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Quando a República é proclamada, a 15 de novembro de 1889, o PRR ainda era um partido minoritário e foi graças à atuação coesa e bem estruturada durante a propaganda, que pode agir de maneira rápida quando do golpe, podendo assim ocupar o posto da liderança política oferecida pelos militares. Neste processo, os estreitos laços firmados entre o poder central do partido – representado pela Comissão Executiva e pela liderança de Júlio de Castilhos – e os propagandistas locais, foram imprescindíveis para a consolidação dos republicanos no período pós- proclamação.550

Em Jaguarão, foi Carlos Barbosa quem desempenhou o papel de liderança local durante a Primeira República. Como pudemos perceber durante o decorrer deste trabalho, a escolha não foi à toa, pois Barbosa fez uso de recursos que herdou da família, como também se empenhou em adquirir outros, para que pudesse ocupar tal papel. Dentre aqueles legados pela família, temos a herança farrapa e os recursos materiais e imateriais, como o prestígio. No primeiro caso, vimos que além da já conhecida participação do tio-avô Bento Gonçalves, também houve o envolvimento local e menos conhecido do avô Manoel na Guerra dos Farrapos. Certamente, esta herança foi muito importante para angariar prestígio tanto em Jaguarão, quanto junto ao PRR. Em Jaguarão, a revolta era celebrada e rememorada, fazendo com que Barbosa possa ter representado o papel de herdeiro político dos ideais farroupilhas representados por seus ascendentes. E no PRR houve a luta pelo monopólio de representação da revolta, considerada anacronicamente republicana pelos perrepistas.

Quando analisamos as posses e as relações familiares dos Gonçalves da Silva, percebemos que possuíam uma situação financeira confortável, amparada principalmente na posse de terras e na lida pecuarista, como também algumas relações que poderiam render alguns frutos para os integrantes. Embora tenhamos constatado que o patriarca Antônio não tenha participado dos quadros políticos institucionais por um longo tempo, e consequentemente não fosse parte da elite

política do município, vimos que o mesmo mantinha laços com integrantes de tal elite, como Francisco d’Ávila e Rafael de Souza Netto. Além disso, a sua condição de eleitor e oficial da Guarda Nacional faziam com que o patriarca dos Gonçalves da Silva integrasse o grupo que gozava de prestígio na localidade. Logo, quando retorna a Jaguarão Barbosa tinha à sua disposição bens econômicos e laços com indivíduos de relevo no município, estabelecidos pela família e que podem ter sido mantidos ou até alargados por integrantes que permaneceram na localidade, como o irmão João Maria. Indo além dessas questões, a análise das posses também nos ajudou a contestar uma questão recorrente na historiografia sobre o período da propaganda e da Primeira República no Rio Grande do Sul: o distanciamento dos republicanos das elites pecuaristas da campanha. Indo ao encontro de outras pesquisas recentes, constatamos que esta hipótese não se sustenta.

A situação financeira confortável proporcionou a Carlos o cumprimento de uma etapa essencial para aqueles que pretendiam ocupar um cargo político: possuir um diploma de uma das academias do Império, em decorrência da profissionalização da carreira política, iniciada no século XIX e que se consolidaria no século XX. No entanto, Barbosa foi o segundo de quatro irmãos que frequentaram o ensino superior, enquanto outros dois permaneceram em Jaguarão, tomando conta dos negócios familiares. Isso denota que os Gonçalves da Silva possuíam um projeto de diversificação profissional que distribuía seus membros em diferentes ocupações, visando ocupar postos políticos e acessarem ou manterem-se no mundo da política, bem como alargarem as redes de relações familiares.

Esses foram os recursos proporcionados pela família, mas Barbosa também se empenhou na aquisição de outros. Através do exercício da prática médica e da caridade atrelada à mesma, certamente foi possível obter votos, apoio e clientelas das quais Barbosa fez uso político e social. Além disso, ao realizar consultas e procedimentos gratuitos, nosso personagem angariou pagamentos imateriais e que poderiam ser utilizados a longo prazo, como por exemplo o respeito, votos ou ajuda em campanhas.

Outra frente de atuação e que rendeu ganhos junto ao PRR foi o envolvimento na propaganda republicana em solo jaguarense, onde ocupou papel central tanto na criação quanto nos trabalhos do Clube Republicano de Jaguarão, criado poucos

meses depois do PRR. A partir da análise de algumas ações do clube jaguarense, como a indicação de candidatos – na qual Barbosa quase sempre era a primeira opção – pudemos constatar na prática, algumas estratégias do PRR para ser poder, como a participação eleitoral e o constante contato com os clubes locais. Também foi possível perceber como os ideais republicanos foram propagados na cidade, através das reuniões do clube, da imprensa e de conferências públicas. No entanto, não nos circunscrevemos somente a questões mais gerais e aos elementos mais destacados do clube local, pois realizamos uma análise sócio-ocupacional de mais da metade dos frequentadores do clube em Jaguarão. A partir de tal análise, constatamos que daqueles republicanos para os quais encontramos informações, grande parte era composta por fazendeiros/criadores de gado, proprietários e comerciantes, com uma pequena porcentagem de “doutores” e uma razoável participação de militares. Essa análise vem somar esforços na compreensão do perfil dos propagandistas gaúchos menos destacados.

Logo, embora nosso objetivo principal fosse tentar compreender como Carlos Barbosa fez uso de recursos familiares e se empenhou em adquirir outros que o ajudaram a angariar prestígio local, como também junto ao Partido Republicano Rio- grandense, a análise da trajetória deste sujeito nos permitiu acessar e tentar compreender questões mais amplas. Afinal de contas, é justamente para isso que servem as análises de trajetórias, pois estas não têm nenhum valor explicativo se ficarem circunscritas a elas mesmas.

Ao retornamos às citações presentes na epígrafe deste trabalho, podemos perceber duas visões sobre como Carlos Barbosa teria obtido o tão propagandeado sucesso político durante a Primeira República. Quando faleceu, A Federação declarou que Barbosa teria chegado tão alto por merecimento próprio551, em um posicionamento que – não querendo incorrer em anacronismos – nos remete à tão atualmente discutida falácia meritocrata. Indo na direção contrária, o folheto difamatório A Ferro

Candente, considerou que o acaso havia sido o responsável pela “ventura de que

nenhum homem se tem gosado”.552

551 BNDigital – A Federação, 23 de setembro de 1933 (RS). p. 01.

552 LOURENÇO, Gomes. (Pseudônimo de João Coelho Cavalcante). A Ferro Candente. [s.l.]: [s.n.], 1904. p. 05.

Neste trabalho, tentamos demonstrar que não podemos ir nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Primeiramente, não podemos considerar que Barbosa tenha obtido sucesso político somente por merecimento próprio, pois, como vimos, ele contava com um lastro social, político e econômico proporcionado pela família, que certamente contribuiu em sua ascensão. Mas também, não podemos considerar sua trajetória ascendente puramente como obra do acaso – embora este também tenha operado de alguma forma, visto que uma vida não é um conjunto coerente e orientado de acontecimentos553 –, pois nosso personagem fez uso dos recursos familiares ao articular-se para transcender os mesmos e aumentar as possibilidades de sucesso. Sendo assim, procuramos demonstrar uma trajetória multifacetada, e menos simplificada, do médico e político gaúcho.

553 BOURDIEU, Pierre. Op. cit. 1996.