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Considerações quanto a teoria da argumentação jurídica em Robert Alexy

1. Fundamentação: na Dimensão Filosófica e Processual Penal

1.3. Considerações quanto a teoria da argumentação jurídica em Robert Alexy

JURÍDICA EM ROBERT ALEXY

Quando se fala em fundamentação e argumentação jurídica, inevitavelmente é preciso também falar sobre a retórica. A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy é vasta e ampla, o que não se pretende esgotar neste trabalho. No entanto, serão destacados alguns aspectos característicos dessa teoria que auxiliam no desenvolvimento do tema proposto.

Sabe-se que o Poder Judiciário é provocado a decidir os inúmeros casos que chegam ao seu conhecimento. Cabe aos Magistrados, Desembargadores, Ministros a justificação dos argumentos fáticos e legais eleitos para fundamentar sua decisão. Dentro dessa eletividade, uma infinidade de argumentos começa a emergir. Entender qual é a exegese mais racional para uma sentença judicial implica em conhecer as teorias que regem a argumentação jurídica. Principalmente em casos envolvendo a concessão de liberdade ou decretação da prisão preventiva, em uma sociedade em que a violência aumenta em graus astronômicos e assombra todos os seus membros, em todos os níveis e classes sociais.

O porquê do desenvolvimento da argumentação jurídica é explicado por Anizio Pires Gavião Filho:

Em uma grande quantidade de casos de aplicação das normas jurídicas resultantes do procedimento de criação do Direito, para uma questão jurídica particular, várias proposições normativas são possíveis. Com isso, está colocada a necessidade da teoria da argumentação jurídica para dar conta de que a proposição jurídica particular seja acompanhada das melhores razões e, assim, melhor justificada racionalmente. Isso somente pode ser

alcançado no marco do discurso jurídico racional entendido, então como um caso especial (Sonderfall) do discurso prático geral68.

A teoria da argumentação jurídica precisa, portanto, ser discutida, uma vez que, em grande número de casos, a proposição legal expressa em um julgamento, não é uma conclusão lógica derivada de formulações de normas válidas, tomadas em conjuntos com fatos comprovados ou com o direito posto. Essa situação pode ocorrer pela imprecisão da linguagem do Direito; pela existência de conflitos entre as normas; em casos em que não há norma jurídica válida e existente e em casos especiais, pela possibilidade de a decisão contrariar textualmente a lei. Por isso, a fundamentação jurídica se perfaz necessária, com o fim da proposição legislativa vir acompanhada das melhores razões e justificativas racionais69.

Cabe ressaltar que existem diversas formas de discussão jurídica, debates jurídicos e discussões em torno de questões legais. Nas diversas discussões há semelhanças e diferenças, mas o mais importante é a existência de argumentos jurídicos racionais, os quais pressupõe a fundamentação válida70.

Por sua vez, “os discursos jurídicos se relacionam com a justificação de um caso especial de afirmações normativas, isto é, aquelas que expressam julgamentos jurídicos”71. Destaca-se que, em alguns momentos, Robert Alexy denomina justificação de fundamentação. Dois aspectos da justificação podem ser observados: a justificação interna e externa.

A primeira etapa é denominada de justificação interna, fase de descobertas das premissas, quando a estrutura argumentativa é organizada segundo as estruturas das regras ou dos princípios – nesse sentido é que se fala da construção da fundamentação jurídica processual penal, com base no princípio da proporcionalidade. A segunda etapa é denominada de justificação externa, fase de justificação das premissas, dos critérios, quando as premissas elencadas na etapa

68 GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Colisão de Direitos Fundamentais, Argumentação e

Ponderação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. P. 143.

69 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 17. 70 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 213. 71 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 211.

anterior serão de fato fundamentadas e demonstradas. É na justificação externa que a relação entre fato e norma precisa ser completada de maneira objetiva.72

A respeito da justificação de uma decisão judicial, exige-se que ela possa ser reconstruída, de modo que a proposição normativa eleita para o caso, siga logicamente das proposições apresentadas na justificação da mesma, livre de contradições73.

Dentre os diversos aspectos da teoria da argumentação jurídica apresentados por Alexy, a dogmática jurídica aparece como uma atividade racional e não emocional74,de modo que “o objetivo da dogmática jurídica é apresentar o Direito como um sistema coerente fundamentado por meio de razões gerais”75.

Embasam as razões gerais a categoria dos precedentes, a qual consubstancia- se como um método de argumentação requerido por motivos práticos gerais, pautado no princípio da universalizabilidade. No entanto, casos semelhantes podem ter decisões diferentes, pois a abordagem referente à circunstância é alterada. Nesta situação, exige-se o respeito ao precedente como questão de princípio, admitindo-se exceções sujeitas a imposição do encargo do argumento76.Isso porque o precedente tem função estabilizadora, contribui para a certeza jurídica e a proteção de confiança na tomada de decisão judicial. A regra do precedente é um método de argumentação racional e prático, limita o argumento geral prático, mas seu uso pressupõe utilização de outros argumentos77.

Ainda, há formas especiais de argumentos jurídicos, tal como a analogia, que deve ser justificada no discurso jurídico, sem esquecer que o discurso jurídico é uma espécie de discurso prático racional geral.

72 GEREMBERG, Alice Leal Wolf. A teoria compreensiva de Robert Alexy: a proposta do ‘trialismo’. Tese de doutorado apresentada na Puc -Rio. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: < http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/9593/9593_3.P DF>. Acesso em: 05 de janeiro de 2019. P. 85.

73 GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Colisão de Direitos Fundamentais, Argumentação e

Ponderação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. P. 164.

74 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 257.

75 GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Colisão de Direitos Fundamentais, Argumentação e

Ponderação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. P. 214.

76 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 258-259. 77 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 260.

(...) o discurso jurídico, enquanto espécie do ́discurso prático racional geral ́ respeita seus princípios e bases e, por conseguinte, em diversos momentos, a argumentação prática geral ́, será utilizada na ́argumentação jurídica ́, atuando como um reforço e complemento desta (GEREMBERG, 2006, p. 106).

A partir dessas premissas, constata-se a clara complementaridade existente entre a argumentação geral, argumentação jurídica e fundamentação válida. Entretanto, apesar desta relação de complementaridade, observa-se que o surgimento do discurso jurídico advém da subjetividade impregnada nas diferentes formas do discurso prático geral que não levam a nenhum resultado ou a um resultado inconclusivo diante de uma fundamentação racional. Essa situação, implica, portanto em uma limitação do alcance do que é possível discursivamente de modo racional e o que não é, em termos de conteúdo78.

Diante disso, verifica-se que a argumentação jurídica é um caso especial da argumentação prática geral. “Consiste num procedimento racional, discursivo e intersubjetivo, o qual intenta legitimar decisões propiciando ao Direito correção e justiça”79.

O Direito promove, necessariamente, uma pretensão e correção, o que significa: i) a afirmação de uma correção; si) a garantia da justificação e iii) a esperança do reconhecimento e da correção. Desta forma, quando um juiz submete a norma jurídica ao caso concreto para decidi-lo, há a pretensão de que esta proposição esteja adequada, por meio da devida justificação, a qual tem que ser considerada correta pelos operadores do direito, bem como pelas partes80.

A Teoria da argumentação jurídica racional contemporânea traz à baila um entendimento de como argumentar racionalmente quando as condições lógicas no processo não existem (conflito entre leis ou precedentes e lacunas). Essas situações dão nascimento ao ato de cognição do juiz, envolvendo o elemento discricionário, o qual deve vir atrelado em uma argumentação racional. A decisão judicial preenche a

78 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 267.

79 GEREMBERG, Alice Leal Wolf. A teoria compreensiva de Robert Alexy: a proposta do ‘trialismo’. Tese de doutorado apresentada na Puc -Rio. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: < http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/9593/9593_3.P DF>. Acesso em: 05 de janeiro de 2019. P. 107.

80 GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Colisão de Direitos Fundamentais, Argumentação e

lacuna81 da lei, de acordo com padrões da razão racional,82 e é aqui que a função da metodologia se encaixa para não permitir que a fundamentação alcance fins subjetivos.

Nesse sentido, há necessidade de estudos analíticos quanto a estrutura do argumento em decisões particulares, científicas; e das regras que precisam ser seguidas; das formas de argumentação utilizadas nas diferentes áreas do direito e das decisões, o que contribuiria para o surgimento de uma teoria de argumentação jurídica racional.

Sob essas condições, a argumentação jurídica possui um papel fundamental no sentido da busca por uma solução que se entenda como válida, através do desenvolvimento de uma atividade racional, de forma que se trata de um instrumento importante para todos os operadores do direito.

Ainda, importante é a relação entre a argumentação jurídica e a técnica de ponderação. Ponderação “(...) pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (....) em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado”83. Seja envolvendo normas constitucionais ou infraconstitucionais, a subsunção não é a técnica mais adequada, mesmo porque há casos que se encaixam em mais de uma norma jurídica válida.

A respeito da ponderação, Alexy 84esclarece que essa técnica se subdivide em três estágios. O primeiro consiste no estabelecimento do grau de interferência ou não- satisfação no primeiro princípio; o segundo estágio consiste no estabelecimento da importância em se satisfazer o segundo princípio envolvido, e por fim, no terceiro

81 “A grande lacuna da ordem pública sustenta-se, desse modo, na ausência de um conceito sobre o que seria esse termo, ordem pública. O qual, no presente momento, se perfaz como um alvará de prisão, aberto para prender e fundamentado nas mais diversas motivações, o que desenha o abismo argumentativo aduzido, ou, iguala a ordem pública como a um “coringa” no processo penal, fato que clama por soluções, pois processo penal não se faz com coringas, e coringas não estão na lei”. (CANTÚ, Mariana Coelho. Jurisdição Penal com os Pés de Barro: “Ordem Pública” no Imaginário Sistema Punitivista Brasileiro – Parte 01. Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/jurisdicao- penal-com-ospes-de-barro-ordem-publica-no imaginario-sistema-punitivista-brasileiro-parte-01>. ISSN: 2526-0456. Acesso em: 08/10/2019).

82 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. P. 33-34.

83 BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação

Constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (organizador). A Nova Interpretação constitucional:

ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 75.

estágio verifica-se se a satisfação do último princípio justifica a não-satisfação ou interferência no primeiro.

Assim, a relação entre a argumentação jurídica e a ponderação são complementares. A Argumentação jurídica justifica, por meio de cadeias argumentativas, as escolhas da ponderação dos princípios85.

Toda a argumentação e interpretação deve ser pautada em uma interpretação constitucional ancorada em um modelo de princípios aplicáveis mediante ponderação. A nova interpretação constitucional assenta-se em um modelo de princípios, aplicáveis mediante ponderação, cabendo ao intérprete proceder à interação entre fato e norma, e realizar escolhas fundamentadas dentro das possibilidades e limites oferecidos pelo sistema jurídico, visando à solução fundamentada para o caso concreto86.

A partir das premissas aqui expostas, no tocante especificamente aos motivos descritos nas decisões para a decretação da prisão preventiva, verifica-se que necessariamente aqueles que decidem, que opinam e que requerem, fazem uso da argumentação jurídica, pois a resolução da questão encontra-se em uma norma jurídica de conteúdo aberto, que permite as mais variadas motivações.

Ocorre que, - neste caso específico da prisão preventiva, foco da fundamentação analisada nesta dissertação, especialmente no que concerne o termo “ordem pública” - com fulcro em uma “suposta fundamentação”, em uma “falsa argumentação jurídica” e numa retórica baseada exclusivamente no fundamento do termo “ordem pública”, conceito vago e genérico, que permite o encaixe dos mais variados argumentos, aprisionam todos os dias milhares de pessoas, mesmo que a fundamentação aplicada para tanto não contenha pressupostos de validade, pois isenta de critérios de demarcação.

85 GEREMBERG, Alice Leal Wolf. A teoria compreensiva de Robert Alexy: a proposta do ‘trialismo’. Tese de doutorado apresentada na Puc -Rio. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: < http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/9593/9593_3.P DF>. Acesso em: 05 de janeiro de 2019. P. 25-26.

86 BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação

Constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (organizador). A Nova Interpretação constitucional:

ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 376.

Nesse sentido é que a argumentação jurídica não pode ser transformada em mera retórica, sem qualquer pressuposto de racionalidade ou validade. Por tais razões, se defende a construção de uma argumentação jurídica criteriosa, baseada em um método para que a “ordem pública” seja aplicada de forma racional e não emocional ou política.

2. OS PRINCÍPIOS NO SENTIDO FILOSÓFICO NO PARADIGMA DA