• Nenhum resultado encontrado

A Irlanda é hoje um dos principais destinos de investimentos farmacêuticos do mundo. Se nos anos 1950 era pouco provável pensar em grandes multinacionais no país uma vez que a economia irlandesa dependia basicamente de produtos agrícolas, atualmente, qualquer estudo que avalie a capacidade de um país em atrair grandes investimentos deve obrigatoriamente passar pelo estudo do ‘efeito irlandês’.

As primeiras empresas farmacêuticas a se instalarem na Irlanda foram Bristol-Myers Squibb125 e Pfizer no ano de 1964. O deslocamento dessas empresas foi motivado pela resolução do governo irlandês em implantar uma agressiva política industrial saindo do isolamento comercial vigente desde os anos 1930. As primeiras iniciativas em torno do objetivo de tornar a Irlanda num cluster de alta

125) Na época ainda Squibb.

119

tecnologia capaz de produzir em escala global ocorreram com o relaxamento na composição das tarifas e setores como o químico, farmacêutico e eletrônicos, que foram eleitos para serem alvos de investimentos e de políticas de subsídios.

Como o apoio da agência governamental encarregada em atrair grandes investimentos industriais no país – Industrial Development Authority (IDA) – e das federações das indústrias, a Irlanda tem incentivado as grandes empresas a realizarem investimentos, sobretudo, intensivos em conhecimento. Com a combinação de incentivos fiscais e financeiros, juntamente com adequada infra-estrutura demandada por setores baseados em ciência, a Irlanda tem logrado sucesso em suas políticas.

No caso do setor farmacêutico: 13 das 15 maiores empresas do mundo possuem operações no país, sendo 83 unidades produtivas que empregam cerca de 20.000 pessoas (1% da mão-de-obra total) e respondem por 1/3 das exportações do país (PHARMA MARKETLETTER, 2004). Além disso, são produzidos 6 dos 10 e 12 dos 25 medicamentos mais vendidos em todo mundo, incluindo Lipitor e Zocor. Essa capacidade produtiva coloca o país na liderança em termos de exportações de produtos farmacêuticos126 (M2 Presswire, 2005).

Praticamente todas as etapas da cadeia produtiva farmacêutica são realizadas na Irlanda, da fermentação às atividades de P&D127. O que torna então o país um pólo de atração desses investimentos que costumam figurar dentre aqueles mais seletivos pelas grandes multinacionais? Seguem as principais motivações:

• Mão-de-obra qualificada realimentada pelo bom desempenho econômico o que faz com que muitos cientistas irlandeses residentes no exterior retornem ao país;

• Reduzidos obstáculos burocráticos na instalação de novas fábricas;

126) Fonte: IDA. Disponível em http://www.idaireland.com/home/index.aspx?id=64. Acesso em 01 fev. 2006.

127) Roselino (2006), mostra que a Irlanda mesmo sendo um país sem tradição no desenvolvimento de atividades vinculadas às tecnologias de informação e comunicação, conseguiu com a indústria do software, ser o primeiro caso de indústria de alta tecnologia no país. O fenômeno é recente, tendo a maior parte das empresas se instalado a partir dos anos 1990. A estimativa para o ano 2001 mostrava que a Irlanda “seria a origem de 40% de todo software consumido na União Européia e responsável por 80% das exportações totais de software deste bloco regional de comércio”. Entretanto, essa vitalidade ainda sofre de limitações, na medida em que as atividades desenvolvidas no país por empresas multinacionais estão situadas em estágios posteriores das funções estratégicas do processo de produção do software. A realização desse tipo de atividade não implica em desenvolvimentos autônomos pelas filiais instaladas na Irlanda, dado que não envolve mudança nas características principais desenvolvidas nas “nações-sede” das empresas multinacionais. Assim, os valores com exportações obtidos pelo país são resultados de um modelo que ainda depende do dinamismo da demanda externa, já que os softwares são apenas adaptados para o mercado de destino e são “empacotados” na Irlanda. Assim, a Irlanda constitui outro exemplo em que informações generalistas acerca de seus desempenhos tecnológicos devem ser relativizadas.

120

• Excelente sistema educacional e liberdade de movimento pelos países da União Européia128 membro desde 1972 (ROBIN, 1983);

• Adoção das normas regulatórias internacionais – 30 plantas são aprovadas pelo FDA129;

• Livre acesso ao mercado da União Européia – não é segredo que esse é um dos principais atrativos já que é muito mais difícil vender para mercados europeus de fora da Europa.;

• A Irlanda serve como uma base das operações farmacêuticas na Europa;

• Instituições acadêmicas voltadas ao suprimento das necessidades industriais com um programa de pesados financiamentos à pesquisa básica (€ 1 bilhão de euros é o valor a ser investido pelo governo no período 2001-07 para financiar atividades acadêmicas desenvolvidas na Science Foundation Ireland), o percentual de universitários estudando ciências e engenharias é de 35%, maior que a média da União Européia que é de 30%;

• Acesso a portos e aeroportos;

• Incentivos financeiros e governamentais: até 2005 o país acordou com a União Européia uma tributação sobre lucros das empresas multinacionais de 12,5%. Para as empresas que já estavam instaladas antes de 1998, a taxa garantida até 2010, é de 10%. Se for adotada a tributação de 12,5% a Irlanda figura como o país que pratica a segunda menor taxa, perde apenas por Chipre (10%), ainda assim, o percentual é bem inferior a países como Espanha (35%), França (32%), Bélgica (34%), Holanda (31%) e Alemanha (27%)130;

Entretanto, alguns analistas afirmam que no caso do setor farmacêutico cuja concorrência nunca esteve tão acirrada, a Irlanda pode ser vítima de seu próprio sucesso. Países da Ásia e da Europa Oriental são capazes de produzir com custos ainda menores e tendo copiado a receita irlandesa. Isso porque, enquanto na Irlanda a tributação é de 12,5% (considerado muito baixo) em Cingapura é zero. Empresas estrangeiras que queiram se instalar na Hungria conseguem deduzir até 200% dos gastos em P&D do rendimento tributado (CAPELL, 2004).

Frente a isso, a reação por parte das agências irlandesas assume que a chave para que o país continue competitivo é manter uma baixa taxa de tributação acompanhada da garantia de que a base de

128) Antes conhecida como Comunidade Econômica Européia.

129) As boas práticas de fabricação em medicamentos envolve os requisitos necessários para métodos e controles usados no projeto em desenvolvimento, nas compras, fabricação, embalagem, rotulagem e armazenamento dos produtos farmacêuticos.

130) Uma empresa que produz nos Estados Unidos, por exemplo, para obter o mesmo benefício caso produza na Irlanda, deverá aumentar seus lucros em 45%. Comparativamente, no Reino Unido deverá aumentar 25% e na Alemanha 19%.

121

mão-de-obra qualificada seja crescentemente dilatada. Com esse aval do governo a contrapartida exigida das empresas é de que seus investimentos fiquem concentrados em pesquisa e desenvolvimento e que alcancem entre 2002 e o final de 2006 a quantia de US$ 3,4 bilhões, montante cinco vezes maior que o qüinqüênio anterior.

Para manter-se competitivo especialmente com nações que competem por investimentos farmacêuticos diretamente com a Irlanda, como Porto Rico, China ou Cingapura o país tem focalizado suas políticas direcionando os investimentos da pesquisa básica para P&D sofisticado, atrelado a novas tecnologias (MANUFACTURING CHEMIST, 2004).

Ao que parece o plano está surtindo efeito já que as empresas farmacêuticas estão inaugurando novas plantas e aquelas já estabelecidas estão adicionando capacidade e/ou atualizando suas instalações, caso da Pfizer que anunciou investimentos da ordem de US$ 294 milhões em modernização em uma de suas nove unidades irlandesas. A Centocor Inc. (subsidiária da Johnson & Johnson) irá construir uma planta dedicada à biotecnologia para desenvolver medicamentos de combate ao câncer e artrite. GlaxoSmithKline investiu US$ 42 milhões em P&D na Irlanda e a Wyeth Pharmaceutical escolheu o país para abrigar sua unidade também voltada a biotecnologia num investimento inicial de US$ 2 bilhões (PHARMA MARKETLETTER, 2005).