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Considerações sobre a cenografia e o ethos da obra em

2.1. Análise da obra Tipo assim: adolescente

2.1.4. Considerações sobre a cenografia e o ethos da obra em

Com base nas análises desenvolvidas, pode-se caracterizar o ethos dos enunciadores e a imagem dos adolescentes que a obra apresenta. Constata-se que a imagem de adolescente que está presente no texto não se aproxima da imagem propalada pelo senso comum sobre a adolescência (que enfatiza o aspecto de revolta e de rebeldia desses jovens) e mantém pontos em comum com o que diz o discurso da psicologia sobre essa fase.

Segundo autores pertencentes ao quadro teórico da psicologia do desenvolvimento (cf. JERSILD, 1963), o adolescente insere-se em um período da vida marcado pela busca de identidade ou de uma personalidade própria, processo resultante de sua maturação biológica, social, moral, intelectual, vocacional e emocional. Estudos dessa corrente teórica também mencionam a angústia e a insegurança que caracterizam os sentimentos adolescentes, resultantes desse processo de construção identitária, agregados também ao ganho de autonomia e responsabilidade inerentes a essa fase. O adolescente, tal como se pode verificar nesta obra, não é um rebelde sem causa, um indivíduo que quebra padrões de comportamento e cria suas próprias normas. Ele não se utiliza de uma linguagem considerada tabu, nem foge às regras, sejam elas sociais ou linguísticas.

O modo de enunciar dos enunciadores, isto é, a linguagem que empregam os aproxima da projeção de público a que a obra se destina. Muito embora seja recorrente o uso de gírias e expressões típicas dos jovens, observou-se que as “transgressões” linguísticas são limitadas. Palavras-tabu não são recorrentes, nem há a quebra dos padrões da norma culta da língua, ainda que a linguagem seja marcada pela informalidade. Essas observações corroboram a imagem de adolescente que, apesar de

se mostrar com dúvidas e aflições, não é um transgressor ou reformador de normas sociais e dos costumes.

A presença dos marcadores discursivos na obra permitiu identificar a cena de enunciação que contribui para a construção de determinada imagem dos enunciadores ou dos fiadores desse discurso sobre a adolescência. As ocorrências dos marcadores discursivos interacionais, que indicam uma relação mais direta entre os interlocutores, ou seja, pelos quais os interlocutores se dirigem um ao outro de maneira mais próxima ou íntima, representam, linguisticamente, uma cena de interação próxima entre os enunciadores, mais propriamente um diálogo, o que imprime ao texto um tom mais informal, próprio desse tipo de interação. Estabelece-se uma conversação entre os dois enunciadores que mantém entre si uma relação de amizade, de troca de experiências como um desabafo entre dois jovens amigos. Eles não apresentam um distanciamento entre si, ou seja, não se manifestam como dois especialistas em adolescência que vão discorrer sobre o assunto com base em seus pontos de vista, mas como dois amigos que pensam a adolescência em função de suas vivências e de suas observações cotidianas, por isso sua enunciação é informal e relata os fatos que marcam a vida dos jovens.

Considerando-se esses dados, o ethos dos enunciadores se distancia dos resultados encontrados por Brunelli (2004). Na obra analisada neste capítulo, não se trata de dois enunciadores confiantes e seguros, certos de suas convicções, autocentrados, mas de dois amigos, de duas pessoas próximas e íntimas o bastante para que dividam entre si relatos de fatos pessoais, numa relação sem assimetria entre eles e entre eles e o público-alvo da obra, os adolescentes.

Essa relação de proximidade entre enunciadores e público a que se destinam os aconselhamentos ou as sugestões pode ser constatada na análise da modalidade deôntica, especialmente nas formas relativas aos participantes a quem se destinam os

deveres e obrigações instaurados por essa modalidade. Nessa análise, constatou-se que a autoridade dos enunciadores e o caráter impositivo dos seus enunciados deonticamente modalizados são atenuados, o que indica a relação de proximidade que há entre os enunciadores (e, também, entre eles e o seu público), ou seja, não há uma hierarquia nítida entre eles, que não se apresentam como detentores de um saber, o que os revestiria de um poder sobre os demais.

Os enunciadores também não assinalam que a resolução das angústias, dúvidas e inseguranças dos adolescentes seja garantida pela crença na capacidade, no potencial deles em solucioná-las, dado, inclusive, o emprego pouco frequente dos modais facultativos, o que nitidamente diferencia essa obra do discurso de autoajuda para adultos, no qual esses modais são primordiais, dada a tese da crença nas habilidades do interlocutor para que este realize seus sonhos, desejos ou planos.

Por outro lado, a modalização epistêmica é recorrente na obra, muito embora ela se apresente muito mais em exemplos de possíveis situações em que os jovens se encontram do que nas suas teses sobre o que caracteriza a adolescência e sobre os comportamentos dos jovens. Considerando só esse dado, não se pode afirmar, por conseguinte, que a incerteza seja mesmo um traço peculiar desses enunciadores, em contraste com o homem seguro e confiante observado no discurso de autoajuda analisado por Brunelli (2004).

O traço que pode ratificar a postura menos dogmática e/ou doutrinária dos enunciadores e, assim, diferenciar esses discursos, é a presença de evidenciais, em particular daqueles que indicam o falante como fonte da informação e da avaliação de um determinado enunciado. Esses evidenciais marcam a dúvida e/ou incerteza dos enunciadores e, por serem marcas evidentes de subjetividade, tornam o discurso menos impessoal, aproximando os interlocutores de seus leitores, o público adolescente.

2.2. Análise da obra O livro do adolescente: discutindo ideias e atitudes com o jovem de hoje

A obra O livro do adolescente: discutindo idéias e atitudes com o jovem de hoje foi escrita por Michele Iacocca, escritor, chargista, cartunista e tradutor italiano radicado no Brasil, em parceria com sua esposa Liliana Iacocca, jornalista e reconhecida escritora de obras infanto-juvenis. Nesse livro, os autores discutem variados temas, desde aqueles mais próximos da vida do adolescente, como família, namoro, amizade, profissão, aparência, drogas, internet, televisão até temas mais relacionados à preparação do adolescente para a vida adulta, como cidadania, violência, discriminação, direitos humanos, ética, meio ambiente, política e voluntariado.

Para a análise da cenografia e do ethos da obra em questão, são considerados os seguintes aspectos linguístico-discursivos, selecionados por serem considerados produtivos para essa análise: as relações intergenéricas, o tipo de enunciação (cf. MAINGUENEAU, 2010) e de modo de organização discursivo (cf. CHARAUDEAU, 2010), a modalidade e o léxico.