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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ RAFAEL SCHERER

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO

RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

RAFAEL SCHERER

TECITURAS SIGNIFICANTES DA PSICOSE:

considerações sobre o estatuto da fala e imagem corporal na

clínica psicanalítica

Ijuí - RS 2019

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RAFAEL SCHERER

TECITURAS SIGNIFICANTES DA PSICOSE:

considerações sobre o estatuto da fala e imagem corporal na

clínica psicanalítica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientador: Doutor Gustavo Héctor Brun

Ijuí - RS

2019

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RAFAEL SCHERER

TECITURAS SIGNIFICANTES DA PSICOSE:

considerações sobre o estatuto da fala e imagem corporal na

clínica psicanalítica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande d Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Aprovado em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Doutor Gustavo Héctor Brun (Orientador)

Docente do Curso de Psicologia - UNIJUÍ

________________________________________ Mestre Carolina Baldissera Gross

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho àqueles que não banalizam a história do outro, e assim, põe em marcha o ato analítico, sustentando o ofício da escuta, atravessados por interrogações mobilizadoras. Registro minha estima, aos que manejam o estatuto da palavra e, sustentam uma práxis na ética do sujeito, suspendendo os pré-julgamentos e as “amarras narcísicas”, para que haja um espaço onde a loucura não seja refutada pela “normalidade” caricata.

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“Trata-se de saber escutar aquilo que os psicóticos manifestam de sua relação com o significante. Trata-se de secretariar, constituindo-se o analista como testemunha da relação do sujeito com o Outro.”

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RESUMO

Buscou-se com este trabalho, fomentar um estudo e articulação dos conceitos psicanalíticos que nos permitam analisar a constituição da imagem corporal e, os desdobramentos significantes na fala psicótica, bem como, os pressupostos de uma clínica das psicoses, tendo em vista o estatuto da linguagem. A constituição da imagem do corpo está diretamente relacionada ao estádio do espelho, sendo que a emergência do Eu, é decorrente da passagem pelos três tempos do espelho. O Eu enquanto instância, tem sua prevalência no imaginário, mas é recortado do Outro pelo processo metafórico do significante. Na psicose, não há inscrição do Nome-do-Pai, este fica foracluído, assim, o sujeito é capturado na identificação com o falo materno. A cadeia de significantes não será estruturada pelo ordenamento simbólico, de maneira que o sujeito, ficará em uma certa errância. O significante que não se inscreve pela instância simbólica, retornará pelo real, provocando uma injunção, frente a qual, o psicótico ficará entregue à um gozo excessivo, invasivo e, persecutório, provocando-lhe alucinações, de maneira que o sujeito, terá que constituir uma metáfora delirante, na busca de reconstruir seu mundo. Na clínica das psicoses, o efeito clínico, pode ser reconhecido pelo suporte que o analista dispõe, em transferência, para que haja um ciframento do gozo excessivo, e assim, o sujeito encontre uma significação que lhe possibilite alguma estabilização.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 O EU E O OUTRO: ASPECTOS FUNDAMENTAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE UMA IMAGEM CORPORAL NA PSICOSE ... 11

2 A FALA PSICÓTICA: DO SIGNIFICANTE AO SIGNIFICADO ... 20

3 ASPECTOS FUNDAMENTAIS EM UMA CLÍNICA DAS PSICOSES ... 28

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 38

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INTRODUÇÃO

A psicanálise fora sistematizada a partir do reconhecimento do inconsciente. Ao escutar suas pacientes, Freud se depara com conteúdos que não estavam sob controle daquelas que falavam, nem mesmo lhes era reconhecido. Ele percebera, que pela associação livre, é que a análise de fato estava se desdobrando e produzindo efeitos. Foi neste cenário que surge a expressão talking cure (cura pela palavra).

A teoria psicanalítica surge com o tratamento das neuroses, mas durante sua extensa obra, Freud reconheceu e teorizou a psicose. Ainda que não tenha nomeado como estrutura de defesa, conforme Lacan denomina posteriormente, Freud nos dá subsídios para compreender o lugar central da linguagem na constituição psíquica, bem como, a existência de especificidades na neurose e na psicose.

Em 1924 Freud postula sobre aspectos que diferenciam a neurose e a psicose a partir dos conceitos de Id e Ego. Sendo a neurose resultado de um conflito entre o Ego e o Id, e na psicose havendo um conflito entre o Ego e o mundo externo, Freud (1996/1924). Quanto ao Id e o Ego, é importante situar que, na teoria freudiana se referem a instâncias psíquicas.

Marini e Silveira (2008) entendem que é pela linguagem que se pode reconhecer a psicose. Quanto a gênese e os sintomas clínicos da estrutura, propomos trabalhar no decorrer de nossos estudos. Por hora, devemos reconhecer que há especificidades nesta clínica.

Segundo Calligaris (1989) a clínica psicanalítica é estrutural, e como tal, o diagnóstico é construído em transferência. Ele afirma ainda que pelo laço transferencial, é que a estrutura se desdobra. Entendamos que, o diagnóstico que aqui referimos não é nosológico, antes e sobretudo, um trabalho desenvolvido na busca de articular e compreender, a relação que o sujeito estabelece com a linguagem, uma vez que, conforme destaca Soler (2007), o sujeito é produzido pela linguagem.

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Tendo reconhecido isto, consideramos que a transferência é um conceito fundamental para a psicanálise, no desdobramento da análise. Retomaremos o tema no decorrer de nossas formulações. Por conseguinte, seguiremos observando a questão da linguagem.

Ao referir a obra lacaniana, Soler (2007) aponta que a constituição, a unidade da neurose e psicose, é obra da linguagem, ou seja, da relação com o significante. O significante organizador é denominado por Lacan de Nome-do-Pai e, sua operação é metafórica. A respeito desta inscrição, trabalharemos de forma mais pontual, no transcorrer do texto.

A linguagem não é um instrumento do sujeito, nem ordenada pelo aparelho cognitivo, mas um operador, no sentido de que produz o sujeito. Assim, o campo da percepção é ordenado em função da relação do sujeito com a linguagem, Soler (2007). Entendemos a partir de Lacan que o inconsciente é efeito da linguagem. Conforme destaca Soler (2007), a linguagem gera o órgão-libido e é situada como instrumento de gozo.

Checchinato et al. (1985) coloca que as formações inconscientes são produzidas como efeito do significante, da palavra. Uma vez que o sujeito é efeito da linguagem, as parapraxias, ou seja, as formações inconscientes, são de igual modo, produzidas pela palavra, pelo significante. O que percebemos, o que vemos, o vemos como humanos, como sujeitos do significante. Esta é a tese de Lacan, aponta Soler (2007).

A teoria lacaniana está estruturada levando em conta o estatuto da linguagem, de modo que a clínica psicanalítica é o desdobramento da escuta do sujeito, sendo que o sujeito é um significante que está inserido em uma cadeia. Para Lacan, conforme entende Soler (2007), o sujeito não é organizador da cadeia significante, mas “paciente”, ou seja, é efeito da linguagem, do significante que o antecede e o organiza no sistema linguístico.

O sujeito, versa Soler (2007), sofre alguns fenômenos que decorrem justamente pelo fato de a cadeia e a fala estarem estruturadas de antemão. A esse respeito, Lacan (1998, p. 498) destaca que “[...] o sujeito, se pode parecer

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servo da linguagem, o é ainda mais de um discurso em cujo movimento universal seu lugar já está inscrito em seu nascimento [...]”.

Soler (2007) compreende que Lacan, ao teorizar sobre o estádio do espelho em 1966, discorre que este não é um fenômeno da visão. Para ele, a visão desempenha um papel, porém, o estádio do espelho, em Lacan, não tem ligação com o enxergar, mas com o olhar. Pela linguagem, se estrutura a constituição da Gestalt, da imagem corporal, de forma que produz efeitos no organismo. É justamente porque a imagem do espelho está implicada na linguagem, que adquire relevância ao sujeito, Soler (2007).

Marini e Silveira (2008) afirmam que a linguagem é a condição do inconsciente. Czermak (1991) coloca que o inconsciente é discurso, e anuncia uma verdade, fala apesar do sujeito. Nós psicanalistas, diz ele, nos orientamos pela palavra. Trabalhamos na clínica psicanalítica com função e campo da palavra e da linguagem, destaca referindo Lacan.

Nosso percurso até aqui, teve por objetivo enfatizar que a psicanálise não toma a psicose enquanto patologia, bem como, reconhecemos que não há psicogênese para a psicanálise, e este é o grande segredo, aponta Lacan (1988) em O seminário 3 As psicoses. Assim, reconhecemos os pressupostos a partir dos quais tomaremos a psicose.

Uma vez que seremos minuciosos em percorrer um caminho que não levante estereótipos, caricaturas terapêuticas, nem classificações patológicas, destacamos que a clínica psicanalítica estrutura-se e desdobra-se sobre a investigação da relação que o sujeito do inconsciente estabelece com a linguagem. Segundo Czermak (1991) a grande questão da psicanálise é: o que quer dizer falar? Ele destaca ainda que falar, implica que o locutor encontre um interlocutor. Assim, anunciamos o lugar do analista.

Ao nos lançarmos sobre as temáticas, precisaremos reconhecer a topologia lacaniana que se estrutura a partir dos 3 registros, a saber: real, simbólico e imaginário, sendo que cada registro tem suas particularidades, conforme aponta Lacan (1988).

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Os elementos que serão trabalhados dizem respeito à estrutura do sujeito. Soler (2007) entende que as referências estruturais são passíveis de orientar a prática analítica, no entanto é preciso destacar que as técnicas que possibilitam esta praxe, farão sentido à medida que se reconhecem os conceitos que as fundamentam. Sobre estes conceitos, Lacan (1998) destaca que são orientados no campo da linguagem, na função da fala.

Lacan (1998) coloca que, independente do objetivo que se tenha com a psicanálise, em suas possibilidades de trabalho, o que se dispõe é a fala do paciente. Desta forma, nosso estudo sobre a psicose, ou loucura, não fundamenta-se nas afasias, distúrbios anatômicos do aparelho cerebral. Não refere-se ao campo da neurologia, mas como temos trabalhado enfaticamente, aos desdobramentos da estruturação inconsciente da linguagem.

O discurso do paciente “revela” sua relação com a linguagem. Lacan (1998) aponta que este discurso parece vazio, à medida que é tomado em sua aparência, ou seja, que não se escute o sentido semântico, sintático, metafórico, do que é dito. Freud (1996/1917) chamou este conteúdo de parapraxias, ou seja, as manifestações inconscientes na linguagem. Lacan (1998) indica que a compreensão da relação do sujeito com a linguagem, é possível a medida que, a priori, se faça uma análise linguística do fenômeno da mesma, ou seja, é preciso escutar, analisar o conteúdo discursivo, para que assim, se desdobre o sentido léxico do inconsciente.

Lacan (1998) entende que é a estrutura da linguagem que se descobre no inconsciente. Esta estrutura linguística como já fora dito, é pré-existente à entrada do sujeito em dado momento de seu desenvolvimento. Para Dor (1989), o sujeito é proveniente da linguagem e, somente é inserido, inscrito nela, como efeito, assim, o sujeito é o e efeito da representação de um significante a outro.

Nos resta neste momento levantar questões que nos permitem desenvolver nosso estudo na direção de entender a relação que o sujeito psicótico estabelece com a linguagem, pois conforme Soler (2007), o psicótico não está fora da linguagem. A cena analítica nos possibilita reconhecer que existem singularidades nesta estrutura. Como bem destacado, desde os postulados freudianos, tais aspectos estão postos.

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No que tange as especificidades desta clínica, nosso percurso terá como eixos de pesquisa, as questões conceituais que nos possibilitem pensar o corpo e a fala na psicose, bem como, os desdobramentos analíticos. No entanto, é necessário reconhecer que a medida em que avançamos, podemos nos deparar com temáticas e conceitos outros, que atravessem estes primeiros, sendo que a clínica psicanalítica não pode ser articulada de forma fragmentada, segmentada. O faremos de certa forma, apenas para fins de pesquisa.

Reconhecemos ainda que, o campo da psicose está teorizado em modalidades, sendo elas: paranoia, esquizofrenia e, maníaco-depressiva, de modo que cada uma é, composta por características singulares. No entanto, nosso trabalho não se inclinará à discriminar e examinar cada uma delas separadamente. Nossa abordagem está pautada na busca de articular os conceitos fundamentais que nos permitam pensar a psicose, como uma das estruturas psíquicas teorizadas por Lacan.

1 O EU E O OUTRO: ASPECTOS FUNDAMENTAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE UMA IMAGEM CORPORAL NA PSICOSE

A entrada do infans na linguagem parte da relação estabelecida entre este e o Outro materno, encarnado naquele que faz os primeiros cuidados. Este movimento, entendemos em Lacan, como alienação. Jardim (2000) destaca que a mãe, transmite à criança linguagem e, lhe imprime marcas ao tocá-la, amamenta-la, ao nomeá-la, ao dirigir-lhe palavras.

Ao versar sobre a alienação, Lacan (1998) aponta que o sujeito aparece primeiro no Outro, portanto, é neste lugar que nasce o significante unário. Nesta dialética, à medida que o sujeito surge em um lugar, desaparece em outro, pois coexiste no Outro. A esta hiância, Lacan nomeia como afânise.

Dor (1989) destaca que o sujeito é o efeito da representação de um significante a outro e, não pode ser tomado fora deste contexto. A alienação é, portanto, consequência da linguagem sobre o sujeito, sendo consecutiva ao modo que esta relação se articula com a ordem simbólica.

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Lacan (1998) coloca que o sujeito está em relação de dependência do significante, este por sua vez, faz parte de uma cadeia que está no Outro, portanto, o sujeito surge inscrito no Outro e, a partir dele que se assenta sua subjetivação, colocando em movimento a pulsão. Uma vez que o sujeito nasce no campo do Outro, tem por característica estar sob o significante. Esta subordinação, por assim dizer, demarca a posição sobre a qual o sujeito vai constituir suas cadeias significantes, sua história.

Para Lacan, a alienação não refere unicamente a relação de dependência a que a criança está submetida em seus primeiros anos, ele indica ainda que esta, diz respeito a posição que o sujeito ocupa, na linguagem, em relação a cadeia significante. Dor (1989) ao ler Lacan, compreende que a alienação opera sobre o sujeito como consequência de sua entrada na linguagem.

Segundo Lacan (1986), o inconsciente é discurso do outro. Esta proposição nos convoca a retomar a dialética significante que produz o sujeito, a dialética discursiva. Assim, “[...] é possível, com efeito, demonstrar que, segundo os tipos de articulação de discursos, o sujeito verdadeiro aparece mais ou menos amordaçado neste sujeito do enunciado que o representa.” Dor (1989, p. 128.

Conforme Dor (1989), ainda que o sujeito esteja em posição de S, não é aí que ele toma, assimila, sua própria imagem. A alienação opera como efeito de uma convocação que se apresenta ao sujeito do enunciado. Esta convocação é para que ele compareça ao lugar do Eu. Lacan (1986) aponta que o Eu se constitui sobre o fundamento da relação imaginária.

Lacan (1986) versa que no desenvolvimento do psiquismo, algo surge para dar forma ao narcisismo. A questão que ele levanta é se justamente este trabalho de dar forma não seria a marca da origem imaginária da função do Eu, uma vez que ao trabalhar os três registros, o real, simbólico e, imaginário, ele coloca o Eu como uma instância imaginária.

Sobre o narcisismo, podemos marcar como o investimento que o sujeito faz sobre si, uma vez que de fato este movimento é um dos destinos da pulsão. Em “Três Ensaios sobre a Sexualidade”, Freud (1996/1905) teoriza sobre as

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pulsões, indicando que a criança possui sexualidade, proposição esta, que fora severamente refutada, embora a teoria freudiana não referia à sexualidade genital neste momento, mas que a relação estabelecida entre a mãe e o bebê, como já referida, ativa um circuito pulsional. Esta relação está marcada por prazer, por satisfação.

O desencadeamento e o fluxo das pulsões, se assim podemos colocar, são fundamentais para que possamos pensar a constituição do narcisismo e, subsequentemente, a constituição do Eu. É pela energia pulsional que o autoerotismo se colocará para a criança, possibilitando assim, que esta possa investir narcisicamente. Uma vez que situamos o lugar da sexualidade para o tema que nos propomos trabalhar, precisamos destacar, conforme Lacan (1998), que esta se instaura no campo do sujeito pela via da falta.

Vidal e Pinheiro (2013) ao referenciarem Freud indicam que, assim como o sujeito se constitui a partir de sua entrada na linguagem, sua imagem corporal não está dada a priori. Checchinato et al. (1985, p. 74) aponta que, “[...] o sujeito de que trata a psicanálise não nasce estruturado, já constituído, e sim, vai tomando consistência a partir desta constelação significante do grande Outro, que preexiste ao seu advir.”.

Checchinato et al. (1985) versa que a relação estabelecida entre o bebê e o Outro materno, os cuidados corporais que a mãe endereça a ele, lhe possibilitam adquirir a Gestalt, a imagem de um corpo. Esta se constrói através do reconhecimento no espelho. Isto implica que o sujeito deve apreender sua própria imagem no outro, uma vez que, devido a condição de prematuridade e derrelicção, segundo o autor, a criança tem seu desejo sujeitado, condenado, à mediação da palavra, e esta, tem seu estatuto no Outro.

Dor (1989) entende que o estádio do espelho ocorre em três tempos, onde no primeiro, a criança frente ao espelho percebe sua imagem como um outro real, neste tempo a criança está numa posição de assujeitamento. No segundo momento, ela constata que não se trata de um outro real, senão, de uma imagem. É no terceiro tempo que ela se reconhece, constituindo uma imagem integrada. Assim, compreendemos que a “[...] imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identificação do sujeito [...].” (DOR, 1989, p. 80).

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O estádio do espelho organiza-se a partir de uma experiência de identificação que é fundamental. Dor (1989) aponta que esta identificação com sua imagem é, originária para que o sujeito em constituição possa estruturar o Eu, pois antes do estádio do espelho a criança não experimenta seu corpo como uma totalidade, mas fracionado. Lacan (1998) destaca que os tempos do estádio do espelho se concluem inaugurando, a partir da identificação com a imago do semelhante, a dialética na qual o Eu responderá à questões socialmente elaboradas.

O bebê é inscrito no universo simbólico, à medida que se identifica como objeto de desejo do outro materno. A partir desta identificação se preenche um hiato aberto na fase do espelho, sendo o primeiro tempo da causação. Esta condição aliena a criança no desejo do outro, desloca o infans de um lugar de organismo biológico para um lugar de ser erógeno, Checchinato et al. (1985).

Abordar teoricamente a psicose, nos leva a analisar a constituição egoica e seu funcionamento. Uma vez que esta instância psíquica está atrelada à consciência, falamos então de alterações no contato que o sujeito estabelece com a realidade, com o mundo externo. Checchinato et al. (1985) aponta que havendo alterações na apreensão da realidade, é necessário que se busque na gênese do ego, na origem de tais alterações.

Lacan (1986) entende que para Freud, há na psicose uma forma específica de retração da realidade. Segundo Dor (1989), o Eu toma seu valor de representação imaginária, pelo outro e em relação ao outro. Neste processo, o estádio do espelho é precursor, pois a criança identifica-se com sua imagem especular a medida que está sustentada por um certo reconhecimento do Outro. Lacan (1998) versa que a experiência jubilatória que a criança vivencia frente ao espelho, configura-se como um fundamento simbólico, ou seja, uma inscrição que possibilitará que o Eu se constitua. Esta inscrição é a matriz para a constituição de uma imago corporal. Ainda que neste primeiro momento não se coloque como identificação e não haja determinação social, sendo uma imagem especular, mas é o ponto fundamental para situar a instância egoica, bem como, dá origem as identificações secundárias.

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Conforme Lacan (1998) o estádio do espelho opera como mediador, estabelecendo uma relação entre o organismo e sua realidade. No entanto, aponta ele, as condições de prematuridade do homem, alteram esta relação. O estádio do espelho, é um drama em que o impulso se precipita da insuficiência à antecipação, ou seja, nisto em que o orgânico falta, não estando maturado, na fase do espelho é antecipado. Desta forma, reforçamos a compreensão de que o sujeito do inconsciente, é constituído por efeito da linguagem e não como resultado da maturação neurobiológica.

Uma vez que tenhamos situado que a imagem da qual falamos não se trata puramente de uma produção orgânica ou neurológica, é preciso que desdobremos as questões e os conceitos fundamentais, que nos possibilitem pensar sobre qual imagem e qual corpo se refere a psicanálise, e quais especificidades estão colocadas na estrutura psicótica.

Nasio (2001, p.136) entende que “[...] não se trata de uma imagem que possamos ver. [...] a imagem do corpo não é o corpo e, embora os dois estejam ligados, ela também não é o esquema corporal.”. Assim, o corpo ao que a psicanálise “fala”, é um corpo de linguagem, um corpo que é constituído pela linguagem, na relação que o sujeito estabelece com o outro.

A imagem corporal, destaca Nasio (2001), é efeito da relação com alguém. Portanto, não basta que a criança veja sua imagem refletida no espelho, é preciso que este alguém (Outro), nomeie a ela o que vê. O autor coloca ainda que, é preciso que o outro represente uma mediação entre o espaço que a criança ocupava e o novo espaço que surge.

Ao se deparar com a sua imagem no espelho, a criança é “provocada”. Nasio (2001) versa que a experiência do espelho configura-se como uma armadilha, sobre a qual é preciso que um outro, pela linguagem, comunique a criança que o que ela vê no espelho, trata-se de uma imagem, sua própria imagem.

Vidal e Silveira (2015) ressaltam que a imago corporal é resultante de amarrações significantes na circulação de representações. É, justamente porque há esse encadeamento, uma articulação significante, ou seja, um encadeamento

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linguístico, que alguém pode nomear seu próprio corpo. Os autores referenciam Lacan destacando que, segundo este, é nesse movimento de significantes e representações que está o sujeito.

Segundo Checchinato et al. (1985), a medida que o sujeito se reconhece no espelho, este é alienado à sua própria imagem. Este reconhecimento no processo de alienação especular, lança os fundamentos imaginários que serão recobertos pela relação simbólica.

Lacan (1986) aponta que o estádio do espelho não denota simplesmente um momento do desenvolvimento, mas também uma exemplificação, pois revela algumas relações do sujeito à sua imagem. É a apreensão da imagem produzida na passagem pelo estádio do espelho que, coloca o sujeito em uma posição de fala, na qual ele se apresenta em nome próprio, ainda que, ao se deparar com a imagem refletida, ele a vê onde não está.

Lacan (1988) destaca que o sujeito desejante se constitui em torno de um centro que é o outro, uma vez que este lhe dá unidade. Podemos aqui marcar que na psicose, observamos um comprometimento desta certa unidade. Como podemos supor tal proposição? Trabalharemos ainda esta questão. Seguimos referindo que, o autor versa que o primeiro acesso que o sujeito faz ao objeto, é como objeto de desejo do outro, pois está mais próximo da forma do outro do que de sua própria propensão.

Conforme Nasio (2001), antes da criança se reconhecer em sua imagem no espelho, ela se vê no outro, nos outros. Embora esta condição seja alienante, é fundamental para que possa vir a constituir sua própria representação a posteriori. Ele indica ainda que, a experiência do espelho produz uma perda dolorosa, mas que promove o sujeito a um outro lugar.

Seguindo nosso trabalho, nos cabe observar que, em determinado momento da constituição psíquica, se inscreve ao sujeito o significante S1 – Nome-do-Pai, que metaforiza o desejo do outro que o alienou. Checchinato et al. (1985, p. 82) coloca que o “[...] significante nome-do-pai retira a criança do lugar de objeto a e o registra como fálico.”.

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Ao ler Lacan, Dor (1989, p. 77) compreende que é “[...] o significante Nome-do-Pai, que irá balizar e estruturar toda a trajetória edipiana [...]”, assim, devemos destacar que o pai não refere um objeto real, mas um significante que se inscreve e, sua operação é metafórica, isto é, a entrada de um significante que vem em lugar de outro, produzindo deslocamento e ressignificação.

A operação da metáfora paterna remete a travessia edípica, que no estádio do espelho, marca um recorte da imagem do outro para advir uma imagem própria, sobre a qual, imaginariamente, o sujeito constitui o Eu. Assim, se instaura o recalque, que conforme Checchinato et al. (1985), a apreensão da imago do corpo próprio, sexualmente definida, é a condição para o recalque imaginário. Para Lacan (1988), o recalque é estruturado como um fenômeno da linguagem.

Na estruturação psicótica, vemos falhar a inscrição da metáfora paterna. O sujeito psicótico passa pelo complexo de Édipo, mas o significante Nome-do-Pai não vai concretizar o corte metafórico do desejo do Outro materno, de maneira que a relação de constituição de sua imagem, também fica comprometida.

O significante S1 refere a instância simbólica que segundo Checchinato et al. (1985), opera deslocando o sujeito, interditando o gozo no corpo, para uma posição de gozo fálico, ou seja, um gozo de linguagem. Oliveira (2008) aponta que o acesso do sujeito ao corpo é, ocasionado pela manobra efetuada pelo significante sobre o gozo. Porém, conforme Soler (2007), na psicose o sujeito não é inscrito na função fálica.

Checchinato et al. (1985) versa que a função simbólica é necessária, pois produz uma complementação à constituição do Eu. Falhando este registro, não ocorre a separação entre o Eu e outro, o sujeito psicótico fica no ponto em que o Ego se reflete no objeto fálico materno. A estrutura psicótica tem “[...] por característica fundamental o não distanciamento entre o ego [...] e o objeto no qual ele se espelha (a’).” (CHECCHINATO et al., 1989, p. 60).

Soler (2007) entende que o sujeito psicótico não tem demarcadas as fronteiras entre seu corpo e o do semelhante. Ela aponta que, “[...] a criança não

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consegue separar-se do Outro porque o Outro não é um objeto compensador de sua falta, e sim uma parte dela. Ao separar-se dele seu corpo cai [...].” (SOLER, 2007, p. 78).

Conforme Checchinato et al. (1985), quando o sujeito psicótico se dirige a outrem, será como outro (a) que ele o fará, e assim, reencontra no outro sua própria imagem. Soler (2007) coloca que, para a psicose falta o eixo da separação, sendo o segundo tempo da causação, conforme Lacan postula.

Segundo Checchinato et al. (1985), na psicose o sujeito tem sua relação com a ordem simbólica desorganizada, logo, o registro imaginário é alterado, desencadeando uma importante modificação na estrutura narcísea. Uma vez que o registro simbólico é perturbado, o sujeito não tem seu corpo unificado, podendo ser visto despedaçado.

O sujeito psicótico forclui o significante Nome-do-Pai, fazendo uma ruptura com o mundo externo, portanto, não se constitui para ele o lugar de semelhante. O sujeito recebe sua própria mensagem, de forma direta através do outro. Freud (1996/1911) ao trabalhar o caso Schreber, destaca que a paranoia ocasiona o retorno a um autoerotismo primitivo, ou seja, há uma fixação da libido no narcisismo.

A ordem simbólica sutura a imagem tendo como efeito que o sujeito possa se reconhecer e, ter demarcados os espaços de dentro e fora, uma vez que seu corpo possui, a nível imaginário, uma unidade. Porém, na psicose o corpo do sujeito não é costurado pelo simbólico, de forma que ele pode ser atravessado pelos raios do sol, como descreve Schreber.

O sujeito fica vulnerável à catástrofes internas, ou seja, o psicótico vivencia, frente a uma injunção, uma desmontagem egoica, pois não possui a matriz simbólica que distinguiria o Eu e outro. O caráter simbólico da imagem perde sua efetividade, “[...] ego e imagem se colam e se confundem numa hipertrofia do registro imaginário.” (CHECCHINATO, 1985, p. 59).

Freud (1996/1911) indica que a injunção efetiva uma destruição do mundo interno, alterando a “ordem das coisas”, conforme declara Schreber. Soler (2007)

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coloca que Schreber está incluso no Outro, tanto no nível do significante, quanto no nível do gozo.

Segundo Soler (2007, p. 68) “Schreber não está apenas situado em S², o lugar daquele que sabe, em especial daquele que sabe completar as mensagens de Deus, mas está também no lugar do a sob a barra.”. O corpo psicótico é falado pelo Outro, é atravessado e ordenado pelo Outro.

O sujeito psicótico não tem seu corpo amarrado pela instância simbólica, de forma que quando ele é chamado a responder como Eu, lhe faltam referências para comparecer desse lugar. Assim, este chamamento pode se inscrever como uma injunção, frente a qual o sujeito sem recursos que lhe garantam e lhe sustentem, faz uma regressão libidinal e, se vê destruído, esfacelado. Dor (1989) compreende que os processos de destruição psicótica são realizados na dialética do espelho.

A unidade da imagem do corpo é imaginária, como vimos, e recoberta, sustentada, pela instância simbólica. Uma vez que o sujeito não tem inscrito o significante Nome-do-Pai, faltam-lhe os sustentáculos simbólicos para lidar com que vem do Outro, pois ele não receberá sua mensagem invertida, mas de forma direta, o que faz com que não diferencie o Eu e o outro.

Checchinato et al. (1985) aponta que na regressão à fase do espelho, o sujeito tem sua imagem fragmentada, de forma que a relação dele com seu corpo é modificada. O que nos permite reconhecer os fenômenos somáticos da psicose, uma vez que se altera também, a relação com o tempo e o espaço.

Quando o sujeito recebe o apelo do campo do Outro, na ausência do significante, o real emerge de forma plena. “O mundo aparece como estranho e o sujeito fica colocado numa relação contígua à própria cadeia significante.” (CHECCHINATO, 1985, p. 98). Assim, não se efetua a queda do objeto a, a metáfora não se constitui, o que resulta na impossibilidade da operação do recalque. Portanto, o psicótico fica impedido de utilizar a linguagem em sua dimensão simbólica.

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2 A FALA PSICÓTICA: DO SIGNIFICANTE AO SIGNIFICADO

No início de nosso estudo referimos a centralidade da linguagem para a psicanálise, entendendo a importância desta, para nos situarmos à respeito do paradigma que sustenta o discurso psicanalítico e sua praxe. Desta forma, podemos nos assegurar quanto a dialética a partir da qual, abordamos a clínica da psicose, compreendendo a linguagem como estatuto constitutivo do sujeito. Dito isto, podemos então seguir, estabelecendo que neste capítulo trabalharemos as questões concernentes a fala propriamente dita.

Abordar a palavra na psicose, nos remete a observar a estruturação psíquica e seus desdobramentos, pois os fundamentos da estrutura nos permitem compreender os fenômenos clínicos e, é o registro da fala que produz a fenomenologia da psicose, conforme aponta Lacan (1988). É relevante ponderarmos que este estudo, não refere-se a uma abordagem etimológica, mas uma análise que tem como pressuposto a posição do sujeito na cadeia de significantes, e portanto, sobre os processos metafóricos e metonímicos da subjetividade.

Segundo Checchinato et al. (1985), a medida que se constitui o delírio, o psicótico institui uma língua própria, tendo um código próprio. Nos cabe questionar, o que leva à constituição desta língua, seus efeitos e, os processos psíquicos implicados? Para tanto, é necessário que situemos o sistema delirante e, ô faremos à medida que avançarmos. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que a psicose pode existir sem delírio. Por vezes, é possível reconhecer alguns efeitos fonéticos singulares, e produções de neologismos, mesmo para o sujeito que está fora do delírio.

Se faz necessário pontuar estes momentos, pois, cada um deles apresenta especificidades. Nos ocuparemos por hora, em pensar alguns aspectos que nos permitam teorizar sobre o que caracteriza as singularidades da narrativa psicótica, independente do quadro clínico.

Lacan (1988) coloca que o psicótico fala a mesma linguagem que nós (supostamente neuróticos), se assim não fosse, não haveria possibilidade de

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saber absolutamente nada sobre o que diz. Assim, é indispensável que se considere “[...] a economia do discurso, a relação da significação com a significação, a relação de seu discurso com o ordenamento comum do discurso, que nos permite distinguir que se trata do delírio.” (LACAN, 1988, p. 45).

Como assinalado, o psicótico não está fora da linguagem, ele está fora do discurso que organiza as demais relações sociais. Uma vez que tenhamos reconhecido isto, permanecemos com as questões acima colocadas. Neste sentido, a fala psicótica tem um caráter singular, somente por efeito de seu encadeamento significante que não está articulado pelo S1, ou podemos de fato propor que, à medida que não se estrutura a partir do significante unário, como efeito dialético, se produz uma língua antagônica? Seguiremos investigando.

Esta interrogante nos convoca a uma análise diacrônica, a partir das nuances que surgem na narrativa, e assim, poder pensar sobre o que tange a cadeia significante nesta estrutura. Para Marini e Silveira (2008), há na psicose um deslizamento de significantes, significações e, produções de neologismos, que alteram o funcionamento da língua.

Quinet (2006) aponta que o Édipo é o divisor de águas para a estruturação psicótica. Ressalta ainda que, é preciso pensar a relação do sujeito com o significante. Segundo ele, a estrutura se revela, se coloca, no dizer do sujeito. Este dizer, corresponde a um modo singular de articular os registros do simbólico, real e, imaginário.

Os três registros estão amarrados em forma de nó, a saber, o nó borromeano. Sobre este, Melman (2008) entende que não está na fala, mas é efeito dela. O fenômeno da fala porta os três registros ou, três planos, de forma que a integração de tais, apresenta “[...] o do simbólico, representado pelo significante, o do imaginário, representado pela significação, e o do real, que é o discurso de fato efetuado realmente em sua dimensão diacrônica.” (LACAN, 1988, p. 80).

Na psicose o registro do simbólico fica comprometido, produzindo uma nova articulação dos laços. Sobre este enodamento, observamos que o “[...]

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imaginário, o simbólico e o real são uma única e mesma consistência, e é nisso que consiste a psicose paranoica.” (LACAN, 2007, p. 52).

Sobre a estrutura, Calligaris (1989) versa que é de defesa e, que no caso da psicose, o sujeito não é barrado pela castração, o que produz efeitos, desencadeando um processo que diz respeito à algum estatuto simbólico. Ele aponta ainda que, esta defesa é contra uma demanda imaginária.

Checchinato et al. (1985) entende que o sujeito tem sua relação com a voz, com o olhar, com a imagem do corpo, alteradas. Ele propõe ainda que, o real da voz surge dissociado da fala. O apelo do Outro comparece como alucinação, e assim, nada podendo fazer. Para Soler (2007), a voz e o olhar são as formas do Outro chamar.

Segundo Checchinato et al. (1985), o psicótico não fala como todas as pessoas, pois a medida que, do campo do Outro lhe surge um chamamento, este é para que o sujeito compareça como Eu, no entanto, não há palavras que lhe assegurem e, possa responder desse lugar. O sujeito fica sem referência significante, e assim, impossibilitado de representar-se. A relação do com o Outro está em condição de anomalia, uma vez que, “[...] a própria diacronia das fases libidinais fica completamente perturbada.” (SOLER, 2007, p. 73).

Soler (2007) aponta que a psicose é caracterizada por perturbações significantes. Entendemos que a inscrição metafórica operada pelo significante S1, a saber, o Nome-do-Pai, instaura uma organização simbólica. Checchinato et al. (1985) esboça que a metáfora paterna é uma função significante que assenta o sujeito em uma certa autonomia simbólica, uma vez que ele estava alienado frente ao Outro materno.

Conforme Checchinato et al. (1985), o significante Nome-do-Pai, uma vez inscrito para o sujeito, vai fazer metáfora do desejo da mãe, assim, retira o sujeito da condição de objeto a. Sobre objeto a, nos cabe neste momento destacar que, a teoria lacaniana refere como representante da falta.

Retomando a questão do significante S1, Checchinato et al. (1985) indica que este, designa o ponto nodal em que os três registros: real, simbólico e, imaginário, se enlaçam, impossibilitando que o sujeito deambule na cadeia

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significante. Uma vez que o Nome-do-Pai não concretiza a metáfora, o sujeito fica sem referência significante, sem corte de gozo no corpo do Outro, pois como aponta Soler (2007), o paranoico identifica seu gozo no lugar do Outro. Portanto, a estrutura psicótica assinala uma outra dialética significante.

Calligaris (1989) versa que o sujeito psicótico fica em certa errância psíquica, pois não está encadeado pelo S1. Para o neurótico o Pai é a referência, de forma que ele referencia em seu discurso, este que sabe. Para o psicótico, no entanto, não há quem saiba, ele precisa se colocar neste lugar.

Esta errância que Calligaris aponta, nos permite compreender o fato de o sujeito poder transitar com fluência, em lugares, mas também discursivamente. Por isso, escutar a narrativa de um psicótico, possivelmente nos provoque certo estranhamento. O psicótico “[...] não está organizado ao redor de uma significação central que distribui todas as significações.” (CALLIGARIS, 1989, p. 21).

Melman (2008) ao discorrer sobre as características do discurso psicótico, versa que a propriedade da linguagem é a de instaurar, organizar um movimento que é, sempre inaugurado pela falta. No entanto para a psicose, algumas diferenças se estabelecem, uma vez que o significante S1 não é o polo estruturante. O discurso psicótico é articulado na certeza, pois para ele, não se constitui o “ao menos um que sabe”.

Segundo Lacan (1988), a linguagem psicótica está marcada por palavras que adquirem certo destaque, manifestando-se algumas vezes na própria forma do significante, de maneira que apresentam um caráter neológico nas produções paranoicas. A produção de neologismos rearticula os significantes e, consequentemente como efeito, novos fonemas.

O estatuto fundador da fala psicótica, marca que “[...] o outro está aí enquanto Outro absoluto.” (LACAN, 1988, p. 50). Na psicose, este não é castrado, é um Outro total. Dor (1989) entende que a metáfora paterna institui o S2, substituindo S1. Esta substituição coloca o sujeito em lugar de falante. Uma vez que, não há inscrição metafórica na psicose, o sujeito é falado pelo Outro.

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Quando o sujeito psicótico fala, “[...] ele fala com vocês de alguma coisa que lhe falou.” (LACAN, 1988, p. 53). Esta afirmativa lacaniana nos anuncia o caráter alucinatório da psicose, pois quando o sujeito é convocado pelo Outro, o chamamento é real, auditivo, visual, tendo aspecto invasivo. Desta forma, o sujeito sempre está frente a situação de reconhecer o caráter ambíguo da origem das palavras que lhe são dirigidas.

Melman (2008) indica que, à medida que do lugar Outro vem a mensagem para o sujeito, é dele mesmo que está recebendo, pois este Outro que está fora, é também o que está dentro. Na neurose, o sujeito recebe a mensagem do Outro de forma invertida, em caráter de semblante. Já na psicose, como referimos em algum momento de nossa escrita, a mensagem do Outro é direta, sem metáfora, assim, tornando-se alucinatória.

A relação que o sujeito estabelece com a linguagem, diz de seu lugar discursivo e, a forma como articula os significantes. Assim, “[...] o sujeito da psicose se basta desse Outro preliminar que é o Outro absoluto ao qual está submetido [...].” (CZERMAK, 1991, p. 243). Uma vez que, a psicose se estrutura pela forclusão, tanto o sujeito como o Outro, não são barrados pela castração.

A forclusão é marcada pela não inscrição do significante Nome-do-Pai, como organizador da cadeia de significantes. Não havendo esta inscrição, o psicótico sofre um certo “[...] desfalecimento do Simbólico do Nome-do-Pai.” (CZERMAK, 1991, p. 245). Uma vez que, a instância simbólica fica de certa forma inoperante, se desencadeiam consequências.

A teoria freudiana buscou compreender a psicose, deslocando sua origem da psicogênese, como a psiquiatria contemporânea concebia. As proposições de Freud inauguraram um novo paradigma para o diagnóstico do processo psicótico, no entanto, compreender unicamente pelo prisma da perda da realidade, é insuficiente, pois este desdobramento se coloca para a neurose, de certa forma. Dor (1989) versa que na psicose, a ruptura da realidade se apresenta em parte. Assim, “[...] a clivagem do eu assim como a perda da realidade não pode ser considerada como um critério metapsicológico operatório para diferenciar as neuroses das psicoses.” (DOR, 1989, p. 98).

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Uma vez que o contato com a realidade não é o fator determinante para a concepção da “loucura”, retomemos às contribuições da teórica psicanalítica em Lacan, para a compreensão desta constituição psíquica. Para Lacan, a forclusão, é o estatuto e fundamento do advento da estruturação psicótica. Portanto se concebe a “[...] forclusão como um critério metapsicológico operatório dos processos psicóticos.” (DOR, 1989, p. 98).

Lacan (1998) indica que na psicose, há um acidente do registro do Nome-do-Pai no lugar do Outro, ocasionando um fracasso da metáfora paterna. Esta falha, ou seja, a forclusão, é o que confere a condição fundamental da estrutura psicótica e, o que a separa da neurose.

Segundo Dor (1989), a forclusão do Nome-do-Pai, produz como efeito, a neutralidade do recalque originário, assim, ocorre um fracasso da operação da metáfora paterna. Estes desdobramentos estruturantes, incidem sobre a criança que está em processo de constituição, levando a um comprometimento do acesso ao simbólico.

Este processo de constituição psíquica, diz respeito a travessia pelo complexo de Édipo. Assim, a função do pai na travessia edípica é de um significante que vem substituir outro, produzindo simbolização do significante materno. Conforme Dor (1989), podemos entender que a forclusão aponta o processo psicótico, à medida que recai sobre o significante Nome-do-Pai.

O recalque originário é estruturante, surgindo como ato fundamental que produz metaforização, isto é, “[...] simbolização primordial da Lei, que se efetua na substituição do significante fálico pelo significante Nome-do-Pai.” (Dor, 1989, p. 90). Esta intervenção intrapsíquica, sustenta a simbolização, deslocando o sujeito de um real vivenciado, para o acesso à linguagem.

A forclusão do significante Nome-do-Pai no lugar do Outro, representa um fracasso da metáfora paterna. O processo metafórico, por sua vez, corresponde a inscrição de “[...] um significante novo (S2) que faz o significante antigo (S1) passar sob a barra de significação, com esta consequência de mantê-lo provisoriamente inconsciente.” (DOR, 1989, p. 92).

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O Nome-do-Pai é um significante que, uma vez registrado para o sujeito, opera como organizador da cadeia significante, ou seja, sua operação produz consequências. Fracassando o sistema metafórico, vemos a instalação de processos psicóticos.

Se o significante S1 não é inscrito como metáfora, ou seja, a nível simbólico, será a nível do real que ele aparecerá, produzindo uma invasão, que pode ser catastrófica para o sujeito, como observamos na clínica. “Essa irrupção do Nome na linguagem sob forma positivada faz, então, a linguagem inoportuna a toda troca.” (CZERMAK, 1991, p. 245).

Este ordenamento significante nos apresenta a dialética da psicose. Lacan (1998) compreende que, as alucinações produzem para o sujeito, um neocódigo que se aproxima, segundo ele, do que os linguistas nomeiam de mensagens autônimas, em virtude de que o significante age como objeto da comunicação, e não a partir de suas significações.

A fala psicótica, apresenta uma disjunção significante, ao passo que é observável que, “[...] tais disjunções – significante/significação, voz/palavra – se produzem ao mesmo tempo que uma conjunção, uma sínfise do sujeito ao objeto a, sem que se possa aplicar ao primeiro a barra da qual o segundo deve estar caído.” (CZERMAK, 1991, p. 237).

Melman (2008) destaca que para o psicótico, os significantes ocupam outros lugares, se compararmos à cadeia significante para a neurose. A cadeia de significantes do psicótico não é organizada de um lugar único, assim, ele vive a angústia, de que ele e seu mundo, possam desaparecer. Não havendo fixação, pontos de capiton, ou seja, significações, o sujeito fica em certa errância, conforme colocávamos anteriormente. A esta conjuntura significante, Czermak (1991, p. 245) aponta que todos “[...] os significantes então se equivalerão – não há mais significantes-mestres - , ao mesmo tempo em que se acentua a materialidade do corte entre significante e significação.”.

A disjunção do significante e da significação ocasiona uma “[...] fragmentação da linguagem em unidades significantes cada vez menores [...]” (CZERMAK, 1991, p. 234), portanto, é possível que em determinados quadros

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clínicos, esteja comprometida a narrativa do sujeito, ou, sua construção produza movimentos acentuados.

Neste discurso não há ausência de sujeito, porém, se configura um “[...] deslizamento materializado e infinito em direção a um ponto de fuga assintótico.” (CZERMAK, 1991, p. 242). O sujeito vive um certo abandono, e assim, faz uma regressão tópica imaginária. A falta de referência significante do S1, coloca o psicótico numa posição de desamparo, o que produz angústia.

Embora não haja ordenamento na cadeia significante do sujeito psicótico, ele ocupa um lugar topologicamente preciso, segundo Melman (2008), este lugar é o do objeto que caiu, isto é, o objeto a. A partir daí, ele vai empreender uma luta na tentativa de “[...] transformar sua posição de objeto na posição do Um, quer dizer, se elevar à dignidade, sair da infelicidade de ser um objeto repugnante para se tornar o ao-menos-um fundador.” (MELMAN, 2008, p. 59).

A medida que o sujeito se equivale ao objeto a, ele não fica subordinado a nenhum significante, mas em posição de significação. Czermak (1991) versa que, essa materialização que o sujeito produz no espaço da cadeia, rompe a sua sucessão, sua concatenação, de maneira que toda inscrição fica abolida, desencadeando um deslizamento desorientado, sem pontos de fixação.

Os distúrbios de linguagem na psicose, são observáveis quando não se produz diferenças significantes, ou seja, os significantes tem um caráter isomórfico e sua conjunção não tem estabilidade. Assim, constatamos que, “[...] no neurótico a queda do objeto “a” entre S¹ e S² faz surgir $, o objeto “a” por sua queda movimenta então a cadeia - , no psicótico, o objeto “a” encarcerado na linguagem, a desorganiza, desarrimando as malhas da cadeia [...].” (CZERMAK, 1991, p. 249). Uma vez que o objeto a, não cai, o sujeito não é inscrito na posição fálica.

Segundo Czermak (1991), quando o objeto a é subtraído para o sujeito, este é inscrito na posição fálica. O acesso a este lugar, é possível pelo efeito metafórico da inscrição do significante Nome-do-Pai, porém, a forclusão, impossibilita que a instância simbólica faça este recorte. E, na falta deste

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movimento, é que se apresenta uma perturbação na linguagem, personificando-se o objeto a na cadeia falada.

Conforme trabalhamos, a não inscrição do Nome-do-Pai à nível simbólico, faz com que este retorne no real e, este retorno, aponta Soler (2007), produz uma ruptura no encadeamento do significante. Esta ruptura, esta perturbação linguageira, “[...] tem suas consequências espaciais, corporais e temporais, que lhe são homogêneas.” (CZERMAK, 1991, P. 249).

3 ASPECTOS FUNDAMENTAIS EM UMA CLÍNICA DAS PSICOSES

Neste capítulo, nos propomos abordar alguns aspectos e concepções, que nos permitam destacar os pressupostos que sustentam a práxis da clínica psicanalítica, em especial, uma clínica psicanalítica das psicoses, se é que assim podemos afirmar. É certo que os conceitos da psicanálise se articulam tanto na análise com neuróticos, quanto com psicóticos, porém, os desdobramentos em uma e outra tem suas peculiaridades.

A transferência é um dos conceitos fundamentais em um processo analítico, pois é a partir do estabelecimento da mesma, que o analista poderá construir o diagnóstico estrutural. Consideramos aqui, o diagnóstico como uma construção, justamente para denotar que, existe um processo no qual os fenômenos transferenciais serão mobilizados, através do vínculo analítico e, sendo subsidiado por este vínculo, que os manejos da terapia serão sustentados. Freud (1996/1912) versa que, a transferência diz respeito a um investimento libidinal que o sujeito empreende sobre o analista. Trata-se de uma regressão libidinal, na qual o terapeuta será incluído pela catexia, nas formações do inconsciente. Para Freud, a transferência se distingue por ser positiva ou negativa, ao que imediatamente nos adverte que na psicose, ela é negativa.

Na neurose, o vínculo transferencial institui ao analista, um lugar de suposto saber, na psicose não ocorre o mesmo, nesta, o terapeuta ocupa um lugar de testemunha da cena que o sujeito narra. Segundo Quinet (2006), se há transferência, é porque existe uma relação com o saber. A transferência na

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psicose pode apenas, oferecer a presença de um pequeno outro que furtando-se, escava um furo, “[...] no muito-pleno da imagem fálica, oferecendo nesta própria presença o ponto vazio necessário a toda metáfora, assim atuada, na

falta de ser subjetivada.” (POMMIER, 1998, p. 461).

A mobilização da transferência na psicose, segundo Pommier (1990), fixa o analista em lugar de ideal, o que exige uma manobra, pois esta posição poderá passar a ser persecutória, levando ao desencadeamento de um delírio de perseguição, o que é frequentemente reconhecível nas psicoses. Ainda abordaremos a questão do delírio, mas podemos adiantar que para a psicanálise, este é considerado uma forma de cura. A questão que deve ser observada e trabalhada, é que o processo analítico não seja inviabilizado, na medida que concerne ao fazer do analista.

Ao introduzirmos a questão do delírio de perseguição, precisamos estar advertidos de que, não podemos controlar os desdobramentos persecutórios na análise e, é justamente por este viés que Pommier destaca que, o trabalho do analista convoca a uma manobra, isto é, a escuta e as intervenções realizadas devem ser ponderadas, tendo em vista a estrutura e a história do sujeito.

Um ponto de convergência na transferência, entre neurose e psicose, é que o analista ocupa os pensamentos do analisante. A diferença está entre a suposição e a certeza. “Pensar em seu analista e pensar que o analista está falando dentro de sua cabeça são fenômenos inteiramente distintos. O psicótico tem certeza do saber do Outro.” (QUINET, 2006, p. 128).

Se na neurose, há suposição de saber atribuída ao analista, na psicose, ela é substituída por uma certeza, assim, o psicótico “[...] pode dirigir-se ao analista porque emergiu em sua vida uma ou diversas significações sob as quais ele tende a sucumbir.” (QUINET, 2006, p. 127). Se o neurótico chega à clínica com questões que lhe mobilizam a análise, o psicótico, poderá chegar com uma resposta, uma certeza, que lhe é imposta, que lhe invade.

A certeza que sobrevém ao sujeito, por vezes, provoca-lhe sofrimento, mobilizando um gozo no qual ele fica entregue ao Outro. Conforme Quinet (2006), há nesta convicção psicótica, uma multiplicação de significações, assim,

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o sujeito vem pedir ao analista, que faça cessar esse sem-fim do significante, mostrando a significação que possa lhe fazer sair do estado de perplexidade no qual ele se encontra.

O sem-fim do significante refere, justamente, a estrutura do inconsciente, pois na psicose, “[...] a cadeia de significante não tem o lastro da significação fálica devido à foraclusão do Nome-do-Pai, cuja função de ponto de basta está ausente.” (QUINET, 2006, p. 127).

Uma vez que a transferência se estabelece, somos levados a reconhecer o desdobramento da demanda, que na neurose se articula na, ou, nas questões com as quais o sujeito se interroga. Na psicose, aponta Quinet (2006), podemos formular a estrutura da demanda a partir da instância simbólica ou, a do real, embora possamos reconhecer que elas, frequentemente se atravessem. Podemos ainda, considerar a vertente da demanda de análise, que se organiza através de um pedido ao analista, para que este opere um limite, interrompendo o gozo do Outro, ou seja, uma barreira ao Outro que lhe invade, lhe persegue, lhe manipula, lhe olha, ou, fala em sua cabeça.

Pommier (1990) afirma que existe uma demanda na psicose, e assim, um certo trabalho se desenvolve, produzindo alguns movimentos significativos, como os que verificamos nas neuroses. A transferência faz emergir alguns problemas difíceis, mas a medida que estes são superados, a análise se desdobra “[...] segundo uma temporalidade que permite evocar, desde seu começo, a questão da conclusão.” (POMMIER, 1990, p. 206).

É preciso reconhecer e, nosso percurso até aqui nos deixa claro, que na análise, está em questão o lugar que o analista ocupa na cena analítica, sendo que é o sujeito que lhe confere este lugar. Quinet (2006) compreende, com base no discurso do analista que, este deve ficar no lugar do objeto a, pois desta forma, emerge a divisão do sujeito, e assim, são produzidos os significantes primordiais. Na análise com psicóticos, o analista ocupa, em certa medida, um lugar de rivalidade com o sujeito.

Quinet (2006) versa que não é legítimo recusar tomar um psicótico para tratamento e, destaca a importância do diagnóstico estrutural, mesmo naqueles

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em quem não houve o desencadeamento de uma psicose, pela injunção e o delírio, “[...] pois isto influenciará não só na direção da cura, como também e, principalmente, na manobra de transferência. Para Lacan, o tratamento da psicose é possível ou pelo menos encontra-se no registro da possibilidade [...].” (QUINET, 2006, p. 126).

Abordando a posição e o trabalho do analista com psicóticos, Pommier (1990) indica que suas intervenções não devem ser doutorais e, não lhe cabe tecer interpretações a priori, pois desta forma, ocuparia uma posição de sujeito do saber, e assim, em última instância, de perseguidor. É indispensável se questionar, não somente com relação ao que parece incompreensível, mas também, com relação ao que tem certo caráter de evidência, advinda por ocasião das certezas delirantes do interlocutor, com as quais ele estabelece as significações.

A pontuação do analista, tem o objetivo de viabilizar ao psicótico uma posição de sujeito, em relação ao saber que lhe é imposto. Para Pommier (1990), esta intervenção é essencial, mas não é equivalente e terapêutica, como na neurose. Assim, a pontuação do analista não desvela um novo saber e, não é semelhante a uma escansão, mas fomenta uma fenda no absoluto do saber. Considerando a função lógica da análise da psicose, pode-se percorrer um caminho, sem que jamais encontre um ponto de sustentação, pois o significante não produz esse suporte.

O fato do analista ser uma testemunha, é pouca coisa, mas também é muita, “[...] porque uma testemunha é um sujeito que é suposto não saber, não gozar, e portanto, representar um vazio onde o sujeito vai poder colocar seu testemunho.” (SOLER, 1991, p. 146). A ética psicanalítica, que sustenta e baliza a práxis do analista, possibilita que o sujeito possa, na relação transferencial, encontrar um suporte para a tecitura de uma significação que produza alguma sustentação, ainda que instável.

A estabilização psicótica não assegura um fim de análise, justamente por estar preponderantemente ligada à função da presença, portanto, os fundamentos são frágeis. Podemos considerar que o psicótico, está fadado ao

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interminável trabalho de tentar constituir um “nome”, que não lhe foi assegurado pela instância simbólica, uma vez que não se inscreveu o Nome-do-Pai. Trata-se de constituir uma construção paliativa, que permita atravessar, transpor, o absoluto de uma identificação fálica.

Entendemos que uma clínica psicanalítica está pautada pela singularidade e, os desdobramentos dos conceitos não são aplicados de forma empírica, na verdade, é a partir de uma escuta esvaziada de preceitos, que podemos pensar a ação do ato analítico. A postura do analista é fundamentada pela ética do sujeito, a ética do desejo e, o processo de análise se desenrola tendo em vista, as questões que o próprio terapeuta se faz durante o processo. Está concebido que o setting analítico tenha um divã, mas dadas as especificidades estruturais e clínicas que temos estudado, devemos nos questionar quanto ao uso do divã em uma análise com psicóticos. Esta prática deve ser observada a partir de um prisma diferente, em relação à análise de um neurótico. Há um perigo que se coloca para o sujeito, “[...] porque ele será visto sem poder olhar aquele que pode vê-lo. Este risco pulsional persecutório deveria então aconselhar prudência.” (Pommier, 1998, p. 461).

Porém, o uso do divã não é contraindicado e, por vezes se revela positivo. A posição do divã é questionável e, torna-se perigosa, uma vez que, há a ameaça de um episódio agudo, portanto, é relevante que o analista não tenha uma postura, uma intervenção, que se inscreva como “[...] persecutória devolvendo, com mais violência que um espelho o faria, uma significação despedaçante.” (POMMIER, 1998, p. 462). Com isto, não pretendemos afirmar que o analista pode, ou deva, controlar os desdobramentos da análise, mas apontamos para a necessidade de um embasamento e manejo teóricos, e uma postura ética, no que tange a sua escuta.

Em uma análise, está confirmada a relevância da presença, do encontro entre analista e paciente. No que tange à clínica da psicose, esta tem um caráter, quem sabe mais significativo ainda, pois o significante que permite a tecitura e, a sustentação de um corpo, é falho na psicose. Assim, “[...] o corpo do analista presentifica a significação fálica. Ele esconde esta presença no nível da significação dos enunciados [...]” (POMMIER, 1998, p. 468), pois desta forma, o

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sujeito elabora a relação entre comparecimento e ausência, falando a esta presença esburacada, ele atualiza a metáfora.

Pommier (1998) aponta que, no encontro que a análise propicia, pela presença do corpo do analista, a transferência atualiza uma certa conservação subjetiva, que tem efeito de um ponto de estofo do recalque propriamente dito. Porém, o Ideal necessário para a constituição e manejo da transferência, não pode ser encarnado, isto produziria imobilidade no que diz respeito aos processos terapêuticos.

Segundo Quinet (2006), o trabalho do analista pode ser compreendido como uma ação que produz esvaziamento, provocando uma falta neste Outro pleno. Assim, haverá condições para que o significante advenha e, o gozo hemorrágico seja barrado, pois, se “[...] a única maneira de cingir o real é por intermédio do simbólico, é pela fala que algo de esvaziamento do gozo pode vir a se produzir.” (QUINET, 2006, p. 132).

No decorrer de nossos apontamentos, construímos algumas

considerações para pensarmos a entrada de um psicótico em análise, e ainda, marcamos a constituição do delírio como fundamental para uma certa estabilização, no entanto, para tecer observações sobre os pressupostos e os desdobramentos clínicos da metáfora delirante, precisamos sistematizar teoricamente os processos que antecedem esta constituição.

Pommier (1998) compreende que, o sujeito se defronta com o significante do complexo paterno e, não consegue metaforiza-lo, assim, o nó borromeano torna-se inoperante, isto indica que, a amarração da significação na psicose, se dissolve de quando em quando. O que compromete então, a nodulação na psicose? A injunção, que referenciamos no transcorrer do texto, sendo então, o chamamento do Outro para que o sujeito responda como Eu, um lugar que não lhe está assegurado. Este é o momento que o significante, que não fora simbolizado, retorna no real, desencadeando a crise.

A eclosão de um episódio psicótico, provoca consequências “[...] referenciáveis num percurso topológico vetorizado: no momento em que a metáfora ceder, o sujeito será identificado ao falo, dando localização e força às

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alucinações verbais ou auditivas [...]” (POMMIER, 1998, p. 459), ou seja, há a dissolução do enodamento que de alguma forma estava organizado, possibilitando qualquer modalidade de sustentação ao sujeito.

A crise marca o desencadeamento de alucinações, que são oriundas do Outro, sendo dirigidas por uma pulsão e, descrevem seu fechamento. Para Pommier (1998), esta pulsão, tem uma propriedade invasiva, persecutória e, é expressa concomitantemente a identificação com o falo.

Este momento é marcado por um acidente que provoca a desnodulação dos 3 registros. Para Pommier (1990), a nodulação tem ligação à presença da instância simbólica, e portanto, da operação do significante como estruturante. A efetividade do enodamento envolve a intervenção ativa do próprio sujeito, pois seu ato de nomear e criar frases, que é essencialmente linguageiro, legitima a nodulação.

A questão que coloca em xeque a estrutura do nó, é que o significante Nome-do-Pai está foracluído, e assim, a fantasia não se estabelece como a podemos reconhecer na neurose. Pommier (1990) versa que é justamente devido a foraclusão do pai que, podem haver alucinações do objeto de gozo. O autor adverte ainda que, o trabalho analítico não pode conceber como perspectiva, a constituição de uma fantasia, nem mesmo sua interpretação. Segundo Pommier (1998), a medida que não há simbolização da potência fálica, porque o Nome-do-Pai está foracluído, o sujeito fica exposto, vulnerável a uma identificação com o falo imaginário, pois a simbolização que falhou, operaria deslocando a criança de uma identificação ao que falta à mãe.

A constelação psicótica é produzida, uma vez que não houve recalque. Entendemos que “[...] o recalque se produz em dois tempos, o primeiro concernindo à significação fálica e à pulsão, o segundo aos significantes do complexo de Édipo [...]” (POMMIER, 1998, p. 455), sendo que a inscrição do Nome-do-Pai efetuaria o recalcamento, fazendo metáfora do falo, e assim, a criança seria descolada da identificação com este.

Conforme aponta Pommier (1998), para que o sujeito possa abstrair-se da posição de significação fálica, ou seja, para que saia do lugar de objeto,

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precisará empreender-se em uma luta constante, que fora nomeada por Freud como negativismo. Com este trabalho de negação que é irrevogável ao psicótico, ele criará um delírio, que possibilite uma identificação suportável e, esta invenção, tem função terapêutica.

A formação delirante, aponta Quinet (2006), que é tomada como fator patológico, na verdade é, a tentativa que o sujeito faz, na busca de se reestabelecer, este é um processo de reconstrução de um “mundo” que está esfacelado. Portanto, não podemos pretender curar o delírio, pois ele mesmo tem um caráter de cura da foraclusão do Nome-do-Pai, sendo um trabalho que pretende operar um ciframento do gozo.

Quinet (2006) entende que, assim como o sintoma está para o neurótico, o delírio está para o psicótico. Ambos têm estrutura de ficção, sendo instituídos pela cadeia de significantes e, portam o valor da verdade para o sujeito. Se na neurose o sintoma se forma como uma mensagem, uma metáfora, o trabalho do delírio é a construção de uma metáfora delirante.

Na neurose, a cura não está na suspensão do sintoma, pois sua função é de suplência da estrutura. Conforme Quinet (2006), para o sujeito psicótico, da mesma forma, a direção de um trabalho analítico não se estabelece na busca de uma interrupção do delírio. O sintoma é um significante que tem seu estatuto como um Nome-do-Pai ligado ao simbólico, assim, podemos compreender o delírio como um trabalho que pretende uma amarração simbólica.

A análise na psicose, “[...] em muitos casos, trata-se de dar a oportunidade ao sujeito de reconstruir uma realidade que forçosamente será distinta de uma realidade comandada pelo Nome-do-Pai, daí ser denominada delirante.” (QUINET, 2006, p. 100). Assim como a falta é inerente ao neurótico, a foraclusão do Nome-do-Pai, é inerente ao psicótico, e não podem ser revogadas. No entanto, podemos reconhecer processos terapêuticos, na tentativa de delimitar, barrar e apaziguar, o gozo que invade o sujeito psicótico.

Segundo Pommier (1998), o delírio pode ser entendido como uma suplência do Édipo e, supre a falência do significante Nome-do-Pai e, é empregado, na busca de construir identificações que sustentem o sujeito. A

Referências

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