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Considerações sobre o esporte moderno no cinema e as novas possibilidades de leitura

O esporte apresenta-se como mais um elemento da cultura moderna que, ao que parece, tem várias possibilidades de abordagem para sua leitura estética. Nesse espaço, nos valeremos de duas delas: a primeira se dá na representação deste nas obras de arte das vanguardas modernistas como elemento de cultura que representa bem as aspirações modernas. A segunda repousa sobre o próprio rearranjo pelo qual passou o esporte a partir das influências do projeto moderno. Em ambos os casos não é possível fugir à constatação de que

a dimensão estética da modernidade revitaliza o foco na racionalidade através da primazia das formas sobre os conteúdos, e essa seria uma das principais maneiras de se desvencilhar do caos moderno, ou de, pelo menos, tê-lo sobre o controle da racionalização. A criação de novos códigos, de diferentes modos de se construir as linguagens artísticas foi uma das principais preocupações do artista moderno/ modernista. A ênfase nos códigos (e na rigidez e seriedade destes códigos) resultou, portanto, na cada vez maior especialização e fechamento das linguagens artísticas. A modernidade, através do(s) modernismo(s), tornou-se sistemática, institucionalizada e extremamente formalizante. O(s) modernismo(s) respondeu (responderam) primordialmente ao caos da vida moderna com a ordem do significante, com formas herméticas, com o ciframento das linguagens (PRYSTHON, 2002, p. 67-68).

Ao retomarmos o modelo de conceitos descritivos da experiência estética apontados por Gumbrecht (2006) para compreender a formas de relações construídas com as representações esportivas na modernidade, apontamos que as lógicas de crença no progresso, visualizadas a partir de secularização de valores e normas, do constante incentivo ao aumento de força produtiva, da urbanização e mecanização das práticas sociais, bem como do aumento da velocidade das mudanças que reverberam de forma explícita sobre a compreensão de prática corporal que se denomina como esporte.

No esporte, esses valores se operacionalizam a partir da sistematização das regras, da cientificização do treinamento e posterior sistematização do movimentar-se humano, do processo paulatino de exibição esportiva como um processo instrutivo e/ou educacional que propõe uma pedagogização de valores modernos transpostos a cenário esportivo.

Além dessas questões, aglutinam-se progressivamente, nas representações esportivas da modernidade, superlativos que demandem a significação de vigor, projetando corpos atléticos e gestando uma espetacularização dos mesmos. Todos esses elementos configuravam uma estética tecnicista, repetitiva, calistênica e produtivista do esporte moderno, que detinha, portanto, um caráter disciplinar e propunha uma estética da retidão.

No que se refere aos objetos da experiência estética na modernidade encontramos imagens cinematográficas que apresentam conteúdos privilegiados da experiência estética nas manifestações esportivas, com ênfase em ações de confronto, na competição, nos treinamentos e nas comemorações de vitória. Remetem também à lógica disciplinar, agonística e hermeticamente fechada em normas e condutas.

Destacadamente no cinema, os novos arranjos da modernidade incidiram sobre a representação do esporte. Acompanhando a produção cinematográfica em paralelo com o desenvolvimento das manifestações esportivas, percebe-se que esses expressam representações e princípios modernos que possibilitam sentidos e significados construídos no decorrer do século XX (MELO, 2003).

As condições da experiência, no que se refere ao contexto de produção, remetem-se a um contexto social arraigado na lógica produtivista e no contexto de formação de identidades nacionais; bem como a um cenário marcado pela valoração do progresso, mediado pelo constante aumento da força produtiva.

Por fim, os efeitos da experiência estética provocam experiências dúbias entre a vivência corporal livre e a sistematização do movimento com fins produtivo. Além de acompanhar a lógica capitalista, a competição se exacerba frente às demais possibilidades de viver o corpo na modernidade, em que se prioriza o vigor corporal para afirmar a lógica da

sobrepujança.

Para o esporte, gostamos de afirmar que as repercussões sofridas sob a égide moderna foram no sentido da coisificação do corpo produtivo e a institucionalização de uma

performance como indicador da racionalização de rendimento corpóreo, bem como a

sistematização das regras, a cientificização do treinamento, o processo paulatino de exibição esportiva e dos corpos atléticos gestando uma espetacularização do mesmo. Estes elementos configuravam uma estética tecnicista, repetitiva, calistênica e produtivista do esporte moderno.

Encontramos aproximação com o raciocínio desenvolvido por Giddens (1991), ao referendar a consonância do pensamento de Marx, Durkheim e Max Weber sobre as decorrências da modernidade. Para esse pensador, “todos os três autores viram que o trabalho industrial moderno tinha consequências degradantes, submetendo muitos seres humanos à disciplina de um labor maçante, repetitivo” (GIDDENS, 1991, p. 17).

Atrelados a essas últimas considerações do cenário moderno, é necessário dar destaque ao que Berman (1990) nos fala sobre a Modernidade no século XX. Em suas palavras,

No século XX, nossa terceira e última fase, o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo, e a cultura mundial do modernismo em desenvolvimento atinge espetaculares triunfos na arte e no pensamento [...] A ideia de modernidade, concebida por inúmeros e fragmentários caminhos, perde muito de sua nitidez, ressonância e profundidade e perde sua capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas. Em consequência disso, encontramo-nos hoje em meio a uma era moderna que perdeu contato com as raízes de sua própria modernidade (BERMAN, 1990, p. 17).

É no seio do século XX que se abrem as possibilidades de representação e percepção do mundo e criam-se instâncias confusas e divergentes de conceber a vida. A desreferencialização apontada por Gumbrecht (1998) ganha sentido no momento de exacerbação do cenário moderno deste período e tornam-se possíveis novos arranjos morais, éticos e estéticos ao tecido social. As consequências desse movimento à compreensão do esporte é o que nos mobiliza a continuidade do debate.

Nesse exercício que fizemos, ao pensar o esporte a partir da representação de três clássicos do cinema, afirmou-se o espelhamento dos valores modernos na formatação do esporte enquanto prática social, sendo inevitável fazermos indagações a partir do que vivemos hoje no esporte multirreferencializado. Ao nosso olhar, novos fazeres e novos saberes são

produzidos sobre e para o esporte no período contemporâneo. Algumas dessas construções ajudam-nos a reforçar as bases modernas em que o esporte foi forjado, mas outras nos incitam a indagar questões clássicas que se fizeram presentes em nossa análise, tais como: a sistematização do treinamento, a competição como função única para a prática ou ainda, o vigor corporal intrínseco ao esporte. Além dessas questões, o esporte contemporâneo ainda nos aponta interpenetrações em temas da cultura que problematizam elementos sociais e desestabilizam os princípios próprios a sua concepção inicial.

É seguindo estas pistas que nos são lançadas, após o mapeamento da representação do esporte na modernidade, que buscaremos indicadores da representação do esporte na produção cinematográfica contemporânea para problematizar acentuações atuais deste tema que possam clarear a compreensão de esporte pós-moderno.

Elementos da pós-modernidade na representação esportiva: elaborando