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O esporte e a (pós)modernidade: tencionando posições

As mutações próprias dos elementos da cultura ofertam significações distintas nos diferentes momentos históricos. A dessacralização das práticas corporais e a racionalização das mesmas, para sistematizar o esporte, são exemplos desse movimento. As transformações do contemporâneo têm apontado para outras modificações no esporte, fenômeno multireferencial que agrega significação de que versam sobre a instabilidade, o virtuosismo e o prazer.

Temos, neste estudo, apontado a possibilidade de aproximar essas recorrências da compreensão de pós-modernidade. Giddens (1991) disserta com cautela a percepção de que estamos em um período pós-moderno e opta por afirmar que, na verdade, estamos em um período de radicalização da modernidade, pensada por alguns autores como hipermodernidade.

Indagamos se hoje temos hoje um esporte hipermoderno ou pós-moderno? As peculiaridades polissêmicas apontam para características pós-modernas, no entanto a fixidez na competição ainda caracteriza o evento esportivo. Basta-nos refletir se esta questão é central.

Muito se tem falado da comercialização do esporte, admitindo o consumo dos elementos da cultura como massificação dos mesmos. Mas seria prioritariamente este, o elemento que caracteriza o esporte contemporâneo? Essa massificação não pulveriza sua significação, não gera expectativas diferenciadas. Pensamos que,

se por um lado, a expansão, divulgação e heterogeneização ampliam as fronteiras do esporte, tornando-o mais acessível, por outro, esse crescimento também amplia a esfera de possíveis consumidores desse fenômeno. Essa diversidade de manifestações pode tanto oferecer oportunidades de melhorias sociais, como também auxilia na divulgação e comercialização do espetáculo e de produtos ligados a ele (MARQUES et al, 2007, p. 1).

Temos argumentado que se gerou uma nova sensibilidade frente ao esporte contemporâneo e, paralelo a esta, uma nova significação (VALVERDE, 2007). Vê-lo, compreendê-lo ou identificá-lo não é tão simples como em outros momentos. Não obstante esse fenômeno mostrar-se diferente em sua manifestação (modificações de técnica, regras, etc), as formas de visibilidade dele também se modificaram. Sendo fiel ao conceito, não é possível falar de uma ideia de esporte puro (ou seria moderno?) justamente porque se faz necessário considerar sua espetacularização, sua virtualização (BETTI, 1998) e suas diferentes entradas sociais, sejam elas na manifestação do esporte educacional, participação ou de rendimento (TUBINO, 1992).

Segundo os argumentos que buscamos elencar neste espaço de reflexão, identificam- se modificações que questionam a ideia do esporte moderno, mas que ao mesmo tempo não negam os preceitos que o constituiu (competição, sistematização do treinamento – racionalização). Admitindo que nenhuma dessas considerações anula a outra, aponta-se como agenda de pesquisa a identificação dos elementos estéticos que permeiam essa multiplicidade de significações esportivas de forma a abarcar a uma síntese atual que possibilite pensar esporte se não pós-moderno, mas neo-moderno, como já apontava Fenstersaifer (2001) sobre a educação física na crise da modernidade.

Trabalhar com o cuidado de não alarmar uma ruptura total do esporte com a modernidade é respeitar que, no rastro do pensamento de Kellner (2001), que muitas das ideias e manifestações se nominam pós-modernas têm sua origem na modernidade e dela ainda não conseguiram se libertar por completo, tal como o esporte.

Se o esporte, sobretudo, o institucionalizado em grandes federações e circuitos competitivos, ainda mantém seu vínculo com os princípios de produtividade e eficiência, ele também é tributário de nova roupagem espetacular que promove outras significações e apropriações. Também é necessário citar que o esporte de rendimento/espetáculo é, de fato, ícone na representação do esporte, mas de certo não é expressão monolítica no contexto esportivo.

quatro anos reforça seu discurso agonístico de batalha simbólica entre estado-nações sob, mas que se transmutou, muito acima da competição em um espetáculo mundializado que movimenta milhões e seduz a inúmeros (tele)espectadores pelo mundo. Paralelamente, é necessário dizer que, mesmo enquanto uma expressão esportiva marginal não couber em uma edição dos Jogos Olímpicos, haverá uma expressão em paralelo que marcará subculturas, como o caso dos Gay Games. Se, de todo modo, não temos uma compreensão difratada de esporte que possa se afirmar pós-moderna por excelência é porque

rupturas radicais entre os períodos, em geral, não envolvem mudanças completas de conteúdo, mas ao contrário, a reestruturação de certos elementos já dados: aspectos que em um período ou sistemas anteriores eram subordinados agora se tornam dominantes, e aspectos que tinham sido dominantes tornam-se agora secundários (JAMESON, 2006, p. 41).

Acreditamos que os elementos eróticos do esporte, encontrados em sua origem no princípio da modernidade e que foram substituídos pela coerção disciplinar do corpo que se tradicionalizou (WELSCH, 2001), regressam no contemporâneo como um indicativo de nostalgia não consciente dessa sensibilidade cultural pós-moderna. Os indicadores de busca do prazer, da recorrente autogratificação, da partilha de afetos e da fluidez das escolhas nos mostra isso.

Não negamos a presença ainda forte e demarcada de todas as características do esporte moderno. Contudo, o cotidiano (esportivo ou não) “convoca o paradigma dionisíaco, sublinhado à força do hedonismo e do sensualismo dos costumes. Em uma cultura entregue aos prazeres sensoriais e aos desejos do gozo aqui e agora, é toda vida social e individual que, ao que nos dizem, está envolta num halo ‘orgiástico’ ” (LIPOVETSKY, 2007, p. 2009).

Para fins de síntese, a leitura que se faz da representação do esporte no cinema contemporâneo (no recorte desta pesquisa) é de uma prática que cria autonomia para além das características que emolduraram o esporte moderno e se manifesta de forma múltipla em modalidade e expressões dentro das modalidades já tradicionais. Além disso, o esporte contemporâneo se permite dialogar com aspectos da cultura que sustentam a estrutura burocratizante do esporte moderno, tal como o universo do consumo.

Nesse sentido, o esporte contemporâneo é tributário de uma série de nuances que formatam a pós-modernidade, tal como o questionamento, autoironia, o consumo, o descentramento de elementos, o ecletismo e a pluralidade. Por esse motivo, podemos compreender o esporte contemporâneo como pós-moderno, pois, mesmo identificando as

normas de valores modernos como pano de fundo para essa prática, observa-se que as significações do esporte estão cada vez mais atreladas às práticas nômades, experienciais e consumistas que utilizam elementos da modernidade como instrumental para gestar a atividade.