• Nenhum resultado encontrado

Considerações preliminares sobre mortalidade e qualidade de vida

O trabalho realizado sobre evolução tardia, sem perdas no seguimento, dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva sintomáticos tratados com redução septal percutânea por injeção de álcool, é inédito em nosso país. A maioria das séries publicadas são de pacientes dos Estados unidos(234, 235) ou da Europa(211) e alguns trabalhos desde Ásia e China confirmando a natureza universal desta doença e a resposta similar dos pacientes ao tratamento percutânea de redução septal através do mundo.

Podemos dizer que os principais achados deste estudo foram: 1) baixa taxa de mortalidade imediata e tardia no seguimento prolongado de até 15 anos, que quando anualizada é semelhante à da população geral, 2) melhora importante e significativa na qualidade de vida nos pacientes tratados com RSP, 3) muito baixa incidência de necessidade de marcapasso definitivo imediato que ocorreu em apenas 1 (1,7%) paciente, 4) baixa incidência de síncope nos pacientes tratados com sucesso durante todo o estudo (não houve nenhum caso) e 5) os únicos fatores independentes associados a maior probabilidade de eventos após análise multivariada foram o gradiente ao estresse e a massa ventricular após o tratamento.

Nossos resultados mostraram que a sobrevida dos pacientes pós-redução septal percutânea num seguimento tardio de, em média, 8 ± 4 anos, foi semelhante à da população geral, tendo em conta que os pacientes eram de alto risco para cirurgia de miectomia. Encontramos uma expectativa de sobrevida de 96,4% para o primeiro ano, de 87,7% para 5 anos e de 81,0% para 12 anos de seguimento respectivamente. Sorajja et al.(19) encontraram resultados semelhantes em 177 pacientes pós-RSP com um seguimento médio de 5,7 anos, com uma sobrevida de 79,4% (95% - IC 71,6% - 87,3%) aproximada a da população geral de EUA (79%), e análogo (pareada para sexo e idade) os pacientes com CMH obstrutiva sintomáticos operados com miectomia (79,0% - 95% IC 71,4%– 86,7%, p=0,64). O único preditor de sobrevida e

de eventos tardios foi o gradiente residual pós-ablação septal percutânea, inclusive após análise multivariada neste último trabalho. Os autores concluíram que: 1) Após RSP, a sobrevida tardia foi similar à esperada para a população geral e semelhante a encontrada nos pacientes com obstrução operados com miectomia. 2) A RSP oferece um resultado duradouro com relação à melhora dos sintomas na maioria dos pacientes, quando bem selecionados, sem aumento do risco de morte súbita. 3) A magnitude do gradiente residual em VSVE após RSP é um importante determinante de desfechos tardios(19).

Com relação à mortalidade hospitalar, a redução septal percutânea apresenta, após 20 anos, excelentes resultados e semelhantes aos da cirurgia. No artigo de Veselka et al.(211), 421 pacientes, de 8 centros europeus tiveram uma mortalidade hospitalar de 0,7%, semelhante à encontrada no registro multicêntrico americano(234) entre 874 pacientes, que foi de 0,7%, e o registro escandinavo(236) também encontrou em 313 pacientes uma mortalidade hospitalar de 0,3%, confirmando a baixa incidência de óbitos nos pacientes tratados com RSP em diversos lugares do mundo.

Em nosso trabalho, tivemos um óbito (1,7%) hospitalar no início da experiência, embora eram pacientes muito graves clinicamente (de alto risco para cirurgia o que aumenta consideravelmente a mortalidade) e com grande heterogeneidade fenotípica. Houve 2 crianças, e 19 pacientes eram idosos ≥ 60 anos, dentre os quais, 8 tinham mais de 70 anos. Oito pacientes (14,2%) tinham sido tratados com procedimentos invasivos prévio a RSP, 4 tinham implantado marcapasso ou CDI, e 4 já tinham sido operados com a cirurgia de Morrow antes da realização da redução septal, mas como os sintomas voltaram foram encaminhados para o tratamento intervencionista. Esta casuística não difere muito da encontrada na literatura(202), inclusive do grupo pioneiro nesta técnica, que mostra grande heterogeneidade e variabilidade do grupo com idades variando entre 17 e 81.

Houve um seguimento de 100% dos pacientes de nosso trabalho e mortalidade total durante os 15 anos de seguimento foi de 7 (12,5%) pacientes que, anualizada representa uma taxa menor a 1% ao ano. O conceito mais importante que deriva deste trabalho é que o tratamento intervencionista da cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva sintomática em centros com experiência para realizá-la é um tratamento seguro, e eficaz em reduzir o gradiente na via de saída do ventrículo esquerdo, de

manter e melhorar os resultados durante a evolução tardia com uma sobrevida semelhante a da população geral.

Observamos uma mudança muito importante na qualidade de vida dos pacientes tratados com sucesso com a técnica de RSP, que passaram de uma condição de lento confinamento em casa sem vida social, a recuperar sua condição física e psicológica para retornar ao trabalho, a sair de casa, e ter uma vida social mais ativa. Entretanto, carecíamos de instrumentos para medir essas observações clínicas, que tentamos sanear com a introdução do questionário DASI (Duke Activity

Status Index)(216). Encontramos uma variação positiva e significativa da média do índice DASI de 12,24 ± 7,58 para 37,83 ± 13,25 considerando média e desvio-padrão entre as respostas antes do tratamento e após o tratamento. Isso significa que houve uma melhora no pico de consumo de oxigênio com aumento significativo da tolerância ao exercício por meio do VO2max que passou (média e desvio-padrão) de

14,92 ± 3,22 mLkg-1min-1 no pré-RSP para 25,69 ± 5,57 mLkg-1min-1 no pós-RSP com p=0,001. Quando consideramos o equivalente metabólico de tarefa ao fazer a conversão de VO2max em METs, encontramos também uma melhora significativa na

atividade desempenhada, que foi em média de 7,64 ± 1,72 METs nas avaliações pós- RSP, ou seja, os pacientes tratados com sucesso tiveram na avaliação pós a mesma capacidade de trabalho de um indivíduo normal não atleta que varia entre 7 e 9 METs. Essa melhora nos parâmetros aferidos foi traduzida em uma percepção de melhora na qualidade de vida na maioria dos pacientes que, em geral, teve percepção de benefícios à saúde após o tratamento.

Nossos resultados apresentam semelhanças com um trabalho sobre depressão, ansiedade e qualidade de vida, realizado por Serber et al.(237), que analisaram em 22 pacientes, 59% mulheres, com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, o impacto do tratamento com redução septal percutânea, e focaram na perspectiva biopsicossocial com relação à qualidade de vida, estresse provocado por sintomas e limitação da capacidade funcional antes, e após três meses de realizado o tratamento intervencionista. Também os pacientes responderam a diversos questionários autoaplicáveis, entre os quais o de Minnesota. Os pacientes foram seguidos por 3,5 ± 0,85 meses, e foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa na diminuição dos escores de depressão de 22 para 14 com p=0,01; de ansiedade de 61

para 54 com p=0,05; e de qualidade de vida em cardiopata de 54 para 28 com p=0,01. Todos os aspectos avaliados tiveram uma melhora dos escores após 3 meses de tratamento, indicando maior satisfação com a vida em geral, otimismo e melhora na qualidade de vida física, e mental após RSP. Algumas das razões para essa melhora foram apontadas. Em primeiro lugar, a condição clínica dos pacientes com obstrução prévia ao tratamento estava muito deteriorada e a diminuição na intensidade dos sintomas foi percebida como melhora importante. Em segundo lugar, ao diminuir os sintomas, os pacientes conseguiam se engajar em maior número de atividades com menores limitações, o que trouxe uma percepção de melhora em geral; e, por último, podemos considerar que o efeito placebo pode ter contribuído com uma parcela da melhora. Entretanto, a melhora de percepção psicológica foi acompanhada por mudanças importantes nos parâmetros hemodinâmicos, ecocardiográficos e na classe funcional desses pacientes.

5.2 Considerações com relação à morte súbita em pacientes com