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Tinha um “firme propósito de empregar todos os meios para que se forme”: a diversificação profissional dos Gonçalves da Silva

3. Para dar conta de nosso objetivo, o trabalho foi dividido em quatro capítulos O primeiro capítulo tem por finalidade analisar escritos que tratam sobre a história de

3.1 Tinha um “firme propósito de empregar todos os meios para que se forme”: a diversificação profissional dos Gonçalves da Silva

Como vimos no capítulo anterior, os Gonçalves da Silva gozavam de uma situação financeira favorável, o que propiciou a continuidade do projeto familiar de educação dos filhos homens, que teve início antes do falecimento do patriarca Antonio. O primeiro integrante da família a cursar o ensino superior foi o primogênito Manoel, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1865. Como observa José Murilo de Carvalho, os alunos das escolas de direito eram em sua esmagadora maioria provenientes de famílias abastadas, em decorrência do alto custo de formação. As duas Faculdades de Direito localizadas em Recife e São Paulo306 cobravam taxa de matrícula, que no primeiro ano de funcionamento foi de 51$200 réis. Além deste custo – bem como dos estudos preparatórios e da contratação de repetidores, que visavam garantir a admissão – havia ainda as altas despesas referentes a deslocamento e manutenção, por cinco anos, nas cidades que sediavam as faculdades.307

306 Os cursos de Direito foram criados em 1827, em Olinda em São Paulo. Em 1854, o curso de Olinda foi transferido para Recife. Sobre os cursos de direito e especialmente o de Porto Alegre, ver: GRIJÓ, Luiz Alberto. Op. cit. 2005; sobre o currículo dos cursos de direito de Recife e São Paulo, ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil: 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1993; sobre o investimento familiar na obtenção de diplomas de bacharel, ver: MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; CAMPOS, Vanessa Gomes de. "Evitar o Circunlóquio e chamar-me pelo que sou, mulato ou negro": O professor e deputado Alcides de Freitas Cruz (1867-1916) In: Alcides Cruz: Perfil parlamentar. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2017. v.1, p. 44-87.

307 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sobras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

Para Jonas Moreira Vargas, este alto investimento tinha em vista um retorno, pois além de contribuir para uma diversificação ocupacional familiar, ter a presença de um bacharel era “essencial, pois dela provinha boa parte dos investimentos e da expectativa da família”.308 Além disso, o diploma de advogado era de suma importância caso a família pretendesse ocupar algum cargo político nas esferas de poder, em decorrência do início da profissionalização das carreiras políticas que “num lento processo cheio de percalços […] se consolidaria apenas no século XX”.309

Além desses objetivos mais amplos, com a formação do filho em direito, Antônio também buscava um respaldo jurídico à família. Como deixa expresso em seu testamento, o patriarca ressalta que Manoel como o filho mais velho e

já formado em direito, tem todas as habilitações para prestar a sua mãe, e á todos seus irmãos os melhores serviços. Nelle especialmente encarrego de servir de salvaguarda em direitos de minha caza e família, promovendo, sempre no mais perfeito acordo com sua mãe, todas as medidas tendentes á conservação e effectivação desses direitos.310

No entanto, não há como investigar se os investimentos familiares proporcionaram o acesso de Manoel à carreira política ou foram convertidos em ganhos para a família, visto que ele veio a falecer aos 26 anos, em 1870.311 Acreditamos que fosse bem provável que Manoel teria algum êxito político, pois dos quatro gaúchos que colaram grau no mesmo ano que ele (1865), estavam Carlos Thompson Flores, que ocupou os cargos de promotor público, deputado provincial, presidente da Província, desembargador e fundador da Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre; Fausto de Freitas e Castro, deputado provincial e vice-presidente da província; e Franklin Gomes Souto, vereador em Alegrete.312

308 VARGAS, Jonas Moreira. Op. cit. 2007. p. 256. 309 Ibidem. p. 89.

310 APERS – Testamento de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1867. f. 49. 311 SPALDING, Walter. Op. cit. 1973.

312 FRANCO, Sérgio da Costa. Gaúchos na Academia de Direito de São Paulo no século XIX. In: Justiça & História, Porto Alegre, v. 1, n. 1-2, 2001.

Enquanto a família investia na formação escolar de alguns, também era necessário que um ou mais filhos se dedicassem a tocar os negócios do grupo familiar que ainda configuravam como a principal fonte de renda, no caso dos Gonçalves da Silva, a pecuária. Ao que tudo indica, este papel foi delegado aos irmãos Bento e João Maria, pois, embora já estivessem em idade de frequentarem algum curso superior, nada é mencionado no inventário com relação à situação educacional dos irmãos, além de ambos residirem em Jaguarão à época. Em seu testamento, Antônio também declarou que em 1867 comprou um escravo que seria liberto sob a condição de cumprir o serviço militar no Exército Imperial, pelo tempo necessário, no lugar de João Maria.313 Com isso, talvez Antônio desejasse deixar o filho desimpedido para administrar os negócios familiares, como também angariar mais algum prestígio com o apoio ao esforço imperial contra os bárbaros paraguaios314, pois declara que o teria feito “com o fim principal de prestar um serviço á pátria”.315

A falta de interesse de Manoel nos bens rurais herdados também reforça essa possibilidade. Antes mesmo da partilha ser estabelecida e saber exatamente a parte que lhe cabia na divisão do patrimônio, Manoel vendeu aos irmãos Bento e João Maria “todo o seu quinhão hereditário que lhe coube[sse] no inventário da herança deixada por seu pai Antônio Gonçalves da Silva, seja qual for a extensão de campo e número de animais que n’elle seja comprehendido”316, em troca de sete contos de réis (7:000$000).

O segundo filho a frequentar o ensino superior foi Carlos, no entanto não trataremos sobre sua educação nesta parte do texto, visto que tal assunto será abordado mais adiante. O que podemos adiantar é que quando Antônio veio a falecer, Carlos já estava estudando no Rio de Janeiro, cursando os estudos preparatórios. É interessante notar que, embora fossem de uma família abastada e que investia na educação da prole masculina, a morte do patriarca deve ter exigido alguns sacrifícios e rearranjos na dinâmica familiar, o que não afastava a possibilidade de Carlos não completar os estudos almejados.

313 APERS – Testamento de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1867. f. 48.

314 Ver: DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova história da Guerra do Paraguai. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt Os Cativos e os Homens de

Bem. Experiências Negras no Espaço urbano. Porto Alegre: Edições EST, 2003.

315 APERS – Testamento de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1867. f. 48. 316 APERS – Livro de notas do cartório de Jaguarão, n. 14. fls. 46 e 46 verso.

Como mencionado no capítulo anterior, a estância São Manoel já havia sido partilhada entre a viúva e os outros nove herdeiros. No entanto, acreditando que “sendo de maior conveniência para os herdeiros receberem maior porção de campo do que pedaços de propriedade fraccionadas”317, Maria da Conceição abdicou dos três quartos de sorte (uma terça) da estância que já estava em seu poder. Conforme os desejos do falecido, somente os quatro filhos menores – Maria Angélica, Maria da Glória, Nicolao e José – seriam beneficiados com a divisão das terras de que sua mãe abria mão, com a “condição de sujeitarem-se a uma nova partilha se por ventura, [por] qualquer circunstância imprevista não se forme o herdeiro Carlos”.318 Embora Maria da Conceição afirmasse que tinha o “firme propósito de empregar todos os meios para que se forme”, visto que Carlos estava estudando e estava nos planos da mãe que assim continuasse, por precaução, em caso de “não formar-se em qualquer das faculdades do Império”319, Carlos receberia uma parte da terça doada pela matriarca.

O que sabemos acerca da educação de Nicolao, é proveniente das listas dos alunos que realizaram os exames preparatórios320 na cidade do Rio de Janeiro, publicadas pelos jornais da Corte. Nicolao chegou ao Rio de Janeiro em 7 de março de 1871, a bordo do paquete à vapor Galgo, acompanhado pelo seu irmão Carlos321, que retornava à cidade para cursar o segundo ano da Faculdade de Medicina. Provavelmente, Nicolao iniciou os estudos preparatórios no Collegio Pinheiro322, pois em janeiro de 1872, é nomeado na relação dos alunos premiados pelo seu desempenho nas provas de aproveitamento, recebendo uma menção honrosa323 pelo resultado obtido nos exames realizados entre novembro e dezembro de 1871, dentre eles os exames oral e escrito de português.324 Embora os estudos preparatórios

317 APERS – Inventário de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1868. f. 54. 318 APERS – Inventário de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1868. f. 54 verso 319 APERS – Inventário de Antônio Gonçalves da Silva. Op. cit. 1868. f. 54 verso

320 Grosso modo, podemos comparar os exames preparatórios com o atual vestibular. Já os estudos preparatórios tinham como finalidade preparar o aluno para os exames, e assim garantir a aprovação. 321 BNDigital – Diario do Rio de Janeiro, 8 de março de 1871 (RJ). p. 03.

322 O Collegio Pinheiro, fundado em 1861, era um dos três mais caros do Rio Janeiro, custando anualmente para um pensionista 560$000, meio-pensionista 300$000 e aluno externo 180$000 (valores referentes ao ano de 1870). CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. Internar para educar. Colégios-internatos no Brasil (1840-1950). Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2012. Tese de Doutorado em História.

323 BNDigital – Jornal do Commercio, 10 de janeiro de 1872 (RJ). p. 02. 324 BNDigital – Diario do Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1871 (RJ). p. 03.

indiquem que Nicolao pretendia cursar alguma faculdade, a falta de informações não nos permite constatar se isso teria ocorrido.

E finalmente, o filho caçula José, que também cursou os estudos preparatórios na Corte e formou-se engenheiro pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1887. Além de Carlos Barbosa, José foi o único filho que conseguiu acessar o mundo da política, ocupando os cargos de intendente de Pelotas em 1902 e 1908, secretário da Fazenda do Estado entre 1904 e 1908, deputado federal pelo PRR em várias legislaturas desde 1916 até 1930, além de ter sido ministro da Viação e Obras Públicas durante o governo do Marechal Hermes da Fonseca, de 1912 a 1914.325

A partir do investimento dos Gonçalves da Silva na educação dos filhos, cremos que a família possuía algum projeto específico. Pois, “possuir riqueza não era o suficiente para que um pai mandasse um filho estudar em outra província, já que muitas famílias ricas não o fizeram e investiram seus capitais em outros campos e com outros objetivos”.326 Em sua análise da elite política provincial gaúcha entre 1868 e 1889, Vargas percebeu que pais que haviam cursado o ensino superior buscavam o mesmo para os filhos. Porém, no grupo estudado pelo autor, nem todos possuíam pais com esse tipo de formação327, como os Gonçalves da Silva que tinham um patriarca estancieiro-militar. Logo, concordamos com Vargas, quando o autor afirma

que aquelas famílias que possuíam um tipo de projeto especifico, com objetivos voltados para a política e a extensão de suas redes sociais, buscando manter seu status e riqueza locais, eram as mais propensas a enviar os filhos para cursarem alguma faculdade. Seu retorno era uma maior chance de conquistar bons casamentos e uma rede social mais ampla.328

Com esse projeto familiar, talvez os Gonçalves da Silva buscassem, além de expandir as redes de relações, recuperar o prestígio político local da família, conquistado por Manoel logo na primeira vereança da Câmara jaguarense e que seu filho Antônio aparentemente não conseguiu dar prosseguimento, além é claro de alçar

325 FRANCO, Sérgio da Costa. Op. cit. 2010. 326 VARGAS, Jonas Moreira. Op. cit. 2007. p. 83. 327 Ibidem.

voos políticos mais altos. Assim como Tassiana Saccol329 percebeu a existência de um projeto familiar dos Assis Brasil – no qual cada indivíduo exercia um papel específico, mas complementar com os demais – também podemos constatar que os Gonçalves da Silva tentaram diversificar as atividades desenvolvidas pelos membros do grupo familiar. Enquanto Manoel era advogado, Bento e João Maria detiveram-se na pecuária – principal fonte da renda familiar –, Carlos era médico e José, engenheiro; o que possibilitaria uma maior probabilidade de ganhos e um alargamento das redes de relações da família. A morte prematura de Manoel parece ter retardado os resultados de tal investimento, que só viriam com os filhos Carlos e José, no período republicano.

3.2 Nessa época “o ideal republicano de seus maiores nele ressurgiu”: