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No tocante a transitoriedade, envelhecer é uma condição inerente a todo humano. Entretanto, a percepção de que adentramos na etapa final do processo de envelhecimento, a velhice, não é de nada simples para o sujeito. Esta constatação envolve uma série de conflitos psíquicos e pressupõe a elaboração de um luto nada fácil de realizar: o luto de quem somos; o enfrentamento de uma dura realidade: a do ser humano e sua finitude.

A este respeito, Freud (1915) destaca a impossibilidade do sistema inconsciente de conceber a própria morte. Desta forma, a percepção da finitude humana é negada pela ausência de contradição que caracteriza esse sistema e que coloca o sujeito na condição de onipotente. O sistema inconsciente opera com um tempo lógico, fato esse que contribui para que a percepção da velhice ocorra primeiramente em relação ao outro, e somente através de um esforço consciente é que se torna possível sua percepção desse acontecimento em nós mesmos. Ainda assim, do ponto de vista psíquico, o velho é sempre um outro.

A chegada da velhice assinala um processo que será marcado por sucessivas perdas e desinvestimentos no qual o atravessamento do luto, quando devidamente elaborado pelo sujeito, deverá resultar em novas possibilidades de investimento que o mantenham na condição desejante, sendo possível continuar vivendo. Os constantes desinvestimentos que acompanham a velhice se fazem também com relação ao outro que compartilhou consigo uma época e que desse modo pode testemunhar os acontecimentos de sua vida, tornando-a significativa. A constatação do definitivo no processo do luto pode vir a ocorrer por uma projeção experimentada pelo idoso diante da morte de um familiar ou amigo, vindo a desencadear um sentimento de solidão, seja pela ausência dos que já se foram, ou de alguém com quem possa dividir os acontecimentos presentes e compartilhar os eventos antigos relacionados às suas memórias.

As sociedades ocidentais sofreram transformações importantes ao longo da história que abalaram estruturalmente seus valores sócio-culturais. Com isso, mudam as formas do homem se relacionar com o Outro/outro, dando origem a um novo modo de organização social. No contexto destas mudanças, o papel social do velho também sofre modificações, transitando ora por lugares onde seu status é

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mais valorizado, ora sofrendo uma desvalorização desse lugar. As metamorfoses do processo social, sejam elas referentes a aspectos econômicos, culturais ou históricos, determinam este papel, e disto decorre também o afrouxamento dos laços sociais que tiram o velho de circulação e marginalizam seu lugar, inviabilizando o espaço destinado ao seu discurso e sua missão de transmissão cultural aos mais jovens. As conseqüências disso são sofridas por ambos os lados: o velho pela impossibilidade de encontrar o enlaçamento de novos investimentos libidinais no espaço social e o jovem pela perda dos referenciais tradicionais que servem como ponto de referência para a construção da sua identidade com relação ao mundo em que vive.

Na contemporaneidade, o ritmo pelo qual as mudanças ocorrem é demasiadamente acelerado, acentuando a sensação de despertencimento do velho à sociedade. Ao longo do tempo, o espaço do velho no contexto social vem diminuindo de forma gradual. Porém, na contemporaneidade observamos uma supressão desse espaço que segue a lógica de aceleração. Isto nos é revelado através do discurso que ditam as formas contemporâneas do envelhecer caracterizadas pela retirada de cena da figura do velho que conhecemos tradicionalmente, para dar lugar à figura do “velho jovem”. O velho contemporâneo deve ser alguém ativo e dotado de autonomia.

Os apelos que observamos na sociedade capitalista estão alicerçados sobre os ideais de uma cultura orientada pelo narcisismo, que preza valores como a beleza, a juventude e o capital, que viabiliza, a quem o possui, representar-se como portador destes ideais. Na contemporaneidade, a ideologia narcísica ganha expressão no contexto social, fazendo com que todos corram em busca da perfeição. Em conseqüência disto, a imagem do velho que concebemos historicamente não tem lugar na cena contemporânea, especialmente quando vinculada aos aspectos negativos de sofrimento e dependência. O velho, para se manter em cena e garantir seu lugar, precisa lançar mão de artifícios culturais, mantendo uma “aparência jovem” não somente relacionada ao corpo, mas também ao “estado de espírito”, à medida que é neste velho que a juventude procura se espelhar, e somente assim sua voz poderá ainda ser ouvida.

O poder econômico também é capaz de garantir a aceitação do velho no contexto social, uma vez que, para a cultura capitalista, este é um fator fundamental

de reconhecimento. Caso não consiga responder a demanda social, o destino do velho, salvo algumas exceções, é a segregação nos asilos. Esta dura realidade, que perdura desde o século XIX, tem sido o destino do velho doente ou dependente. O individualismo que caracteriza a cultura atual, pede um velho mais independente, que não exija tantos cuidados e tanto dispêndio de atenção por parte dos familiares que tem que dar conta de tantas outras tarefas demandadas pelo processo social.

A contemporaneidade lança aos sujeitos novas formas de viver a experiência do envelhecer, mas suas exigências podem resultar em grande sofrimento para os sujeitos que não respondem a esta demanda e que sofrem com as modificações no processo social. Se de um lado abrem-se novas possibilidades a esta experiência, que pode ser encarada de forma mais positiva e desvinculada da imagem da velhice como uma etapa da vida marcada apenas por perdas, sofrimento e abandono, por outro, observa-se um apelo constante das imagens vinculadas aos ideais de perfeição, que exigem dos sujeitos a autonomia, independência e atividade, desconsiderando a singularidade de cada um, numa tentativa de homogeneização da figura do velho. Isto faz parecer que os infortúnios próprios da vida o desqualificam como sujeito, e que os possíveis conflitos decorrentes de suas relações interpessoais precisam ser devidamente denegados, pois, muitas vezes, encarar a realidade pode ter um preço muito alto a pagar, sendo necessário aceitar a demência, bem como outras doenças psíquicas, como tentativa de defensa contra o sofrimento decorrente de sua condição atual, sendo este ocasionado pelo abandono social e/ou familiar.

Esta pesquisa possibilita, também, a indagação sobre as modificações incidentes sobre o discurso social, que vem se modificando ao longo dos anos, e que implica em novas formas de subjetivação, lançando então uma nova questão a ser pesquisada posteriormente, no avançar de nossos estudos, que diz respeito aos significantes que estariam organizando o discurso social quando o assunto é a velhice e ao lugar discursivo do velho na atualidade.

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