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6 OS NARRADORES DE MORRO GRANDE

6.3 NARRADOR 2: “ MORRO GRANDE – UM LUGAR MOLDADO PELAS

6.3.1 Considerações sobre a narrativa 2

O narrador 2 demonstra ser uma pessoa que teve grande relevância na sua sociedade. Salienta que sua comunidade é realmente muito agradável para viver e que todos os acontecimentos sociais não tiveram histórico de conflito.

Observa-se que o narrador destaca sua ascendência europeia. “Olha, a minha mãe era de origem italiana, mas o meu pai era alemão. A minha mãe veio da Itália”. Porém, apesar de viver numa comunidade pequena, onde todos se conhecem e que tem várias origens, ela teve pouco contato com os vizinhos, destaca que brincava com os negros que viviam ao seu redor. Tal aspecto evidencia as trocas culturais já em sua infância. “E sempre fiquei morando aqui. Nunca sai daqui pra outro lugar. Ah eu quando eu morava no Morro Grande de fora, a gente convivia lá com os mulatinhos”.

Nos momentos da narrativa, o N2 destaca muito o seu papel social perante a comunidade. Afirma, inclusive, que sua comunidade foi boa. Ela dava sua contribuição ajudando as pessoas através das ações promovidas com a igreja. Esse papel concedeu à N2 certa influência em relação aos demais integrantes de sua comunidade.

Conforme Benjamin, o narrador costuma falar basicamente de suas experiências e vai tecendo a narrativa a partir do que viveu e viu, por isso no relato do N2, percebemos a influência de seu papel social em diversos momentos. “O narrador retira da experiência o que

ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1986, p.201).

Na história oral a influência da vida particular do narrador torna a lembrança cada vez mais esclarecedora, pois ao aproximar o fato de seu papel social, a memória histórica parece criar forma e ter um sentido, tanto para o narrador para aquele que o analisa. Disso decorrem similitudes com o filme Narradores de Javé que, justamente, salientamos fazer parte do fenômeno diegese. “Sempre foi uma comunidade muito boa. A gente foi umas pessoas que sempre tivemos grandes amigos né. Eu trabalho muito com o povo. Trabalhei muito com o povo. Eu coordenava a igreja qui né. Fui 20 ano presidente da associação do apostolado.”

Em relação à figura heróica em destaque na sua fala, diferentemente do primeiro falante, que demonstra uma versão negativa sobre a família Batista, N2 relata que eram pessoas boas, que ajudavam. Estes faziam parte do mesmo círculo de amizade, trabalhavam juntos, portanto atribui a eles e a si mesmo o crescimento da comunidade. “Foi eles que fizeram tudo isso da igreja. Foram os Batista que fizeram. Os Batistas eles eram uns pais pras pessoas né. Eles trabalhavam com a comunidade. Eles eram gente muito bem de vida. Eles davam serviço. Eles olhavam pelas pessoas. Eles eram bom, como essa dona Moza, era uma mãe pro povo né”.

Observa-se que esse relato aproxima-se do contexto no filme, no qual a mesma história tem várias versões ao ser contada por um e outro. Exemplificando: Indalêncio ora era bom, ora nem era tão bom assim. Nas narrativas obtidas pelas entrevistas, verificamos que Leonel Batista também, ora aparece como bom, ora como nem tão bom assim. Esse fenômeno da assemelhação de uma realidade com uma ficção relaciona-se com a temática da diegese dissertada por Genétte, (1972, p.243). O autor afirma que diegese é o conjunto de ações no espaço e tempo em que ocorre a narrativa, sendo assim, o filme e a historia coletada nas entrevistas entraram em consonância a partir das ações diegéticas.

A visão sobre determinado fato depende muito do papel social que ocupa o narrador, portanto, N2 tem uma versão diferente de N1 sobre a escravidão em Morro Grande. Nos tópicos grifados com as citações acerca da figura marcante de Leonel, a narradora demonstra haver uma boa relação entre negros e brancos. “Não, eles não tinham assim essa separação, pra eles as pessoas eram boas sabe. Eles tinham pena de uns. Eles ajudavam aqueles que podiam”.

daqueles que ela possui aversão, como a bruxa e o lobisomem. Segundo suas palavras, ela fora ensinada a entender tal aspecto como coisa ruim. “A festa de São João Batista, o nosso padroeiro, era uma festa muito bunita. A festa do Espírito Santo era em Jaguaruna né. A festa do Coração de Jesus. E tinha uma festa muito grande que era da Nossa Senhora da Saúde, nos temos aqui. Cantiga de Reis, às vezes, tinha gente que fazia aqueles ternos de reis”.

Lenda de Lobisomem e de Bruxa: “A isso, eles falavam mais a gente não se

entendia nisso né, se falavam que existia isso. Essas bruxas, essas coisas, mas eu, a gente não tem muita noção dessas coisas”.

Sobre os afrodescendentes, ela conta que eles conseguiram suas terras e sua vida devido à bondade das famílias que já moravam em Morro Grande, e que eles trabalhavam para as famílias “superiores” da comunidade. Esse jeito de ceder coisas e fazer o bem ao próximo, para tal narrador, faz parte da identidade Morro Grandense. “Eles foram pra lá, por causa do terreno né. Porque o terreno lá era, era bom. Outros eles ganharam né. Muitos daquele ganharam o terreno. Não foi comprado deles. Então o pessoal que tinha os donos. Muitos deram um pedaço de terreno pra fazer casa”.

N2 atenta para a educação como uma forma de auxiliar na preservação do passado. Essa situação decorre do fato da função de educadora e, como tal, possui o entendimento perante a ação do profissional da educação com base na valorização da cultura. “Porque do jeito que tem estudo pras crianças, pra tudo, pros grandes, pros jovens, pra tudo quanto é pessoas então cada um deve fazer aquilo que é melhor né. Porque educação vem de cada um né. Se uma pessoa não sabe trata outra é porque ele não tem educação né. Falta de educação não tem. É só querer ter, estudar, aprender, escutar, que as pessoas aprendem a educação né. E os professores se esforçam muito né. Dão força mesmo, porque eu trabalhava lá.”