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4 O TRABALHO PRISIONAL NA PENITENCIÁRIA SUL DE CRICIÚMA: DO

4.2 EM CAMPO: DAS PRISÕES DENTRO DA PRISÃO

4.2.1 Considerações gerais sobre as entrevistas: tudo “por razões de

Inicialmente, algumas considerações de ordem metodológica sobre a realização das entrevistas e outros dados da penitenciária são necessárias para a compreensão de seus contextos e, principalmente, dos caminhos escolhidos/impostos.

Dias antes da realização, marcou-se reunião com agente de segurança para que compreendesse melhor o conteúdo pesquisado e analisasse o roteiro da entrevista, que poderia ser censurado “por razões de segurança”. Também “por razões de segurança” o número de internos entrevistados deveria ser menor que o autorizado pela instituição. Além disso, foram proibidas as entrevistas com internos que não estariam trabalhando na instituição.

No projeto de pesquisa inicial, pretendia-se entrevistá-los para uma possível verificação dos motivos para “perda” da vaga de trabalho. Nas razões do agente de segurança, estes internos deturpariam as narrativas da instituição, “contando a versão deles”. Mesmo com a disponibilidade de, em eventual relato “conturbado” sobre a instituição, colher também a versão dos agentes, a ideia foi barrada. Como resposta, obteve-se que “se um preso não trabalha mais é porque fez besteira”.

Depois de muita negociação, ficou estabelecido que seriam entrevistados 20 internos. 10 que trabalhavam na ESAF, 5 que trabalhavam como presos regalias e 5 que trabalhavam na Resicolor. Na prática, “por razões de segurança”, foi

permitida a realização de 14 entrevistas. 9 delas com trabalhadores da ESAF e 5 com presos regalia que trabalhavam na cozinha. A escolha dos internos ocorreu aleatoriamente pelo agente prisional, atendendo também a “razões de segurança”.

A ESAF corresponde à empresa Ibrap - Esquadrias de alumínio, perfis de alumínio e chapas de plástico. Estando na penitenciária sul desde 2013, fabrica janelas com a mão de obra dos reeducandos. É a principal forma de trabalho na instituição, contando com 166 trabalhadores. Destes, 22% estão presos em virtude de condenação por roubo e furto, 40% por tráfico, 14% por crimes sexuais e 16% por homicídio. 60% são brancos, 20% negros e 20% pardos45. Não se obteve a

informação se o critério adotado foi de auto declaração.

Os internos que exercem atividade laboral nesta empresa recebem como remuneração 75% de um salário mínimo. Em tese, recebem um salário inteiro, mas como 25% deste valor fica retido na instituição, por meio do Fundo Rotativo, apenas 75% fica à sua disposição. Não se trata de disponibilidade integral, uma vez que apenas têm acesso a valores limitados a “assistência à família” e “pequenas despesas pessoais”. O restante do produto da remuneração irá constituir o pecúlio, que será disponibilizado no findar do cumprimento da pena.46

Por sua vez, os “presos regalias” são aqueles que exercem trabalhos não remunerados na instituição, como serviços de manutenção, limpeza, alimentação. Em geral, são trabalhos voltados à própria manutenção da rotina da instituição. São assim chamados porque têm uma condição de vida melhor dentro da instituição. Apesar de não haver nenhuma previsão legal para trabalhos não remunerados, trata-se de prática recorrente nos estabelecimentos prisionais. Na instituição pesquisada, do total de presos 72 são considerados regalias. Destes, 24% estão presos em virtude de condenação por roubo e furto, 18% por tráfico e 58% por crimes sexuais. 70% são brancos, 10% negros e 20% pardos.47

As entrevistas com os trabalhadores da ESAF foram realizadas em uma sala pequena, pouco ventilada (apenas uma janela pequena), num dia de muito

45 Dados disponibilizados em janeiro de 2019 pela gerência da execução penal da Penitenciária Sul. 46 Essas disposições atendem à previsão da Lei de Execuções penais, em seu artigo 29, do qual se

extrai: “O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: (...) b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; (...) § 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade”.

calor, e com interferências constantes de ruídos no ambiente, sobretudo decorrentes da rotina de trabalho nas oficinas. Ainda, a porta da sala permanecia aberta, sob vigilância de dois agentes prisionais, “por razões de segurança”. Embora não conseguissem ouvir o teor das entrevistas, nem ficassem encarando o procedimento, a vigilância foi ali exercida.

Também “por razões de segurança”, durante as entrevistas os internos permaneceram com marca-passo e algemas (mão para trás), que não seriam retiradas nem para a assinatura do termo de livre consentimento e esclarecimento.

Enquanto um trabalhador era entrevistado, os que seriam entrevistados na sequência permaneciam em pé, num corredor que daria até a sala. Permaneciam com marca-passo e algemas, virados para a parede com a cabeça baixo, situação dramatizada pelo calor, ainda mais num ambiente de pouca ventilação. Mesmo com protestos da pesquisadora, “por razões de segurança”, esta dinâmica permaneceu até o findar das entrevistas.

No caso dos trabalhadores regalias, a situação foi mais tranquila. Os internos não utilizaram algemas nem marca-passo, e as entrevistas foram realizadas na ala médica, que contava com ar-condicionado. Ainda assim, os trabalhadores que seriam entrevistados aguardavam em pé e voltados à parede.

No início de cada entrevista foi explicado ao reeducando que sua participação seria voluntária, que poderia desistir a qualquer momento, que a pesquisa tratava da temática do trabalho prisional, que a pesquisadora não tinha nenhum vínculo com a instituição e que as identidades seriam preservadas. Ainda, foi lido e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido e questionado sobre a autorização de gravador.

O roteiro da entrevista englobou: 1) perguntas de identificação e características gerais do trabalho exercido; 2) Qual é a relevância do trabalho desenvolvido na instituição para a sua vida e para a sociedade? 3) Há diferença de tratamento de presos que trabalham e não trabalham? Tem conhecimento se mais presos gostariam de trabalhar? 4) Você sabe quanto vale o seu trabalho, o que você produz? 5) Gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre o trabalho que exerce aqui? 6) Gostaria de falar alguma outra coisa para além destes questionamentos, alguma mensagem pra quem é de fora?

Pela opção de entrevistas semi-estruturadas, sempre que possível conduziu-se de forma mais livre, de modo que outras perguntas e respostas foram

surgindo no decorrer da investigação. Pela mesma razão, algumas perguntas aparecem repetidas ou interrompidas. O texto corrido dos trechos selecionados pode não permitir esta percepção, mas ela é também importante por sinalizar a desorganização natural em que as conversas ocorrem.

As respostas foram degravadas e analisadas a partir de componentes de falas, juntamente com as análises obtidas por meio da observação e atuação em campo.

4.2.2 A dinâmica do trabalho prisional a partir das pessoas privadas de