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A democracia que experimentamos na contemporaneidade é composta por contradições e problemas externos e internos. Neste sentido, Matos (2005) problematiza o conceito e o apresenta como tendo contradições a serem superadas constantemente pelas sociedades. Além disso, o referido autor admite que devemos deixar de ver a democracia por uma perspectiva engessada, vertical e relacionada à organização política formal na figura do Estado. Diante disso, Matos (2005, p. 43, grifo do autor) expõe que a democracia

[...] representa uma forma de vida, uma acção política em aberto, levada cabo por pessoas, na complexidade das relações e dos processos locais, regionais e globais [...] Esta acção política tem sempre o propósito de mudança no sentido de modificar e melhorar as condições das pessoas envolvidas e da sociedade em geral e, por isso mesmo, envolve a transformação das pessoas e das condições do seu acesso à participação nas comunidades. E essa participação passa necessariamente pelo diálogo social que dá o poder às pessoas para se envolverem em processos de enunciar problemas, de tomar decisões e de resolver esses problemas.

Nesse sentido, o poder de manifestações, participações, ações e fenômenos históricos, sociais e culturais advém da ação política do coletivo e pode ser participativo. Esses grupos, por meio dos instrumentos legais, garantidos pela democracia, é que asseguram as relações e a vida social da população, no sentido de garantia de direitos e de uma qualidade de vida digna. Assim, a democracia está intimamente relacionada com a Educação (MATOS, 2005).

Além disso, admitimos a ênfase no aspecto coletivo na construção e manutenção da democracia. Esse coletivo que movimenta e transforma as relações sociais no espaço

geográfico, global e local. Isto posto, podemos complementar com a ideia de Bazolli, Dantas e Coelho (2018, p. 947), que afirmam que

O grande desafio das democracias, sejam elas novas ou já consolidadas, é a necessidade de aperfeiçoamento e aprofundamento das instituições democráticas, de forma que se permita a ampliação do direito de exposição/vocalização das preferências dos cidadãos e o controle público do exercício do poder.

A democracia deve aprimorar meios para o cidadão desenvolver a sua “voz” e sua “vez” no amplo leque de instrumentos que ela criou para o coletivo. Dewey afirma que “[...] uma democracia é mais do que uma forma de governo; é, essencialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, 1979, p. 93 apud MURARO, 2013, p. 824). Neste sentido, Paulo Freire (1989, p. 80, grifo nosso) traz como contribuição a ideia de que a democracia

[...] antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza, sobretudo por forte dose de transitividade de consciência no comportamento do homem. Transitividade que não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus

problemas e dos problemas comuns. Em que o homem participe.

Desta forma, o elemento chave da democracia é a vivência e prática da cidadania nas relações sociais com participação ativa e livre. Essa participação está incorporada à existência do ser humano e tem como um dos elementos chave a reflexão crítica e ações frente aos problemas sociais que atingem o coletivo. Esses autores18 concordam que a democracia é, em essência, a discussão pública dos problemas sociais em comum, estende-se além do ato do voto e pressupõe um coletivo que dialoga, reflete, compartilha ideias e comportamentos solidários e justos e atua para poder superar esses problemas locais.

Salientamos que não é pretensão desta investigação realizar um histórico da construção da cidadania no Ocidente e no Brasil. Contextualizamos a democracia e a cidadania como forma de vida presente no cotidiano do coletivo, em destaque na Educação e no ensino de Geografia no Brasil, para refletir melhor sobre as ações desenvolvidas no Projeto “Nós Propomos! cidadania e inovação na educação geográfica”.

Assim, como derivado da democracia, a ideia de cidadania foi sendo construída historicamente no Brasil, e hoje é basilar em documentos oficiais e no cotidiano brasileiro. A vida social nos territórios construídos pela ação antrópica impõe-nos a ideia de cidadania e requer um componente que “[...] supõe a definição prévia de uma civilização que se quer, o

modo de vida que se deseja para todos, uma visão comum do mundo e da sociedade, do indivíduo enquanto ser social e das regras de convivência” (SANTOS, 2004, p. 17).

A cidadania, portanto, é uma construção histórica, pois apresenta conteúdo político e de organização social, cultural e econômica que foi consolidada, legalmente, com a Constituição Federal do ano de 1988. Nessa perspectiva de análise, Deon e Callai (2018, p. 270) realizam a seguinte reflexão

A Constituição Federal passa a assegurar em lei os direitos que na história da cidadania no Brasil foram negados à grande parte da população, tida como não cidadã (negros, pobres, mulheres, analfabetos), pois ao longo de toda a História a cidadania sempre foi um direito para poucos, existindo ‘cidadania’ e ‘cidadanias’, ou ‘os mais cidadãos’ e os ‘menos cidadãos’.

Diante do exposto, podemos inferir que o exercício da cidadania passa pela apropriação das leis e códigos sociais pelo coletivo, no sentido deste coletivo saber os mecanismos dessa cidadania e exercê-la no seu cotidiano, de forma ética e empática. A cidadania é a materialização de práticas em convivência do cidadão e se estende a todos como seus beneficiários. Como forma de contribuir para o entendimento sobre a cidadania, Cavalcanti e Sousa (2014, p. 5, grifo nosso) salientam que

[...] cidadania está ligada à participação da vida coletiva incluindo

reivindicações de inclusão social, de respeito à diversidade e de direitos

mais amplos para melhores condições de vida e de sobrevivência. Trata-se de uma noção de cidadania que exercita o direito a ter direitos, aquela que cria direitos, no cotidiano, na prática da vida coletiva e pública’, destacando- se sua dimensão territorial, formulada, conforme mencionado anteriormente, em termos de direito à cidade.

Notamos, pelo trecho citado, que a cidadania está intimamente relacionada com a ação de participar no cotidiano de forma coletiva e com a identidade de pertencimento a um dado território. Desta forma, a cidadania relaciona-se ao conceito de cidadão em relação à sua geograficidade, ou seja, como parte da condição humana, dentro de uma consciência política e social em um ideal de bem-estar e felicidade em determinados contextos. Em consonância com essa concepção, Oliveira (1999, p. 117, grifo nosso) salienta que ser cidadão é

[...] o indivíduo normalizado, ou seja, vivendo sob normas, conformadas pelo desenvolvimento material e cultural da sociedade a que pertence, acordadas por um contrato social (estatuto de direitos e deveres) e ajuizadas e reguladas pelo Estado. Portanto, a cidadania depende da condição material e cultural que possui um indivíduo, concebida como herança histórica, da posição social que ele ocupa na sociedade em questão e do

diferentes escalas social e geográfica, da comunidade local ao poder do Estado nacional.

Assim, salientamos o caráter participativo e decisório em diferentes escalas, em especial a local que se relaciona diretamente com a vida das pessoas. Podemos entender a cidadania como algo criado e recriado com base nas lutas políticas “[...] a favor da recriação da sociedade injusta, a ceder seu lugar a outra menos injusta e mais humana” (FREIRE, 2014, p. 100). A cidadania é construída no coletivo, por meio de processos de tomada de decisão da população. Nesse sentido, o processo de ensinar para o desenvolvimento da autonomia do aluno é um ato de reprodução e ampliação da cidadania por uma sociedade humanizada.

Para pensarmos a cidadania a partir dessas contribuições, podemos entender que ela é parte da complexidade das relações humanas, construídas historicamente e ligadas aos territórios e modelamentos culturais diversos. Para além de ser dinâmica nos tempos e espaços, ela está intimamente ligada ao cotidiano e à participação social coletiva. Apontamos alguns estudos que discutem a importância da formação cidadã para o convívio em sociedades democráticas, dentre eles: Oliveira (1999); Vesentini (2004); Santos (2004); Callai (2011); Souza e Leite (2018); e Cavalcanti (2012).

Com base no que foi discutido temos que ser cidadão “[..] é multidimensional. Cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido para a vida. Isso é o que dele faz o indivíduo em busca do futuro, a partir de uma concepção de mundo”. (SANTOS, 2004, p. 56).

Concordamos com tal concepção na medida em que a expressão dasnecessidades da atuação de um cidadão pode levá-lo a projetar seu futuro em uma vida digna, com a livre e consciente manifestação cultural, de crenças e práticas sociais, com participação política, com estabelecimento de uma qualidade de vida adequada para seu desenvolvimento humano e com apropriação ativa no local de vivência de forma ética e consciente.

Diante do exposto, apresentamos a figura 1 buscando sintetizar as ideias sobre cidadania.

Fonte: elaborado pelo autor

A cidadania possui como componentes centrais em uma forma de vida associada (DEWEY, 1979, apud MURARO, 2013), a participação social, a vida no coletivo e para o coletivo, a vivência no cotidiano, os debates críticos, os conhecimentos para autonomia, as intervenções locais, dentre outros. Esses componentes devem estar presentes na Escola em diálogo com a sociedade para fazerem sentido no cotidiano social, ou seja, numa escola que busca ser promotora de práticas cidadãs.