido, ela fica em perigo, podemos observar que a relação com o outro se altera. O comprometimento desta imagem, pode ser compreendido como um comprometimento da nodulação, de forma que as instâncias se desarticulam, provocando um rompimento.

A desnodulação na psicose, pode ser observada pelo fato da instância simbólica não operar garantindo esta unidade. A não inscrição metafórica prende o sujeito numa posição objetal, onde ele sofre uma identificação com o falo. Nasio (2001) entende que, a análise pode estabelecer como processo terapêutico, uma metáfora linguística que, liberte o corpo de sua invalidação.

No processo analítico, na relação do sujeito com o analista, as representações corporais podem tomar algum sentido. Esta possibilidade se sustenta no vínculo transferencial, pois conforme Pommier (1998), a transferência na psicose, opera na busca de que esta participe de uma nodulação dos Nomes-do-Pai e, de sua recondução, uma vez que a transferência propicia a criação de um tempo subjetivo na psicose.

Segundo Oliveira (2008, p. 43), a constituição do corpo, enquanto uma “[...] imagem libidinizada dependerá de um resto, cortado da imagem especular, um elemento heterogêneo, tanto em relação ao significante, como em relação à imagem, o que chamamos de objeto a.” Assim, a medida que este objeto cai, podemos supor que a unificação imaginária do corpo se estabelece, sendo que este lugar é estruturado pelo significante.

O que se coloca como questão na psicose, é que este objeto não cede, de forma que não há um ordenamento significante. Portanto, quando o sujeito é chamado a responder de um lugar de Eu, lhe faltam recursos para tal, assim, o significante que não se inscreveu simbolicamente, retornará no real, provocando uma injunção.

Esta imposição levaria o psicótico a uma crise, onde sofreria um espedaçamento corporal e, consequentemente a instalação das frequentes alucinações visuais e ou auditivas, caraterísticas da estrutura. O ganho analítico é viabilizado pela transferência, pois através dela, o sujeito poderá constituir alguma significação que enlace um enodamento que lhe dê certa segurança.

A particularidade da transferência se revela no ato da palavra e, “[...] o objeto não deixa de ter referência à palavra.” (LACAN, 1986, p. 129). É no dito do paciente, na escuta do analista, que um vínculo se estabelece, atualizando laços subjetivos, criando uma cena que poderá desdobrar um processo analítico. Sendo assim, o vínculo transferencial poderá viabilizar um ciframento, recortando o gozo imposto ao psicótico.

Segundo Czermak (1991, p. 250), “[...] para o homem seu corpo é fundamentalmente o aparelho da linguagem. A língua é, para nós, um corpo autônomo ao qual todo o resto está subordinado [...]”, desta forma, podemos reconhecer que o sujeito psicótico estabelece uma relação singular com a linguagem.

Lacan (1988) compreende que o psicótico fala através de uma língua desestruturada, do ponto de vista da língua comum, no entanto, ela é reestruturada a partir de um outro lugar. A narrativa do sujeito tem este caráter

do que Lacan chamou de loucura, pois não está organizada e sustentada, a partir do significante da metáfora.

Conforme elaboramos no decorrer de nosso texto, a medida que não se constitui um ordenamento pelo significante da metáfora, o sujeito fica em uma certa errância, de forma que para ele, não há valoração, diferença e relevância de um significante para o outro, ele deambula na cadeia com uma inconstância que pode lhe produzir um desamparo, uma vez que lhe falta a referência simbólica.

Entendemos que o estatuto da psicose, se organiza na foraclusão do Nome-do-Pai, sendo que esta refere-se ao mecanismo de defesa frente a eminência da castração. Assim, ao subtrair-se da castração, não somente o sujeito, mas também o Outro ficará nesta condição, o que lhe outorga uma liberdade persecutória sobre o psicótico.

A posição do Outro frente ao sujeito, é o pivô dos fenômenos que se apresentam, tendo sua lei inteiramente ligada a dimensão imaginária. “Eu a chamo transversal, porque ela é diagonalmente oposta à relação de sujeito a sujeito, eixo da fala em sua eficácia.” (LACAN, 1988, p. 87).

Segundo Lacan (1988), a questão que difere a alienação na psicose e nas neuroses, se estabelece a partir da condição da fala, pois o psicótico, sempre que fala, existe o Outro com A maiúscula, de maneira que a produção de um semblante fica comprometida para o sujeito.

Quanto ao processo e os desdobramentos de uma análise, Quinet (2006) compreende que a relevância clinica se articula na possibilidade de um manejo que efetue um ciframento do gozo que tem caráter invasivo para o sujeito, de forma que a veracidade que está em questão é a que diz respeito ao próprio sujeito.

Entendemos que a transferência é um conceito fundamental para a psicanálise, sendo que um diagnóstico estrutural é possível pelo desdobramento do vínculo transferencial. No que tange a clínica da psicose, é a manobra que o analista faz, em transferência, pelo ato analítico, que um ganho clínico pode ser reconhecido. Segundo Quinet (2006), o fazer analítico não se deve deixar

manobrar, ficando em uma posição de objeto de uma erotomania mortífera, de forma que o sujeito seja reforçado em uma posição objetal e indefesa frente ao Outro.

A transferência tem uma característica paradoxal para a psicanálise, pois coloca em marcha um risco no desdobramento do processo analítico. No entanto, é através do manejo transferencial que, podemos pensar a efetividade de uma análise. Assim, a “[...] perspectiva matemática da transferência na psicanálise das psicoses consiste na travessia do plano das identificações.” (POMMIER, 1998, p. 460).

Lacan (1986) indica que o paradoxo do laço imaginário que se apresenta pela transferência, diz respeito a sua aproximação com a noção de relação objetal, assim, é preciso que o analista esteja advertido quanto ao seu lugar, sustentando uma práxis que se estruture nos pressupostos que compõe uma formação em psicanálise, integrando o tripé referido por Freud (1996/1918).

É importante destacar que, cada caso clínico vai apresentar suas características, de forma que o analista em seu fazer, não executa uma aplicação de conceitos para compor um diagnóstico, ou propor intervenções. A fundamentação pelos conceitos, diz respeito a um caráter de cientificidade, mas não empirista, pois o ofício analítico se constitui por uma escuta singularizada, consolidada na ética do desejo.

Quanto aos aspectos que sustentaram nosso trabalho, podemos considerar que, certas “[...] fórmulas clínicas nos mostram – acentuadas – a vertente linguageira da equação, outras a vertente corporal, espacial e temporal [...]” (CZERMAK, 1991, p. 249), de maneira que, a palavra não diz respeito somente a nosso instrumento de trabalho, mas sobretudo, ao código fundante do sujeito pois, “[...] para o homem seu corpo é fundamentalmente o aparelho da linguagem. A língua é, para nós, um corpo autônomo ao qual todo o resto está subordinado.” (CZERMAK, 1991, p. 250).

Sendo assim, nossas articulações nos levam a destacar que a práxis analítica é sustentada sobre o eixo da ética do sujeito, de maneira que a escuta se viabiliza na suspensão de pré-julgamentos e de estereótipos terapêuticos.

Escutar o sujeito da linguagem, convoca o analista a um certo esvaziamento de suas expectativas e de sua cientificidade. Para escutar, há que se subtrair do lugar de maestria, pois nisto se articula o ato analítico.

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