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A velhice na cultura ocidental: considerações sobre a experiência contemporânea de envelhecer

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE CURSO DE PSICOLOGIA

Claudia Scaramussa da Rosa

A VELHICE NA CULTURA OCIDENTAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

A EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA DE ENVELHECER

IJUÍ – RS

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CLAUDIA SCARAMUSSA DA ROSA

A VELHICE NA CULTURA OCIDENTAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

A EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA DE ENVELHECER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo.

Orientador: Daniel Ruwer

IJUÍ – RS 2014

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A Beija-Flor, Flor de Uva, João de Barro e Rosa, pelos valiosos depoimentos que serviram de inspiração para a realização deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo Jairo de Oliveira, pelo apoio incondicional tendo possibilitado a concretização de minha formação universitária.

À Ruffus e Teka, meus companheiros felinos que me acompanharam nas horas de leitura e solidão.

Aos meus familiares, pela compreensão quando estive ausente às comemorações e eventos em família.

Ao meu orientador Daniel Ruwer, pelas contribuições e incentivos que possibilitaram uma escrita mais tranqüila e fluente.

Às amigas Ana Paula Ely, Cássia Teixeira, Luiza Espindola, Patrícia Winck e Taís Huth, pelas alegres terças-feiras “das garotas” quando a descontração nos ajudou a aliviar a ansiedade da etapa final do percurso acadêmico.

A Gonzalo Rohleder, pela amizade sincera e por estar comigo nos bons e maus momentos (dessa amiga complicada) e pelas horas valiosas de nossos estudos sobre psicanálise.

Ao meu querido amigo Maurício da Silveira Soares pelos alegres momentos que passamos juntos e por me ouvir e aconselhar sempre que precisei.

À colega Raquel Dickel, pelas discussões e contribuições valiosas para a realização desse trabalho.

Ao amigo e psicanalista Ubirajara Cardoso de Cardoso, por compartilhar sua experiência e seu saber em psicanálise durante todo o percurso acadêmico, apoiando e incentivando a continuação desse estudo para além dos muros da universidade.

Aos professores do Curso de Psicologia, especialmente aos que me acompanharam como supervisores: Elisiane Schornardie, Gustavo Brun, Íris Campos, e Kenia Freire, pelo ensino e disposição em contribuir para o desenvolvimento de meu potencial acadêmico e profissional tendo em vista os desafios que a profissão de psicólogo sugere.

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“Eros é o mais belo, e apresso-me a dizer por qual motivo: antes de mais nada, caro Fedro, por ser o mais jovem dos deuses e dessa qualidade ele próprio se encarrega de ministrar-nos uma prova evidente: é a de que fugindo, evita ser alcançado pela velhice, que inegavelmente é em si mesma rápida, como se depreende do fato de vir

a nós mais depressa do que deveria.

Eros, de conformidade com sua própria natureza, sente verdadeiro ódio à velhice e não suporta sua vizinhança, nem mesmo a grande distância”.

Discurso de Agatão

“O Banquete”

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo lançar algumas reflexões sobre a velhice e suas implicações para os sujeitos do envelhecer, buscando conhecer o lugar social ocupado pelo velho no contexto histórico ocidental e verificar as mudanças ocorridas no processo social com relação às novas possibilidades que se abrem a esta experiência na contemporaneidade. Para possibilitar a construção do trabalho utilizamos como método a pesquisa bibliográfica. Compreendemos a pertinência de abordarmos as questões do envelhecimento em suas dimensões psíquicas e sociais, sendo a velhice uma experiência singular, mas, vivenciada coletivamente sob as influências culturais relativas aos diferentes contextos históricos em que se apresenta. Desse modo, se faz também necessária a discussão sobre as formas contemporâneas do envelhecer contrapondo antigas práticas e estereótipos que perduram ainda hoje em nossa sociedade.

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ABSTRACT

The present work has as objective to make some reflections about aging and its implications for the subjects of this process, seeking to know the place occupied by the elder in the western historical context and verifying the changes occurred in the social process regarding the new possibilities opened to this experience in the contemporary world. To make this work possible, a bibliographical research was carried out. It is understood the pertinence of approaching the matter of aging in its psychical and social dimensions, being aging a singular experience, although it is collectively experienced under cultural influences related to different historical contexts in which it happens. Thus, it is necessary the discussion about contemporary ways of aging opposing old practices and stereotypes which still today persist in our society.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 8

2. A VELHICE COMO PROCESSO SOCIAL ... 10

3. A VELHICE NA CULTURA OCIDENTAL ... 21

3.1 O Olhar sobre a velhice: Um breve histórico ... 21

3.2 As formas contemporâneas do envelhecer ... 26

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41

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1. INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento começa quando nascemos e seguimos nele até a morte, embora, a percepção de estarmos envelhecendo aconteça mais pela imagem que o Outro/outro nos devolve do que pela percepção do envelhecer em nós mesmos. Segundo a psicanálise, a tentativa de negar o envelhecimento é determinada por elementos inconscientes do psiquismo. A atemporalidade que caracteriza nosso inconsciente nos concede a possibilidade de não nos reconhecemos como velhos, uma vez que o tempo do inconsciente é um tempo lógico. Do mesmo modo, não há no sistema inconsciente a representação de nossa própria morte, pois neste impera a condição de onipotência.

Do ponto de vista psíquico, o velho é sempre o outro. Contudo, a contemporaneidade ocupa-se constantemente em evitar o envelhecimento ou, pelo menos, retardá-lo. Na medicina estética e dermatológica, encontram-se à nossa disposição diversos métodos artificiais, porém bastante atraentes, de esconder as marcas do tempo como, por exemplo, as cirurgias plásticas, aplicações de botox, peeling, cremes antiidade, etc.. Além disso, em nosso quotidiano a imagem retratada como ideal contemporâneo é a juventude, conforme acompanhamos através das mídias.

A aceleração do mercado tecnológico tende a acentuar algumas características da atualidade onde a velocidade das mudanças é uma marca fundamental. Nesse contexto, observamos uma inversão de valores tradicionais. Um exemplo é a desvalorização da palavra do idoso como agente da transmissão. O velho, ao narrar a sua história, proporciona aqueles que o escutam a compreensão da dinâmica social, à medida que quando conta sua própria história, fala da história de toda comunidade. Contudo, o ritmo acelerado da atualidade não permite um ponto de parada onde o velho se faça escutar. Pelo contrário, assim como os objetos são descartados quando se entende que se tornaram obsoletos, a pessoa humana, especialmente os idosos tornam-se demasiadamente desvalorizados, perdendo cada vez mais o seu espaço no contexto social.

Além disso, o abrigamento dos idosos em instituições faz parte da nossa realidade e são vistos pela sociedade como uma alternativa viável para as famílias

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que não podem ou não querem dedicar seu tempo ao cuidado dos velhos. Embora as políticas públicas estejam cada vez mais ocupadas da velhice, as dificuldades de acesso à vida na comunidade e a privação de seus direitos fundamentais são realidades enfrentadas diariamente pelos idosos. Longe da cidade, dos familiares, dos amigos, do lazer, e sem um lugar onde possam dar testemunho de sua história, os idosos são segregados reforçando um processo de exclusão social.

Para além da mocidade que ficou para trás, os idosos se deparam com a perda de referenciais. Os vínculos familiares e sociais vão sendo gradualmente enfraquecidos até a ruptura definitiva, quando o sujeito sente não pertencer mais a este mundo. Esta condição de abandono contribui para o adoecimento, uma vez que o sentimento de despertencimento favorece o isolamento do idoso, que estará mais vulnerável ao aparecimento das doenças do psiquismo.

Assim, não sendo a velhice uma condição do outro, uma vez que é inerente a cada um de nós, a reflexão sobre as questões do envelhecer são de fundamental importância para que possamos compreender nossas implicações e responsabilidades na construção do processo social, como agentes que somos deste, de maneira que possamos, assim, provocar mudanças de posicionamento com relação ao enfrentamento da realidade do envelhecimento pelos sujeitos e suas conseqüências sobre as futuras relações destes com a velhice.

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2. A VELHICE COMO PROCESSO SOCIAL

Pensar o envelhecimento como um processo é supor que ao nascermos já estamos diante de um percurso bem definido que começa na infância, seguindo pela adolescência, adultêz, chegando à velhice e posteriormente à morte. Este ciclo expressa a condição natural de todo ser vivo, sendo a morte o encerramento deste. Ao serem nomeadas as etapas da vida humana (infância, adolescência, idade adulta e velhice), nos vem à mente de imediato a idéia do que cada uma delas significa para o homem enquanto perspectiva de vida, e expressa o sentido do papel do velho em determinada sociedade ao longo da história.

Mas o que exatamente define o que vem a ser a velhice? Se buscarmos uma resposta partindo daquilo que é socialmente aceito como determinante do estar velho encontraremos alguns marcos que nos dão indícios a este respeito. A idade cronológica não diz com precisão algo sobre a velhice. Contudo, o real do corpo por meio dos sinais que se manifestam, como as rugas, os cabelos brancos, a dificuldade no caminhar, as falhas de memória, algumas doenças, entre outros, apontam para esta realidade de maneira que podemos de alguma forma presentificá-la.

No Estatuto do Idoso (2009), em seu artigo primeiro, está previsto que pessoas com idade igual ou superior a 60 anos são protegidas por lei e passam a ter direitos assegurados e regulamentados que seriam próprios disto que se chama velhice. O mercado de trabalho prevê a aposentadoria que, conforme sabemos, estará delimitada de acordo com as peculiaridades de cada profissão, mas também pressupõe a idade como fator que delimita o tempo máximo de atividade do servidor público (aposentadoria compulsória) que não poderá exceder 70 anos. Também o voto, quando entendido como significante do exercício legítimo de cidadania de acordo com os propósitos da Constituição Federal de nosso país, é retirado de sua obrigatoriedade aos maiores de 70 anos. Estas delimitações sociais do envelhecer causam um certo mal-estar, a medida que nos remetem a um tempo de contínuo desinvestimento do sujeito que adentra na velhice.

Segundo Belato (2009), a velhice como processo social é marcada por contradições. Neste sentido as tentativas de inclusão do velho se convertem em

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exclusão à medida que a sociedade retira esses sujeitos da cena pública extinguindo suas responsabilidades sociais ao mesmo tempo em que tenta fazê-lo no intuito de demonstrar respeito e reconhecimento. “O velho é o ser humano no qual a fratura entre o ser e o não-ser é mais exposta, visível. Esta é a condição humana do velho que não mudou ao longo da História” (p. 23).

Em nossa busca, constatamos que os marcos que se colocam como indicadores do que viria a ser a velhice de nada nos ajudam, a medida que não dizem da posição do sujeito frente aos significantes que organizam o processo social. Ao mesmo tempo, não se pode negar que de alguma maneira estes significantes tem suas implicações sobre os sujeitos pela forma como se inscrevem na cadeia discursiva destes. A única coisa que parece clara é que cada sujeito responde a esta demanda de maneira singular.

Se a velhice é ainda determinada em cada época e em cada cultura de forma diferenciada, acentuamos, os significantes que tentam nomeá-la incidirão sobre os sujeitos, provocando seus efeitos. Mesmo que cada um só possa responder sob os auspícios de seus próprios traços, os significantes culturais – o mal-estar na cultura em cada época – exercem, sem sombra de dúvida, seus efeitos sobre o sujeito. Afirmamos, portanto, que a velhice é também um efeito do discurso. (MUCIDA, 2006, p. 28)

Tentamos ressignificar a velhice conceituando-a de novas maneiras, renomeando-a, numa tentativa de amenizar o peso que a condição de ser velho tem para nós. Na atualidade, a palavra “velho” ou “velhice” vem cada vez mais sendo substituída por expressões como “melhor idade” ou “terceira idade”. Estas, bem como a palavra “idoso”, nos parecem cada vez mais adequadas ao falarmos da velhice. Isto mostra claramente o incomodo e o peso que ser chamado de velho carrega culturalmente.

Para os idosos, o preço dessa troca é eliminar da cena a velhice e apresentar o “velho jovem”, a ficção de uma pessoa sempre saudável, dinâmica e ativa, que precisa ser sustentada, para não “estragar a festa” de uma cultura que reverencia a juventude e a hipomania. A mera lembrança das agruras da velhice que aguardam a todos que chegam à fase impeditiva é insuportável (KAMKHAGI, 2008,p.83)

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A visão capitalista, que influencia fortemente nossa cultura, propõe que aquilo que é velho pode ser descartado, colocando a juventude como o grande ideal da modernidade, o que pode ser facilmente observado em nosso quotidiano.

Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. (...) A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital (BRUM, 2012).

A finitude da vida humana não se expressa necessariamente pela velhice. Esta não é um fator determinante do encontro com a morte e pode acometer o sujeito em qualquer etapa da vida. Por outro lado, a idade quando bastante avançada pode nos remeter à idéia da proximidade da morte, pois a velhice é a última das etapas da nossa existência. A constatação do real do corpo devolve para nós a consciência de finitude, abalando os ideais narcísicos e o sentimento de onipotência imaginária. Desse modo, o medo do envelhecer não seria propriamente de estar velho, mas o medo da morte.

Freud (1915) afirma que para o homem primevo, sua morte era algo irreal e somente a partir da dor da perda de um outro – alguém a quem amava – é que este teve consciência de que todos morremos. Contudo, a morte desse ente querido também fora anteriormente desejada levando em conta a ambivalência de sentimentos que nos constitui. “O ódio, enquanto relação com objetos, é mais antigo que o amor” (p.143). A representação do ódio que até então permanecera recalcada retorna como sentimento de culpa por aquilo que anteriormente se produziu como desejo no inconsciente. Ao mesmo tempo, a condição de morte passa a ser rejeitada por ele, pois a libido investida sobre o objeto amado faz com que este seja sentido como uma parte de seu ego, de modo que quando o ente querido morre, também uma parte de si mesmo é aniquilada. Assim, quando o homem primevo experimenta a dor pelos mortos já não lhe é possível ignorá-la como fato, mas nega-lhe o significado de aniquilamento.

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Nosso inconsciente, portanto não crê em sua própria morte; comporta-se como se fosse imortal. O que chamamos de nosso ‘inconsciente’ – as camadas mais profundas de nossas mentes, compostas de impulsos instintuais – desconhece tudo o que énegativo e toda e qualquer negação; nele as contradições coincidem. Por esse motivo, não conhece sua própria morte, pois a isso só podemos dar um conteúdo negativo. Assim, não existe nada de instintual em nós que reaja a uma crença na morte (FREUD, 1915, p.306).

Mas, “se o inconsciente mantém a morte à distância, quase não deixa lugar para velhice” (MANNONI, 1995, p. 34). Quando então um sujeito fica velho? Esta parece uma questão para qual não há uma resposta definitiva, que se enquadre da mesma maneira para todos os sujeitos. De acordo com Mucida

Cada um envelhece apenas de seu próprio modo, e não existe uma velhice natural, mesmo que exista um corpo que envelhece e uma pessoa que se torna mais idosa. Esse “destino pessoal” traçado na velhice é completamente singular, e cada um inscreverá determinada forma de gozar que lhe é própria. Se a velhice é um destino singular a ser traçado por cada sujeito, ela não pode ser reduzida à idade cronológica e, muito menos, à diminuição de determinadas funções orgânicas como ficou demonstrado (MUCIDA, 2006, p.40).

Um sujeito não se reconhece como velho, mas é capaz de reconhecer um velho no outro. A atemporalidade do inconsciente deve ser aqui levada em conta, já que o sujeito em relação à condição desejante não envelhece.

O velho é o outro, em quem não nos reconhecemos. A imagem da velhice parece uma imagem “fora”, no espelho, imagem que nos apanha quando é antecipada e produz uma impressão de inquietante estranheza, (...) quando o apavorante se liga ao familiar. É o que acontece com a imagem consciente de nós próprios. Funde-se com o que está mais próximo de nós, e apesar de íntima, em nada se parece com a imagem presentificada no espelho (MESSY, 1999, p.14).

Simone Beauvoir (1970) destaca dois aspectos importantes sobre os quais podemos pensar o impacto de alguns fatores sobre os sujeitos do envelhecer. O primeiro estaria mais ligado ao biológico, seriam as manifestações que ocorrem no corpo e que vão impondo restrições. Somando-se a isso, estão os fatores emocionais, a hereditariedade, a ambiência, o padrão de vida, e os efeitos da cultura sobre a velhice. No entanto, a autora salienta que alguns desses fatores podem se

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fazer presentes em quaisquer das etapas da vida não sendo a idade cronológica um fator determinante para se conceituar a velhice.

De acordo com Mannoni (1995, p.16) “a velhice nada tem a ver com uma idade cronológica. É um estado de espírito. Existem “velhos” de 20 anos, jovens de 90.” A autora chama a atenção para a relação do desejo como um fator essencial para pensar o sujeito no processo de envelhecimento. Assim, a entrada do sujeito na velhice implicaria uma ruptura com o desejo.

Renunciar ao que se foi, cada um de nós gostaria de adiar isso para mais tarde, o mais tarde possível. É por isso que a noção de velhice, fixada arbitrariamente em 60-65 anos, com a “aposentadoria”, e comparada com o fim da vida ativa, tem por vezes, sobre alguns, efeitos traumáticos, devastadores. É a obrigação de abandonar a vida ativa que assinala a partir de então, para o sujeito, a entrada na velhice. Tal não é o caso para os que têm a sorte de encontrar nessa idade atividades substitutivas. (MANNONI, 1995, p.17)

Pensar a velhice é de certa forma nos colocarmos a pensar sobre a vida. Na vida que já foi vivida e naquela que nos resta viver, pois assim se tornará mais simples refletir e compreender o envelhecimento. A forma como a vida se organiza nos obriga desde muito cedo a fazermos certas renúncias. Envelhecer, então, pressupõe viver a cada dia renunciando a posições e desejos.

Sem dúvida a vida nos impõe muitas perdas e estas pressupõem um tempo de elaboração. Na velhice, sucessivas perdas se colocam para o sujeito e serão vivenciadas de maneira bastante peculiar, pois nesta “etapa não existe mais a esperança de um lucro” (MANNONI,1995, p.50), ao contrário das etapas que a antecedem. Estas perdas necessitam um trabalho de luto que diz respeito a si mesmo enquanto ideal narcísico, aos objetos investidos pelo sujeito (familiares e amigos) e de seu lugar social.

Freud (1917[1915]) define o luto como uma reação a perda de um objeto amado, que se caracteriza por um grave afastamento do sujeito da sua atitude normal para com a vida. O resultado é a perda de interesse pelo mundo externo à medida que esse não evoca mais o objeto investido. Embora o teste de realidade realizado pelo ego ateste que o objeto amado não existe mais, este desligamento não se faz de imediato, demandando tempo e ocorrendo de maneira lenta e penosa. No intervalo de tempo que se vive o luto, as lembranças e expectativas que fazem

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ligação com o objeto são hipercatexizadas e o desligamento da libido é realizado sobre cada uma. Ao final do trabalho de luto o ego deverá ficar novamente livre e desinibido podendo investir sobre novos objetos.

O corpo é quem geralmente dá o primeiro testemunho sobre o envelhecimento. Entendemos que na velhice esses sinais ocorrem em momentos e de formas bastante diversas de pessoa para pessoa, porém mais cedo ou mais tarde eles se apresentam, pois a transitoriedade é condição inerente a todo ser vivo. Então, à medida que os sinais da idade mais avançada vão tornando-se evidentes naquilo que de alguma forma simboliza a potência imaginária para o sujeito, seja pela beleza da juventude que se esvai, a infertilidade (menopausa/andropausa) ou a debilidade do corpo que pode remeter a castração, será necessário ao sujeito realizar o luto de si mesmo enquanto ideal narcísico. A imagem no espelho não corresponde àquela que outrora ele se identificava. O que essa imagem revela é um corpo estranho que em nada se parece com a imagem de si mesmo a qual idealizou.

Messy (1999), ao referir-se a velhice como “o tempo do espelho quebrado”, afirma que pequenas perdas atribuídas à velhice vem reativar uma imagem que não é mais a de um ego ideal, mas a de um ego revelado pela queda deste ego ideal ao qual o autor denomina de ego feiúra. O ego feiúra antecipa para o sujeito a imagem do corpo fragmentado vivido retroativamente pela criança no espelho1, o que causa angústia. “O horror de envelhecer encontra seu reflexo no espelho, sob o aspecto do eu-feiúra. Esse não pode ser o suporte, a moldura, como foi o ego ideal, para imagens objetais com que o ego se proteja e se aqueça” (p. 34).

Sobre a imagem do espelho Goldfarb (1998) destaca que este reconhecimento de si próprio

não se refere a uma ignorância do sujeito como tal, pois tanto o adolescente quanto o sujeito que envelhece sabe que aquela imagem lhe pertence, mas experimentam ante ela uma certa estranheza, um susto, como se a imagem fosse de outro: há uma falta de reconhecimento como imagem não como sujeito. Não é o rosto que lhes corresponde. Aquele ali, o velho do espelho

1No estádio do espelho a criança percebe sua imagem no espelho, se reconhece, mas também se

apresenta aí uma imagem ideal, ela experimenta a si mesmo como ainda insuficiente coordenado. Diante disso, o estádio do espelho se torna para a criança uma experiência agradável na medida em que consegue ver sua imagem total, porém desagradável quando ocorre a comparação com aquilo que ela realmente apresenta: dependência da amamentação e impotência motora. O espelho pode ser entendido como uma metáfora, à medida que a referência unificadora é o olhar da mãe, a alienação estruturante do olhar materno.

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é outro; a representação de sua face ficou perdida, e em alguns casos, como na demência, para sempre. (GOLDFARB, 1998, p.36).

Manonni (1995) ressalta que ao longo da vida o sujeito é sempre convocado a renunciar a algo, necessitando realizar lutos constantes. Renuncia-se à infância, à adolescência, à adultêz, isto se faz na eminência de um lucro que na velhice não se evidencia, resultando em perdas radicais. O que resta na velhice é a rememoração da vida vivida junto aqueles a quem se ama/amou.

Esse trabalho de luto (do que se foi) tem necessidade de ser sustentado por uma dimensão narcísica idealizada, para que, mesmo decaído, o sujeito seja assegurado de encontrar no Outro um garante, à falta do qual é através de sua própria imagem decaída que ele irá atacar o objeto que se tornou. (MANONNI, 1995, p. 50)

Além da questão do corpo, a perda dos pais, a morte dos amigos e/ou do cônjuge representam situações onde o sujeito através da identificação a estes é lançado num confronto com a sua própria morte. É a solidão geracional de que nos fala Belato (2009) “que emerge do desaparecimento do seu tempo vivido nos outros, dos que viveram o mesmo tempo que ele e que só pode com eles ser partilhado (p.17)”.

Para os velhos que recebem os cuidados dos filhos, a inversão dos papéis familiares pode assinalar para o sujeito idoso um esvaziamento do valor narcísico de sua imagem, à medida que é a nova geração que passa a ocupar o papel do qual outrora ele era protagonista. Este fato, somado à ausência daqueles que deram testemunho de sua vida, ou então de alguém com quem possa dividir acontecimentos novos ou antigos, pode lançar o sujeito à constatação que seu tempo acabou, passando a ver o valor perdido de sua imagem no espaço social.

As relações do homem com a velhice são determinadas por aspectos históricos, econômicos e culturais, que estabelecem as bases das representações simbólicas desta em cada sociedade. Historicamente, a velhice apareceria como positiva quando associada à experiência, sabedoria, respeito e maturidade ou enquanto estivermos vendo algum tipo de atividade e independência do velho, ou seja, enquanto ele ainda está saudável e ativo. Na cultura capitalista, os ideais sociais de beleza e juventude expressariam o lugar que o velho ocupa na sociedade

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contemporânea quando não é capaz de corresponder aos seus ideais, ou seja, o lugar ou a condição de abandono e exclusão social. Isto coloca o velho a fazer também o luto de seu lugar social conforme este modelo de sociedade lhe demanda.

Essa cena da qual, vagarosamente os mais velhos vão saindo, para não suportar as conseqüências devastadoras – dum esvaziamento do valor narcísico de sua imagem. É neste impasse que o sujeito se refugia –se atina a fazê-lo – nos melhores símbolos de sua vida, na sua obra-prima, no resgate moral da tradição que transmitiu, numa certa regressão aos princípios e crenças e religiões que o orientaram. São, estas, formas restitutivas, no simbólico, do valor perdido de sua imagem no espelho social; porque o tempo real o empurrou para “fora do filme”. (JERUSALINSKY, 1996, p.5)

As modificações sofridas no corpo, somadas às inúmeras perdas objetais e sociais, todas estas, exercem suas conseqüências sobre o narcisismo dos sujeitos. O termo narcisismo foi utilizado por Freud (1914) para designar o desenvolvimento (deslocamento) da libido que é investida sobre o próprio ego. O narcisismo se coloca em algum ponto entre o auto-erotismo e o amor objetal. O autor distingue dois tipos de narcisismo: o narcisismo primário e o secundário.

No narcisismo primário a busca de satisfação das pulsões será auto-erótica, isto é, o próprio corpo é tomado como objeto amoroso. Neste momento a criança ainda não se diferencia dos objetos do mundo externo. As pulsões de auto-preservação se confundem com as sexuais não sendo possível uma distinção entre as mesmas. As pulsões sexuais entendidas como a erotização do corpo da criança pelas marcas do desejo materno, não são primeiramente reconhecidas como externas ao ego, mas como parte do próprio ego. Freud observa que “os instintos sexuais estão, de início, ligados à satisfação dos instintos do ego; somente depois é que eles se tornam independentes destes” (p.94). Na fase narcísica, onde a satisfação é auto-erótica, o ego adota uma posição de indiferença ao mundo externo. O amor emana da capacidade do ego de satisfazer-se auto-eróticamente. “Dizemos que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele – e ao fazê-lo estamos postulando a existência de um narcisismo primário em todos” (p.95).

No narcisismo secundário, a libido passa a ser investida sobre os objetos do mundo externo e há um movimento de retorno da libido ao ego. O advento da castração possibilita ao ego abandonar a posição narcísica e a procurar os objetos

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no mundo externo para obter a satisfação. O ego então investe os objetos apropriados à satisfação pulsional. A sensação prazerosa obtida nesta experiência permite que o ego faça a introjeção do objeto, isto é, o ego passa a sentir como se o objeto fosse uma parte dele próprio. Da mesma forma como acontecia originalmente na posição narcísica o ego passa a amar o objeto, uma vez que este é parte dele.

Falar sobre narcisismo implica pensarmos na relação do sujeito com a sua imagem que se forjou sobre os moldes do ideal do ego. A imagem narcísica perdida para sempre da qual este se torna representante e que o sujeito tenta a todo instante recuperá-la por meio do investimento nos objetos no intuito de ser amado.

Esse ego ideal é agora o alvo do amor de si mesmo (self-love) desfrutado na infância pelo ego real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcísica de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal (Freud, 1914, p.100).

O processo de constituição do eu é estruturante, mas não deixa de se atualizar. Este processo ocorre a partir de nossa relação com o outro semelhante e o Outro entendido como uma instância que dá conta da dimensão simbólica e compreende um conjunto de marcas que preexistem ao sujeito: a cultura, a linguagem, o desejo, os significantes, os ideais. Esta atualização ocorre ao longo de nossa vida e para cada fase se projetam ideais a serem perseguidos que se moldam de acordo com a demanda social. Na sociedade contemporânea a infância é idealizada como um momento de despreocupação e inocência. Na adolescência (mesmo sendo uma fase conturbada) estão projetados os ideais de felicidade, liberdade, autonomia e plenitude, também é um tempo onde para o jovem tudo é possível já que “ele tem o futuro pela frente”. Neste contexto, cada vez mais, o ideal do adulto vem se tornando permanecer na adolescência. Mas e o velho?

Na velhice está-se diante de uma curiosa contração do tempo: uma minimização do futuro, da qual se extraem as principais significações da vida que ainda resta. Como acontece na infância – disto resultam as

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coincidências entre velhos e crianças – o fantasma fundamental está no futuro mas, agora, como restringido a expressão mínima. Por isso se torna imperioso achar quem possa estender esse tempo numa continuidade simbólica. Este é o ponto nodal que enlaça netos e avôs numa paixão que tenta ser sem limite. Precisamente porque é o rompimento do limite – o que separa a vida da morte – que se encontra o fundamento dessa relação. (JERUSALINSKY, 1996, p.6)

Kamkhagi (2008) aponta duas vertentes do envelhecimento: uma que chamou fase saudável em que o sujeito pode produzir, e a outra ela chamou de impeditiva, onde o sujeito se afasta de todos os vínculos e entrega-se à espera da morte. Esta última fase ocorre quando o sujeito não pode mais negar as perdas (cognitivas, aparência corporal, capacidade física) que em conjunto afetam a potência e atingem especialmente as pulsões narcísicas de apoderamento e auto-afirmação (competência e atratividade). Para compensar a castração, o sujeito lança como defesa uma saída fóbica e passa a recolher-se naquilo que lhe é familiar, evitando assim o contato com o novo. Disto decorrem outras manifestações tais como depressão e ansiedade. A autora alerta para “uma alteração do Eu” que se dá por um processo gradual e dolorido de desidentificação. Não se trata de um recolhimento da libido investida dos objetos ao Eu, mas da perda de aspectos e identificações do Eu.

Diante de todas as rupturas que se colocam na velhice, não é difícil entender o refúgio que se busca no passado ou naquilo que lhe é familiar. Os investimentos nos objetos por meio dos traços identificatórios introjetados no ego lhe conferem uma identidade e uma significação. Este refúgio no passado (que pode ser tomado como uma resistência ao novo) aparece como a busca de enlaçamento no ideal do eu numa tentativa de restituição da imagem. Em contrapartida, as possibilidades de investimento libidinal nos objetos vão se tornando cada vez mais restritas devido aos impedimentos que são mais numerosos nessa etapa. Podemos pensar aqui não só num desinvestimento do sujeito para com o seu desejo, mas também num desinvestimento do Outro para com o velho. A imagem do velho em nossa sociedade é bastante desvalorizada. Em conseqüência disto, o que o Outro lhe devolve é um lugar marginalizado, sem perspectivas de novas aquisições. Acentuam-se à velhice somente as perdas um lugar de morte.

O Eu só se preserva na medida que se reconheça a si mesmo (e ante os outros) em uma continuidade temporal, como um existente sustentado por

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uma história permanente. A reminiscência é a insistência dessa história. História que insiste em dizer que os fatos vividos foram constitutivos de uma identidade (...). Se a história insiste sempre “no mesmo” é porque a projeção temporal na linha do futuro está demasiadamente encolhida, mas também porque embora o objeto procurado seja sempre o mesmo, o achado é sempre diferente, sempre um substituto; assim repetição e reminiscência estruturam o mundo dos objetos. Ante a impossibilidade de investir o porvir, o eu se defende da destruição investindo no passado, não só para evitar que as lembranças se “evaporem”, mas também como forma de entender, criticar e agir sobre o presente. Existe então uma conservação do passado no presente como verdadeira re-elaboração, uma tendência a incluir o passado em construções cada vez mais vastas que acabam por transformá-lo (GOLDFARB,1998,p.60).

A situação de isolamento enfrentada pelos idosos seja no âmbito das relações familiares ou sociais leva ao enfraquecimento dos vínculos construídos ao longo de sua trajetória de vida e a perda de seus referenciais. Isto faz com que o idoso tenha a sensação de não pertencimento ao mundo, fazendo com que estar no mundo se torne demasiadamente doloroso e a vida perca o sentido, à medida que a história que conta necessita de um eco no outro/Outro para que haja elaboração.

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3. A VELHICE NA CULTURA OCIDENTAL

3.1 O olhar sobre a velhice: um breve histórico

A história da velhice fala de um papel social, de uma temporalidade da vida humana relacionada às demais fases da vida, ao ciclo produtivo, reprodutivo e a divisão social do trabalho. O lugar social ocupado pelo velho em cada sociedade se dá em decorrência daquilo que se espera do homem em termos de tarefas e responsabilidades para com a comunidade, e dá a dimensão de seu status em diferentes contextos culturais, embora não expresse necessariamente a condição de ser velho.

De acordo com Belato (2009) as sociedades antigas não contavam o tempo do mesmo modo que fizemos hoje. Ser velho era poder ver em torno de duas gerações de seus descendentes (filhos e netos), já que a expectativa de vida era muito baixa e dificilmente se ultrapassava os 30 anos. Neste contexto “as crianças trabalhavam desde cedo e aprendiam seus ofícios numa rígida divisão sexual e social de trabalho. E por volta de 14 ou 15 anos de idade iniciavam seu ciclo reprodutivo” (p.24). Eram considerados velhos em torno de 28 ou 30 anos quando já tinham netos.

O papel social desempenhado pelo velho na antiguidade era de grande importância. Atuavam como guardadores da memória coletiva, membros de conselho da comunidade, cuidadores dos netos, sábios e juízes. Contudo, Belato vai alertar para o fato de que a história não nos fala de todos os velhos quando nos conta sobre poder e riqueza, mas de apenas uma parcela desta população da qual os escravos, as mulheres e os pobres não tinham participação. Em função disso

Os velhos úteis, válidos, mereciam estima, respeito, alimento e cuidados. Os velhos dementes e senis deixavam de ser gente, não mereciam a consideração dos mais novos e não podiam continuar vivendo. Eram, por isso, sacrificados ritualmente ou abandonados a sua sorte e morriam de fome e doença. O velho, por isso, deslizava de uma condição para outra muito rapidamente. A consciência coletiva das sociedades antigas não atribuía ao velho demente uma condição propriamente humana. Por isso, podia ser abandonado ou morto (BELATO, 2009, p.25)

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Na Idade Média surge a ideia da caridade, oriunda do cristianismo, e a partir disso, a classe dominante começa a demonstrar uma preocupação para com os velhos pobres que passam a ser acolhidos nas enfermarias dos mosteiros, nos conventos e nos hospícios. A Idade Média considera os velhos como pertencendo à categoria dos desvalidos, necessitando de assistência. O desejo de exclusão encontra-se mascarado pela idéia da caridade.

No Renascimento (marcado pelos signos da beleza e juventude) a velhice passou a ser interpretada como doença tornando-se objeto da medicina. Os sinais do envelhecimento são fortemente rejeitados, escondidos e disfarçados. É também uma época onde velhice era sinônimo de tristeza e angústia, um momento dramático que justificaria até mesmo a prática do suicídio e da eutanásia. Segundo Guarini (2006 apud BELATO, 2009, p.26)

No Renascimento a literatura e as artes exprimem o culto da beleza física e do vigor da juventude. O velho é relegado e a velhice interpretada como um estado de doença crônica, cujos sinais é preciso esconder. É a época dos perfumes, perucas, e dos elixires da vida longa. Importa mais parecer do que ser.

Destes períodos até nossos dias a longevidade humana aumentou consideravelmente. Nos dias atuais a expectativa de vida gira em torno dos 74 anos, e isto tem reflexo nas políticas públicas, que passam a dispensar maiores preocupações para com a população de idosos.

As divisões etárias são criações arbitrárias que em nossa sociedade vem dar conta dos papéis sociais que cada categoria (crianças, adolescentes, adultos e idosos) assume de acordo com padrões de vida pré-estabelecidos e que demonstram a plasticidade cultural e as transformações ocorridas nessas noções ao longo da história. O status da pessoa idosa é determinado em cada cultura pela classe dominante em conjunto com toda população ativa, que por muitas vezes parece estar alienada do fato de que o lugar ocupado pelo velho de hoje é o mesmo que será ocupado por eles próprios no futuro.

O envelhecimento da população suscita um novo problema para as democracias capitalistas (...). As pessoas idosas não são somente muito mais numerosas que antigamente: elas se integram também mais espontaneamente à sociedade; esta se vê obrigada a decidir a respeito de

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seu estatuto e esta decisão só pode ser tomada em nível governamental. A velhice se tornou objeto de uma política (BEAUVOIR, 1970, p. 249).

As concepções da velhice são diferentes em cada cultura, por isso não podemos falar sobre a representação do velho de forma unânime. Além do mais, o modo como a velhice é vivenciada subjetivamente é singular para cada sujeito. Contudo, ao observarmos alguns elementos presentes na cultura ocidental como, por exemplo, os significantes em torno da organização do trabalho; podemos inferir como o discurso sobre a velhice pode influenciar nosso modo de ver e viver o envelhecimento.

Segundo Beauvoir (1970) nas sociedades antigas o trabalho estava intimamente vinculado a existência, onde as tarefas domésticas e produtivas confundiam-se. As atividades desempenhadas eram aquelas que garantiam a subsistência das famílias como a agricultura e o artesanato. Na maioria das profissões, a experiência acumulada pelos anos de trabalho garantia ao velho a permanência no seio da família, uma vez que o ofício era passado de geração a geração. Nesse sentido, a sociedade antiga se difere da atual pelo fato de que o velho, mesmo ao se tornar inteiramente incapaz, continuava a viver no seio da família, que garantia o seu amparo, não necessitando que a coletividade se ocupasse deles.

Se nas sociedades antigas era possível trabalhar com uma profissão exercida de geração em geração, hoje esta possibilidade quase não existe mais. O comum é que o homem se prepare para o mercado de trabalho e esteja sempre pronto para suas exigências. Estar pronto para assumir um cargo pode significar que este seja em qualquer lugar cidade, estado ou país. É comum em nossa sociedade as famílias estarem cada vez mais longe geograficamente uma das outras, o que dificulta e fragiliza os seus laços cada vez mais.

Hoje em dia, o operário mora num lugar e trabalha noutro, em condições puramente individuais. A família nada tem a ver com sua atividade produtora. Reduz-se a um ou dois casais de adultos, carregados do filho ainda incapazes de ganhar sua subsistência; não podem, com seus magros recursos, sustentar os velhos pais. Contudo, o trabalhador atual se vê condenado a inatividade muito mais cedo que o de outrora: a tarefa em que se especializou permanece a mesma durante toda a sua vida e não se adapta às possibilidades de todas as idades (...). No fim do século XIX, o velho operário privado do emprego era dramaticamente entregue a seu

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próprio destino. As coletividades se viram na contingência de enfrentar o problema. Mas não o fizeram sem relutância (BEAVOUIR, 1970, p.250).

Desde a era industrial, o trabalho do homem vem sendo substituído pelo das máquinas. São elas as responsáveis pela produção, o homem tem função de operá-las e por isso torna-se descartável com mais facilidade. A produção em escala industrial torna o trabalho mecânico e automático, tirando todo o caráter artesanal (pessoal; criador) e de sobrevivência da antiguidade. O trabalho domina o ser humano e seu produto não lhe pertence. Giddens (1992 apud DEBERT, 2004, p.53) afirma que

Nas sociedades pré-modernas, a tradição e a continuidade estavam estritamente vinculadas com as gerações. O ciclo de vida tinha forte conotação de renovação, pois cada geração redescobria e revivia modos de vida das gerações predecessoras. Nos contextos modernos, o conceito de geração só faz sentido em oposição ao tempo padronizado. As práticas de uma geração só são repetidas se forem reflexivamente justificadas. O curso da vida transforma-se em um espaço de experiências abertas e não de passagens ritualizadas de uma etapa para outra.

Dessa perspectiva, o conceito de geração pode ser entendido como um tempo no qual as pessoas podem compartilhar as mesmas experiências sem necessariamente fazerem parte de uma mesma faixa etária. Estas experiências não se restringem apenas aquelas compartilhadas no âmbito familiar, incluindo também as relações extra-familiares. Percebemos uma mudança de paradigma entre a experiência moderna e o que se configura como característica da sociedade ocidental pós-moderna onde observamos uma forte tendência à descronologização da vida, de maneira que “a geração é menos marcada pela idade das pessoas que a compartilham do que pela vivência de determinados eventos que marcam trajetórias passadas e futuras” (KRIEGEL, 1978 apud DEBERT, 2004, p.52).

Com base em Debert (2004), compreendemos que a idade cronológica tornou-se uma dimensão fundamental no modo de organização social da modernidade, que passou a institucionalizar o curso de vida em todos os âmbitos: familiar, trabalho, educação, mercado de consumo e políticas públicas. Este modo de organização pode ser pensado a partir de dimensões diversas como uma resposta às mudanças estruturais da economia, que tinha como base a unidade doméstica e que passa a ser substituída pelo mercado de trabalho. E inversamente,

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pelo fato de que o Estado Moderno passa a legislar sobre questões que diziam respeito apenas a esfera privada e familiar, transformando estas em problemas de ordem pública, passando a regulamentar as etapas da vida e a definir os papéis sociais, bem como os direitos e deveres dos cidadãos.

É necessário, pois, analisar que as pensões e aposentadorias são políticas oriundas desta nova organização, a qual tem como base a cronologização da vida. De acordo com Beauvoir (1970) as pensões foram criadas como uma forma de recompensa aos trabalhadores pelos serviços prestados, sendo inicialmente concebidas aos operários assalariados das empresas comerciais e industriais. Em alguns países foram criados seguros sociais destinados a amparar trabalhadores contra os acidentes de trabalho e a invalidez da velhice; cotas eram cobradas tanto dos empregadores quanto dos operários. Em 1891, na Dinamarca, a aposentadoria era garantida aos assalariados e financiada pela arrecadação de impostos. Este modelo foi posteriormente adotado também por outros países da Europa.

Nos contextos atuais, a idade para aposentadoria, bem como os direitos dos aposentados, são determinados pelos Estados em legislação específica e de acordo com as características de cada ocupação, podendo ocorrer mais cedo ou mais tarde. É importante salientar que a aposentadoria é um marco fundamental quando o assunto é o envelhecimento, por trazer implícitas as noções de produtividade e improdutividade, as quais podem influenciar o destino do velho no tocante ao lugar que este passa a ocupar socialmente e subjetivamente quando se entende que já não é capaz de contribuir para com a sociedade.

Entendemos que, embora exista uma tendência à flexibilização nos padrões de comportamento baseado no apagamento das fronteiras que separavam idade cronológica e estágios de maturidade, esta não deixará de exercer influência sobre a determinação de normas e comportamentos sociais, uma vez que se tornou

um mecanismo cada vez mais poderoso e eficiente na criação de mercados de consumo, na definição de direitos e deveres e na constituição de atores políticos, sobretudo porque perderam qualquer relação com estágios de maturidade física e mental. É para o modo pelo qual nesse contexto, a velhice é transformada em uma responsabilidade individual e, por isso, pode ser excluída do nosso campo de preocupações sociais que interessa atentar, discutindo o caráter possivelmente libertário, bem como as lógicas de exclusão que poderiam estar orientando o curso dessas transformações (DEBERT, 2004, p.58-59).

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Podemos inferir com Debert (2004) que na modernidade a ideia de aposentadoria encontra-se intimamente vinculada à velhice caracterizada como um tempo de improdutividade. O idoso é visto como vítima do abandono da família necessitando do acolhimento e proteção do Estado. Na experiência contemporânea velhice e aposentadoria aparecem dissociadas contrariando a lógica moderna e contribuindo para a transformação do idoso em ator político. Em função disso surge um novo mercado apoiado na concepção de aposentadoria ativa, onde são criadas novas oportunidades, baseada na idéia do consumo para uma categoria anteriormente marginalizada e estigmatizada. Nessa nova perspectiva as políticas públicas são orientadas para além dos problemas econômicos dos idosos promovendo novas formas de cuidados culturais e psicológicos.

Na experiência contemporânea, os signos do envelhecimento vêm sendo invertidos. Da mesma forma invertem-se os signos da aposentadoria que passa a ser entendida como um momento de atividade e lazer deixando de lado a associação aos signos de descanso e inatividade. Essa nova perspectiva aparece como positiva, à medida que abre novas oportunidades de viver a experiência do envelhecimento, deixando de acentuar somente as perdas para valorizar os ganhos que se obtém com o avanço da idade. Por outro lado, devemos atentar para o fato de que a juventude eterna é a grande promessa da atualidade, o que significa que a idade avançada, quando limita o sujeito em sua autonomia e este passa à condição de dependência, pode levar à estigmatização do velho, e a experiência da velhice passa a ser novamente marcada por estereótipos negativos.

3.2 As formas contemporâneas do envelhecer

A história da velhice não é outra senão a história do homem. Ao longo desta, o papel social do velho vem sendo determinado por representações que gradualmente vão se modificando, assim como se modifica o pensamento humano a respeito de suas relações com o Outro/outro. Em cada momento histórico, a velhice é significada e ressignificada, sofrendo transformações nos valores sócio-culturais que implicam na subjetividade e nas representações sociais.

Na modernidade, novas tecnologias surgem no combate aos sinais do tempo e se estendem da cirurgia plástica à clonagem humana. A medicina não se restringe ao tratamento de doenças ou debilidades físicas que acometem os idosos, mas

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também na incessante busca de “parar o tempo” (envelhecimento natural das células) ou de retardá-lo ao máximo.

Quando tomada como mal e sofrimento, a velhice nos remete a uma visão bastante negativa do envelhecimento, o que contribui para que os esforços em adiar esse acontecimento estejam cada vez mais acirrados. No contexto ocidental, o que observamos é uma supervalorização dos ideais narcísicos vinculados à imagem de felicidade e perfeição disseminada pelas mídias. Os principais representantes destes ideais são: o culto ao corpo, a beleza, a juventude, a saúde e o poder de compra.

Segundo Mucida (2006) o que persiste ainda, em diferentes culturas, com relação à velhice são

o terror e o temor daquilo que a velhice expõe – a castração em suas variantes –, perda do vigor sexual, da força, da beleza, da agilidade enfim, do poder fálico em seus diferentes matizes. É evidente que quanto mais enlaçada ao corpo e às demonstrações fálicas é a cultura, mais a velhice se torna um palco de sofrimento para aqueles que a contemplam ou a vivenciam (MUCIDA, 2006, p.70).

Nas sociedades que seguem os ditames do capitalismo, o fato de existir no mundo não basta pra ser visto como cidadão de direito. De acordo com Featherstone (apud DEBERT, 2004, p.67) para ser aceito como tal é indispensável demonstrar a posse de algumas competências principais tais como:

1. Habilidades Cognitivas – baseadas no uso da linguagem e na capacidade de comunicação, vitais para uma pessoa tornar-se autônoma e aceita. 2. Controles do corpo – a necessidade de controlar os movimentos do corpo,

os movimentos dos nossos membros, rosto e cabeça o grau de capacidades motoras que envolvem sentar, ficar de pé e andar, tanto quanto a capacidade de conter e reter os fluidos corporais.

3. Controles Emocionais – a necessidade de controlar a expressão das emoções – raiva, ira, inveja, ódio, choro, amor, desejo – de modo que explosões emocionais e perda de controle somente tomem lugar em ocasiões e formas que possam ser socialmente sancionadas e aceitáveis (FEATHERSTONE, apud DEBERT, 2004, p.67).

A perda das capacidades física e intelectual podem se tornar motivo de grande sofrimento entre os idosos quando estes são destituídos de um estado de autonomia para serem reinscritos noutro lugar, que pode ser o da infância, pelos cuidados que necessita quando encontrar-se num estado de dependência. A partir disso, entendemos que envelhecer requer certo poder de enfrentamento do sujeito,

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que ao confrontar-se com aquilo que a cultura impõe como necessário para produção de laço social, percebe-se na contramão deste processo. O afrouxamento deste laço tende a acontecer justamente quando o sujeito não consegue responder a esta demanda.

No caso do idoso, o corpo se torna palco de mudanças progressivas que não poderão ser negadas eternamente (nem mesmo pela tecnologia). Não se trata de parecer belo e/ou potente a si próprio, mas principalmente para o Outro; o temido encontro com a castração encontra-se vinculado ao horror à perda de amor deste Outro numa atualização do desamparo.

Podemos então pensar que, enquanto a criança se rejubila ante o espelho antecipando sua unidade corporal, o sujeito que envelhece se deprime, antecipando a decrepitude da velhice e a finitude da morte. (...) A antecipação do envelhecimento encontra seu reflexo no espelho sob a forma de um eu de feiúra que é rejeitado (“esse não sou eu”) e que pode se manifestar desde uma simples estranheza até um verdadeiro horror. Ou seja, instala-se uma tensão entre o Eu Ideal e o Eu, que deve ser regulada pelo Ideal do Eu que, como instância representante do social e seus discursos pode não estar outorgando um lugar de sujeito desejado. Caso este sujeito não encontre um lugar de reconhecimento, o Ideal do Eu não tem como sustentar sua função reguladora. (GOLDFARB, 1998, p. 36-38).

A criação de etapas no interior da vida adulta é uma das marcas contemporâneas. Segundo Debert (2004) a maturidade tem se tornado o principal alvo destas tentativas de (re)significação, as quais reconhecemos em nossa cultura por meio de expressões, como: “idade da loba”, “meia idade”, “aposentadoria ativa”, “melhor idade”, “terceira idade”, entre outros. Estes diferentes tempos desafiam os comportamentos convencionais e desabilitam imagens culturais tradicionais pela revisão dos estereótipos. Essa (re)significação do envelhecer tem como principal objetivo lançar novas maneiras de viver o envelhecimento duma perspectiva mais otimista e que se distancia cada vez mais da imagem negativa de sofrimento.

Seguindo estes preceitos modernos, a “melhor idade” inova ocupando espaços de convivência que eram antes pensados apenas para jovens, ou freqüentando espaços próprios de convivência, como por exemplo, os bailes da “terceira idade”, onde supostamente podem mostrar o desejo e exercer sua sexualidade “longe” dos preconceitos sociais. Entretanto, precisamos atentar para estas mudanças de paradigma sobre o envelhecimento de uma perspectiva mais

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ampla, que contemplem também a exploração de novos mercados baseados na (re)afirmação dos ideais vigentes e na exclusão daqueles que não o correspondem.

A promessa da eterna juventude é um mecanismo fundamental de constituição de mercados de consumo. (...) O curso da vida como construção social e cultural não pode ser entendido como algo que os seres humanos podem fazer e refazer, um processo que não impõe limites à criatividade e ao qual qualquer sentido pode ser atribuído. (...) A constituição do envelhecimento como um novo mercado de consumo sugere, por um lado, que o corpo é pura plasticidade e que é dever de todos manterem-se jovens. Por outro lado, é próprio dos experts em gastos públicos transformar o envelhecimento populacional em problema nacional, em que as projeções sobre os custos da aposentadoria e da cobertura médico-assistencial à velhice indicam a inviabilidade, a curto prazo, de seu sistema financeiro. (DEBERT, 2004, p. 66-68).

O sistema econômico capitalista pressupõe a produção e o consumo. Neste contexto, a aposentadoria surge como signo de inatividade levando a uma desvalorização do sujeito que tem por conseqüência a exclusão. Por outro lado, os esforços empreendidos para que os sujeitos cheguem à velhice de forma saudável e ativa parecem ter surtido efeito numa camada cada vez mais abrangente da população. A imagem do velho na sociedade capitalista é a do “velho jovem”, ativo e independe; um sujeito dotado de autonomia e preparado para viver plenamente a melhor etapa da vida. A velhice é também vista como um tempo para retomar antigos sonhos e viver novas experiências. É esta imagem da velhice que dá suporte à exploração do novo mercado, criando novas necessidades de consumo e investindo em inúmeras alternativas capazes de preencher o tempo livre dos idosos.

Uma característica marcante do mercado para a terceira idade é oferecer atividades específicas para essa população nas quais há uma convivência exclusiva com pessoas que estão em torno da mesma faixa etária e que, supostamente, teriam objetivos em comum. O que chama atenção é o fato de que, mesmo quando se abre um espaço de circulação para o velho, este espaço venha a ser de segregação, uma vez que o idoso deveria poder circular por todos os espaços, sem distinção, e não somente em espaços determinados socialmente como “para a terceira idade”.

Na atualidade, temos duas imagens bastante contrastantes que nos falam do envelhecimento: uma imagem negativa carregada de sofrimento, caracterizada pelo velho doente, dependente e senil, e outra imagem positiva caracterizada pelo velho

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saudável, ativo e autônomo e, portanto, feliz. Estas duas imagens nos colocam a pensar a velhice como uma questão de escolha, ou melhor, de auto-convencimento, à medida que o “velho jovem” não chega a ser propriamente um velho em todo sentido que a palavra nos remete. Isto leva a crer que seja possível nos mantermos para sempre nessa espécie de limbo que se tornou a maturidade segundo o modelo contemporâneo.

Debert (2004) constatou em pesquisa desenvolvida com dois grupos de aposentados - um pertencente a programas destinados a terceira idade, composto principalmente por mulheres; e outro, composto em sua maioria por homens, participantes das associações de aposentados - que quando perguntados sobre o que é estar velho há uma convergência para com a ideia de que o velho é sempre o outro. No entanto, a autora identificou nesses grupos pontos de vista bastante distintos sobre esta fase da vida. Os grupos da terceira idade possuem uma maneira própria de se contrapor aos estereótipos e discriminações. Neles, a ênfase está centrada nas mudanças culturais. “Os programas de terceira idade criaram um espaço coletivo para a redefinição de formas de sociabilidade” (p.189), as mulheres encontram junto aos grupos novas formas de viver sua liberdade uma vez que, ao longo da história, estiveram subordinadas aos pais, ao marido e as convenções sociais. Estes grupos reconhecem a importância política do movimento dos aposentados, porém denunciam o machismo presente no interior das associações onde a mulher não tem voz.

No grupo composto pelos membros das associações dos aposentados os integrantes se apresentam como ex-trabalhadores, provedores do lar, que enfrentam sérias dificuldades, sobretudo financeiras. Lutam contra os preconceitos e estereótipos com relação à velhice onde o principal objetivo é beneficiar à sociedade como um todo. Estas associações possuem uma visão bastante negativa sobre os grupos de terceira idade, sua opinião é de que

esses programas têm um cunho assistencialista que desvia a população de mais idade de seus interesses reais. São, ainda, formas de infantilização e segregação dos idosos em novos tipos de creches que impedem que o idoso dê uma contribuição valiosa para as gerações mais jovens, criando uma sociedade mais justa. (DEBERT, 2004, p.177)

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Tornstam (1992 apud Debert, 2004, p.227) reconhece o lado positivo das mudanças ocorridas, na atualidade, no tocante aos estereótipos da velhice e que abrem novas possibilidades de enfrentamento desta experiência, que não necessita ser um momento onde se acentuam somente as perdas. Entretanto, alerta para um lado perverso no tocante às imagens disseminadas pelas mídias que apresentam os idosos como sujeitos em plena atividade, a questão é

considerar como seres problemáticos, que necessitam de motivação, aqueles aposentados ou idosos que não se empenham em desenvolver uma nova carreira ou um novo conjunto de atividades de lazer, ou, ainda, que não se envolveram ativamente em programas de manutenção corporal. (...) Um novo ideal de produtividade emerge de um conjunto de receitas que ensinam, aos que não querem se sentir velhos, a maneira adequada de dirigir a vida e participar de atividades preventivas.

Este conjunto de imagens obedece a uma lógica: a do capitalismo. Desse ponto de vista é preciso atentar para uma série de questões, a fim de não tomarmos a velhice como uma responsabilidade unicamente individual e não mais como uma questão de interesse coletivo. Há também o fato da aposentadoria estar associada à inatividade, de onde surge a criação e ampliação desse novo mercado sustentado pela imagem do velho ativo que não deixa de colocar novamente o sujeito a serviço do capital, desta vez não como agente da produção, mas, como um consumidor em potencial. A partir disto, podemos compreender os esforços dos meios de comunicação de massa em divulgar esta nova imagem conhecida como “terceira idade” e, junto a ela, os especialistas que nos ensinam formas de prevenir o envelhecimento, tudo em busca da longevidade com a melhor qualidade de vida, pois não basta chegar lá, é preciso que se chegue com saúde.

A representação da inatividade relacionada à aposentadoria tem a ver com a organização de nosso modelo econômico. “A economia baseia-se no lucro, é praticamente a ele que está subordinada toda a civilização: o material humano só desperta interesse à medida em que pode ser produtivo”. (BEAUVOIR, 1970.p. 11). Neste contexto, a aposentadoria encontra-se diretamente vinculada ao fim da força de trabalho, assim, aposentado e velho tornaram-se sinônimos de inatividade.

Na contemporaneidade, ocorre a dissociação dos significantes aposentadoria e velhice, devido à ampliação dos setores que abrangem o trabalho considerado produtivo. Assim, “passando a abarcar setores com níveis mais altos de aspirações

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e de consumo, a aposentadoria deixa de ser uma forma de assegurar apenas a velhice dos mais pobres” (DEBERT, 2004, p.59), passando a tornar-se, também, objeto dos experts em gestão da aposentadoria.

Devemos considerar, que nem todos os velhos podem usufruir das benesses do mercado destinado à terceira idade, à medida que a aposentadoria não proporciona a todos o mesmo poder de compra. Nesse sentido, envelhecer com saúde abre um leque de possibilidades para que se gaste o dinheiro de outra forma que não em medicamentos, considerados hoje a maior despesa no orçamento dos idosos. Salientamos que a impossibilidade de usufruir das inúmeras propostas de atividades e produtos disponíveis e que identificam o idoso com a imagem de “velho ativo”, tem como conseqüência a sua exclusão, uma vez que o velho inativo está associado à imagem de doente e senil.

A preocupação para com os idosos é muito diferente em cada sociedade e depende muito do momento histórico que cada uma atravessa, do que elege como prioridades, das crises econômicas, de aspectos culturais e religiosos, entre outros. O direito à aposentadoria sofreu e sofre variações ao longo do tempo sob a influência desses mesmos fatores. Cada sistema de governo em cada país determina a quem ela será destinada e o modo de subsidiar esses custos.

Em sua origem, a aposentadoria deriva das pensões consideradas como recompensas e dos seguros sociais criados com intuito de cobrir acidentes de trabalho com vistas a proteger os trabalhadores da invalidez na velhice. Estes surgem no século XIX, e tem por objetivo dar assistência aos assalariados trabalhadores da indústria, aos militares, marinheiros e ferroviários, tornando-se, com o passar do tempo, cada vez mais abrangente pela incorporação de novos setores como pertencentes à classe trabalhadora.

Salientamos que quando surgem às primeiras pensões, estas são tomadas como forma de abono, recompensa, assistência e segurança frente à invalidez ou amparo. Os valores pagos eram bastante baixos em comparação aos salários dos trabalhadores na ativa. Uma vez associados à inatividade e a figura do velho como doente e dependente da família ou do Estado, aposentado e velho tornaram-se sinônimos e mesmo após alcançar o status de direito o estigma ainda permanece.

Segundo Debert (2004) no Brasil, até os anos trinta, as aposentadorias dependiam basicamente da política interna estabelecida pelas empresas juntamente aos trabalhadores através de Caixas (CAPs), espécie de aposentadoria privada. A

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partir dos anos 30, houve a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e as caixas cederam lugar aos Institutos que “abarcam categorias profissionais em nível nacional, e, neles, o Estado e os sindicatos têm uma presença mais efetiva na gestão dos recursos”. (p.165-166). Em 1966, ocorreu a unificação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS – reunindo todos os Institutos numa organização única; a questão da aposentadoria é desvinculada da questão sindical.

O Ministério da Previdência Social foi criado em 1974, sem nenhuma vinculação com o ministério do trabalho. Com a criação deste ministério, os sindicalistas passam a voltar suas iniciativas aos trabalhadores na ativa. Diante dessa nova realidade, surgem as associações dos aposentados que nos anos 80 tiveram um status marginal, mas que a partir dos anos 90 com o movimento pela luta dos 147%2 ganham visibilidade política. A luta dos aposentados “mobilizou a opinião pública de tal forma que mesmo os governistas acabaram se posicionando contra o governo, o qual argumentava o caos econômico e social e a falência do orçamento público”. (DEBERT, 2004, p. 168). Nos modelos de aposentadoria que conhecemos hoje o Estado determina o tempo e a forma de custear esse direito.

Segundo Beavouir (1970) as sociedades deveriam levar em conta pelo menos dois fatores para decidir sobre a categoria ativo/inativo que são: o seu próprio interesse e o interesse das pessoas que se aposentam. No entanto, em alguns países capitalistas “se leva em conta quase exclusivamente o interesse da economia, isto é, o do capital, e não o dos indivíduos”. (p. 253).

Deste modo, podemos inferir que a Previdência Social também possui seus interesses no “novo velho” uma vez que estar na terceira idade pressupõe aptidão para fazer muitas coisas, entre elas, continuar trabalhando. Um interesse não propriamente legítimo, mas vinculado a mecanismos de identificação com as imagens propostas e que conferem outro status a pessoa idosa.

As formas pelas quais a aposentadoria se caracteriza na experiência contemporânea não significam que hoje os aposentados sejam mais valorizados do que outrora. Muitos deles ainda necessitam continuar trabalhando para garantir seu

2O “147%” é a expressão do desnível que sofre o cálculo das aposentadorias em relação ao salário

dos trabalhadores na ativa, mas só diz respeito àqueles que recebem uma aposentadoria superior a um salário mínimo. Contudo, a expressão foi capaz de sintetizar o desprezo com que o governo tratou a população de mais idade. Os aposentados saíram às ruas em passeatas e manifestações. (DEBERT, 2004, p.167-168)

Referências

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