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Gradiente na via de saída do ventrículo esquerdo e insuficiência mitral

Nos pacientes com CMH, a obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) está presente em, aproximadamente, 70% dos casos, sendo um terço detectado em repouso;(17, 23, 28) um terço provocado com estímulos, como a manobra de Valsalva, exercício físico ou medicamentos, e um terço não apresenta gradiente intraventricular em repouso ou apresenta um gradiente < 30 mmHg, mesmo provocado com estímulo para evidenciá-lo.(17, 48)

A obstrução dinâmica da VSVE é resultado de uma combinação de fatores. O septo interventricular hipertrofiado e abaulado sobre a via de saída do ventrículo esquerdo; e a disposição alterada dos músculos papilares hipertrofiados, somada às forças geradas pelo aumento de velocidade do sangue ao passar pela VSVE estreitada, criam condições hemodinâmicas que puxam o folheto anterior da valva mitral contra o septo interventricular. Esse fenômeno de sucção do folheto mitral é conhecido, ecocardiograficamente, como movimento anterior sistólica da valva mitral (MAS) (Figura 3).

FONTE: Paciente do Protocolo de Estudo

Figura 3 - (A) Observamos no ecocardiograma modo “M” a presença de MAS da valva mitral elongada que pode provocar como observado em (B) insuficiência mitral moderada ao sugar o folheto contra o septo hipertrofiado, provocando fluxo turbulento na VSVE com gradiente elevado. MAS = Movimento Anterior Sistólico da Valva Mitral. VSVE = Via de Saída do Ventrículo Esquerdo.

Quanto mais tempo o folheto fica aderido ao septo interventricular durante a sístole, maior o grau de obstrução, maior o gradiente gerado e maior a insuficiência mitral produzida. O MAS provoca, ao mesmo tempo, diferença de pressão intraventricular por empecilho mecânico ao fluxo, e incompetência da valva mitral pela deformidade que se produz no folheto ao sofrer influência das forças hemodinâmicas(17, 49). Ao provocar uma obstrução ao fluxo, as pressões intracavitárias se elevam, e podem induzir a isquemia ao aumentar a demanda de oxigênio e diminuir a pressão de perfusão coronária. A sobrecarga que é imposta ao ventrículo pode afetar a capacidade de enchimento e relaxamento desse durante a diástole diminuindo o débito cardíaco. A presença de obstrução em repouso nos pacientes com CMH sintomáticos é um marcador independente de pior prognóstico(50, 51).

O limiar para indicar intervenção cirúrgica ou percutânea nos pacientes com CMH obstrutiva muito sintomáticos é um gradiente igual ou superior a 30 mmHg em repouso e 50 mmHg provocado por manobras como a de Valsalva(36) em pacientes refratários ao tratamento clínico. A diminuição ou remoção da obstrução na VSVE por cirurgia de miectomia está associada a uma sobrevida equivalente à população geral e maior que dos pacientes com CMH obstrutiva não operados(52).

Devido à natureza dinâmica de geração do gradiente, o ecocardiograma nem sempre consegue registrá-lo em repouso e a introdução do ecocardiograma de esforço (estresse eco) com bicicleta ergométrica ou esteira ergométrica contribuiu para evidenciar sua presença, e avaliar a magnitude da obstrução e sua influência nos sintomas(53), corroborando os trabalhos que mostraram uma relação entre o grau de obstrução e o prognóstico da CMH(54). Variações na contratilidade e no enchimento ventricular alteram a obstrução dinâmica da VSVE(55). A manobra de Valsalva, exercício físico, tosse, posição ereta e hiperventilação aumentam a obstrução e, por vezes, aumentam o gradiente na VSVE e a intensidade do sopro. Por outro lado, qualquer fator que aumente a pós-carga, como exercício isométrico e posição de cócoras ou diminuição da contratilidade, reduzem a obstrução e, eventualmente, o gradiente e o sopro na VSVE(56). Importantes variações na magnitude do gradiente num indivíduo são encontradas no mesmo dia, e dos sintomas que aumentam no período pós-prandial, dependendo da quantidade de alimento ingerida, e da qualidade

como a ingestão de álcool, por exemplo(57). O aumento de frequência cardíaca provoca um aumento do gradiente ao fechar progressivamente o funil na VSVE.

A diminuição da obstrução na VSVE por cirurgia de miectomia(52) provoca uma melhora dos sintomas e da sobrevida. Esta afirmação está fundamentada no trabalho realizado entre 1983 e 2001 com 1.337 pacientes portadores de CMH, divididos em três grupos: 1) 289 pacientes com CMH obstrutiva operados por miectomia, 2) 228 pacientes com CMH obstrutivos não operados em tratamento clínico e 3) 840 pacientes com CMH não obstrutiva. Todos os pacientes tiveram um seguimento médio de 6 ± 6 anos(52). A sobrevida dos pacientes operados por miectomia foi de 98%, 96%, e 83% para 1; 5; 10 anos de seguimento, respectivamente, e semelhante ao da população geral dos Estados Unidos pareadas para sexo e idade com p=0,2 e a dos pacientes com CMH não obstrutiva p=0,8. A sobrevida dos pacientes operados foi significativamente superior para todas as causas de mortalidade, do que a sobrevida dos pacientes com obstrução não operados, (98%, 96% e 83% vs. 90%, 79%, e 61%, respectivamente, p=0,001) para os mesmos anos de seguimento. Na análise multivariada, a miectomia foi um fator independente de sobrevida dos pacientes (chance de risco 0,43; p=0,001).

Determinar a presença de obstrução na CMH em repouso é muito importante porque apresentam maior risco de insuficiência cardíaca progressiva grave, óbito por ICC ou AVE, se comparados aos pacientes que não tem obstrução, e também porque a maioria dos tratamentos clínico ou de redução septal é mais eficaz nos pacientes com obstrução(58) (Gráfico 1). A redução septal percutânea (RSP)(18) por injeção de álcool no primeiro grande ramo septal, nos pacientes com CMH, permitiu a redução do gradiente intraventricular e trouxe uma melhora no enchimento ventricular diastólico, diminuição das pressões atriais médias,(50) melhora no relaxamento ventricular, aumento lento e menor da pressão diastólica do ventrículo esquerdo, e uma melhora da complacência ventricular e, fundamentalmente, dos sintomas.

Gráfico 1 - (A) Pacientes com obstrução apresentaram uma pior evolução com relação a maior risco

de insuficiência cardíaca progressiva, classe funcional III e IV e óbito, que os pacientes sem obstrução. (B) A eliminação do gradiente nos pacientes tratados com miectomia está associada a uma sobrevida tardia similar à esperada na população geral dos EUA e significativamente superior aos pacientes com CMH obstrutiva sintomática, não operados. Reproduzida de Ommen et al., com permissão do editor, Copyright Massachusetts Medical Society de (N Engl J Med 2003).