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Considerações sobre ideologia

1. Identidade social e Análise crítica do discurso

2.5. Considerações sobre ideologia

Para a discussão sobre ideologia, nos pautamos teoricamente nas investigações realizadas por Van Dijk (2005) acerca do fenômeno, pois o autor elabora o seu conceito dando um enfoque sociocognitivo, diferenciando-se bastante das perspectivas tradicionais, como por exemplo, as desenvolvidas com base na linha marxista.

A sua teoria se diferencia em muitos aspectos das abordagens clássicas e de outras abordagens contemporâneas, pois o autor não considera ideologia como sendo simplesmente um ‘sistema de ideias’, nem sequer característica da mente individual das pessoas. Não é vagamente definida como uma forma de consciência. Em vez disso, é considerada como quadro básico da cognição social (VAN DIJK, 2005).

Devido a isso, a teoria que o autor defende é considerada como multidisciplinar, pois, com base em uma análise crítica do discurso, está articulada em torno de um triângulo que relaciona sociedade, discurso e cognição social. Nessa abordagem, enfatiza Van Dijk (2005) que:

as ideologias formam os quadros básicos organizadores das cognições sociais partilhadas pelos membros de grupos sociais, organizações ou instituições. Nesse aspecto, as ideologias são tão cognitivas como sociais. (p.118)

Com base nisso, a ideologia permite que os grupos, diante de uma diversidade de valores e de conceitos construídos em uma sociedade, articulem-se em torno de afinidades e organizem-se em torno de crenças sociais específicas, que os unem e os permitem agir coordenadamente. Ela será construída a partir de uma seleção de valores e crenças relevantes para cada grupo e, dessa forma, possibilitam que membros de grupos organizem suas ações e interações com o objetivo de compartilhar interesses coletivos.

Sendo assim, Van Dijk (2005), considera que as ideologias são sistemas globais e abstratos que organizam as atitudes socialmente partilhadas dos indivíduos. O próprio autor destaca que uma de suas funções sociais é:

permitir aos membros de um grupo organizar (a admissão ao) o seu próprio grupo, coordenar as suas ações sociais e finalidades, proteger os seus recursos (privilegiados) ou, inversamente, no caso de grupos dissidentes ou da oposição, aceder a esses recursos. (VAN DIJK, 2005, p.119)

Como a ideologia é socialmente construída e compartilhada entre grupos, não se pode considerar que há ideologia individual. É, através de processos de socialização complexos, que ela vai sendo gradualmente adquirida pelos membros de um grupo e é, a partir do discurso, que ela mais se propaga. Ela é considerada como a base primordial para a elaboração dos discursos dos membros de um grupo como fazendo parte daquele grupo. Aponta Van Dijk (2005) que a ideologia é tipicamente, embora não unicamente, expressa e reproduzida no discurso e na comunicação. Por isso que se considera que é pela análise do discurso que se podem identificar as manifestações da ideologia.

A ideologia pode ser considerada como sendo relativamente estável, pois ela é gradualmente adquirida pelos seus membros e, em determinados momentos históricos, pode ser mudada, pois os membros de grupos podem, também gradualmente, deixar de acreditar no que antes o identificava como fazendo parte daquele grupo. Entretanto, para se adquirir ou modificar uma ideologia, várias experiências, interações e discursos são precisos.

O conceito de ideologia foi tradicionalmente desenvolvido pela Sociologia e pela Filosofia, situando-a a partir das relações de poder. Somente as classes ou instituições dominantes eram consideradas como possuidoras de ideologia, pois ela era vista como um instrumento da classe dominante para manter o poder.

O tratamento sociocognitivo dado ao assunto passa a ser diferenciado das perspectivas adotadas por essas ciências, como por exemplo, da marxista, pois, a ideologia passa a ser vista não como sendo negativista e opressora. Ela será considerada, como um sistema de crenças que não se restringe às classes dominantes. Todos os grupos, sejam eles da oposição ou dominados, também vão partilhar ideologias.

Por a maior parte das abordagens sobre o tema ideologia ter inspiração exclusivamente nas ciências sociais e em abordagens filosóficas, a ideologia não vai ser tratada dentro desta perspectiva, o que acaba proporcionando que as classes não privilegiadas da sociedade se vejam como exclusivamente submissas a ideologias que as dominam. Tal mudança de perspectiva permite que a ideologia não mais seja tratada como um instrumento de opressão, mas sim, como um aspecto que pode, talvez, até mesmo propiciar a mudança social.

Desta maneira, considera-se que existem as ideologias das classes dominantes, que são predominantes e que contam com vários mecanismos para a sua imposição, um deste é o acesso discursivo, mas também, há as ideologias das classes menos privilegiadas socialmente e economicamente. Estas ideologias não são menos importantes do que as dos grupos favorecidos. Cada uma apresenta a sua devida relevância.

A partir disso, podemos considerar que, como o acesso ao discurso público, mais especificamente ao discurso jornalístico, de grupos que detém mais poder é mais recorrente, as ideologias que influenciam tais grupos são preferencialmente mais divulgadas. Dessa forma, as ideologias dos grupos dos excluídos são, na maioria vezes, menos visíveis para a sociedade. Com isso, não se pode afirmar que os grupos que possuem mais acesso discursivo ao espaço do jornal são os únicos que possuem ideologias e, consequentemente, os que têm menos acesso ao discurso não as têm. O que acontece é que as ideologias dos grupos ou instituições poderosas têm mais acesso ao discurso público e, por isso, são tidas como dominantes na nossa sociedade.

Já que as ideologias, para a perspectiva sociocognitivista, são consideradas como elementos organizadores das cognições sociais, assume-se que elas controlam, através das mentes dos indivíduos, a reprodução social de um grupo; ou seja, as ideologias organizam as atitudes de grupos específicos. Essas atitudes podem ser usadas na formação de opiniões pessoais, e essas opiniões podem ser expressas na fala e na escrita (FALCONE, 2005, p.41). Dessa maneira, as ideologias representam mentalmente algumas características sociais dos indivíduos, como identidade, normas, valores, posições, tarefas, etc.

A partir disso, a noção de identidade social passa a ser considerada como um sistema de crenças compartilhadas por grupos, ou como elaborações cognitivas compartilhadas por pessoas que fazem parte do mesmo grupo social (VAN DIJK, 2005). Sendo assim, as ideologias vão definir a identidade social de um grupo. Esse é

um dos aspectos que tomamos como base para a noção de identidade que adotamos no nosso trabalho.

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