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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CENÁRIO INTERNACIONAL

1. INTRODUÇÃO

1.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CENÁRIO INTERNACIONAL

As práticas de terapia ocupacional na APS vêm ganhando visibilidade na literatura internacional. A partir de meados dos anos 1970, essas práticas passam a ser relatadas no Brasil (SILVA, 2016) em outros países da América do Sul, como na Argentina e no Chile (BIANCHI, 2019; OYARZUN et al., 2009). Em países da Oceania e Europa, há relatos de práticas a partir dos anos 1980 (BOLT et al., 2019a; TSE; PENMAN; SIMMS, 2003; WOOD; FORTUNE; MCKINSTRY, 2013), no Canadá e nos EUA, nos anos 1980 e 1990 (DONNELLY et al., 2014; MUIR, 2012) e na África do Sul e Hong Kong a partir das duas primeiras décadas do século XXI (FONG, 2008; NAIDOO; WYK; JOUBERT, 2017).

As práticas de terapeutas ocupacionais na APS se encontram em desenvolvimento e possuem trajetórias e características distintas nos países, tendo em vista as diferenças nos Sistemas de Saúde das nações (público, privado ou misto) e nas concepções seletiva ou abrangente de APS (BOLT et al., 2019b; NAIDOO; WYK; JOUBERT, 2016; SILVA; OLIVER, 2017).

Em revisão de literatura sobre terapia ocupacional e APS, Tse, Penman e Simms (2003) encontraram, entre os anos de 1985 e julho de 2003, nas bases Cinahl e Occupational Therapy Database, 15 artigos de língua inglesa relacionados aos descritores: “occupational therapy”, primary health care” e “health reform”. Os autores identificaram que durante meados dos anos 1980 e 1990, o papel da terapia ocupacional na APS limitava-se a fornecer um serviço baseado em atendimento na comunidade, complementando os serviços comunitários existentes, de tal maneira que os terapeutas ocupacionais que trabalhavam nesses novos serviços apenas transferiam seus conhecimentos de cuidado em saúde baseados no modelo biomédico para o contexto comunitário. Nessa revisão de literatura percebeu-se que, no início do século XXI, os três principais desafios para a prática da terapia ocupacional na APS, foram: - usar a abordagem apropriada para a prática em contextos de APS (definindo sua abordagem teórica e o seu papel na APS); - trabalhar com os profissionais que já compõem as equipes de APS e assegurar comunicação efetiva de usuários de serviços

de APS com outros serviços da rede de atenção à saúde (TSE; PENMAN; SIMMS, 2003).

A terapeuta ocupacional e pesquisadora Sherry Muir (2012), ao refletir sobre as oportunidades para terapia ocupacional na APS a partir da Reforma do Sistema Público de Saúde dos EUA, elencou algumas competências que a terapia ocupacional dispõe para estar na APS: - conhecimento para atuar em todos os ciclos de vida; - ser profissional generalista e o fato de os terapeutas ocupacionais serem especialistas em funcionalidade, rotinas e modificação/adaptação de atividades.

Além disso, em seu levantamento bibliográfico Muir (2012) identificou as principais áreas de evidências que sustentam a importância da terapia ocupacional para intervir na APS. Foram elencadas as seguintes áreas: - pediátrica (intervenções no desenvolvimento e integração sensorial); - reabilitação de membro superior; - saúde mental; - resolução de problemáticas ligadas a Atividades Vida Diária (AVD) e Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD).

Mais recentemente, no editorial de número 5 do The American Journal of Occupational Therapy (2019), a pesquisadora americana Katie Jordan defendeu que a terapia ocupacional está preparada para ser parte vital das equipes de APS nos EUA e contribuir para solucionar os desafios contemporâneos do cuidado em saúde neste nível de atenção (JORDAN, 2019). Nesse sentido, Jordan (2019) elencou cinco pré-requisitos para que terapeutas ocupacionais se estabeleçam na APS, sendo eles:

 Terapeutas ocupacionais devem ser capazes de avaliar e tratar todas as pessoas, o que inclui abordar a promoção da saúde, saúde física, saúde mental e as barreiras e os apoios ambientais;

 Os profissionais de terapia ocupacional devem ser identificados como membros valiosos para as equipes de APS abrangentes;

 Os serviços de terapia ocupacional devem estar acessíveis aos pacientes na APS;

 Para promover um futuro sustentável da profissão na APS, os estudantes de terapia ocupacional devem ser educados sobre os papéis e responsabilidades neste nível de atenção;

 É necessária a mobilização de evidências para que a terapia ocupacional se estabeleça na APS. O acúmulo de massa crítica de evidências que demonstrem a eficácia, o custo-efetividade e o impacto da terapia ocupacional com indivíduos, grupos e populações.

Nos EUA, a partir de uma perspectiva privada de APS, este nível de atenção está se desenvolvendo como uma área de prática para terapeutas ocupacionais (PYATAK et

al., 2019). Sendo necessária a estruturação de modelo de prática específico para APS, explicando o quanto os serviços deste nível de atenção irão melhorar os indicadores de cuidado aos pacientes, demonstrando ser uma opção profissional financeiramente sustentável, que ajudará a cumprir metas organizacionais, a eficiência e a eficácia das equipes (SMITH et al., 2020).

Além disso, os pacientes com necessidades ocupacionais não estão sendo suficientemente atendidos na APS [seja nos sistemas públicos ou privados], o que indica a importância de maior inserção da terapia ocupacional neste nível de atenção à saúde (WINSHIP; IVEY; ETZ, 2019). A APS possibilita à terapia ocupacional a oportunidade de realizar todo o seu potencial e desenvolver sua capacidade de atender às necessidades ocupacionais dos indivíduos, grupos e populações no contexto de suas vidas diárias e nos lugares em que trabalham, brincam, aprendem e vivem (JORDAN, 2019).

Em um estudo canadense, Donnelly et al. (2016) descreveram o papel da terapia ocupacional na APS a partir de uma pesquisa Survey com 52 profissionais da área, que afirmaram realizar frequentemente: atendimentos individuais (60%), seguido por intervenções em pequenos e grandes grupos (14%), com familiares e cuidadores (13%) e com a comunidade (10%). A maioria dos casos atendidos era de idosos (57%), seguida de adultos (28%), crianças [12 meses-12 anos] e adolescentes [12 aos 18 anos] (15%). As atividades mais presentes no escopo da prática foram a prescrição de equipamentos de tecnologia assistiva (75%); as atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças (37%), que incluem a prevenção de quedas (37%) e a avaliação de segurança no domicílio (69%) (DONNELLY et al., 2016).

Outra pesquisa canadense investigou se a Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM) pode ser usada como medida de avaliação e resultado por terapeutas ocupacionais da APS. Neste estudo, os pesquisadores analisaram 161 aplicações da COPM com uma variedade de pacientes de serviços de APS, sendo alcançados os objetivos positivos no autocuidado, na produtividade e no lazer, o que indicou que a COPM é uma ferramenta sensível para orientar as avaliações iniciais na APS, com foco na ocupação e na função, em vez de abordar os sintomas das patologias (DONNELLY et al., 2017).

No estudo de revisão de literatura de Bolt et al. (2019a), que buscou descrever o escopo das práticas de terapeutas ocupacionais da APS em toda Europa, foi possível

identificar uma variedade de ações na APS em diferentes países europeus. As evidências encontradas estão relacionadas às seguintes dimensões da prática:

 Saúde mental e emprego apoiado; Saúde mental e dor crônica;

 A intervenção da terapia ocupacional em oncologia e cuidados paliativos;  Promoção da saúde por meio de grupos: promoção da saúde masculina, grupo de

estresse e bem-estar, grupo de memória e estilo de vida (para transtorno cognitivo leve) e o grupo de prevenção de quedas;

 Terapia ocupacional em serviço de atendimento comunitário com foco na saúde física e mental e na assistência comunitária;

 Ações junto a adultos com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno do espectro autista (TEA); a adultos após acidente cerebrovascular; para pessoas com doença de Parkinson e terapia ocupacional de base comunitária para idosos com demência e seus cuidadores;

 Intervenção domiciliar em centros de saúde junto à saúde infantil e escolar;  Implantação de um Programa (OPTIMAL) de seis semanas baseado na

comunidade, liderado por terapeutas ocupacionais e focado nos problemas associados ao autocuidado em comorbidades crônicas.

Em toda a Europa existem grandes diferenças na disponibilidade de terapia ocupacional na APS, a profissão ainda é tida como aquela menos utilizada na APS dos países europeus (BOLT et al., 2019a). Cabe destacar que na APS a terapia ocupacional trabalha no contexto dos pacientes, onde as atividades ocorrem seja na casa, na escola, trabalho ou contexto social, de tal maneira que tem muito a oferecer nesse nível de atenção, especialmente se estiver inserida nos sistemas sociais e de saúde locais, regionais e nacionais (BOLT et al., 2019b).

Como visto, há uma diversidade de práticas que compõe a atuação da terapia ocupacional na APS e ao mesmo tempo há necessidade de entendimento com maior profundidade sobre estas, tendo em vista que a amplitude do escopo das práticas provenientes de outros campos de atuação pode resultar em falta de foco e eficácia das ações na APS (BOLT et al., 2019b).

De maneira geral, apresenta-se, no cenário internacional uma tendência de inclusão das práticas de terapia ocupacional na APS. Há proposições teóricas, científicas e profissionais para o seu desenvolvimento nesse nível de atenção e as práticas relatadas na literatura, revelam maior enfoque individual, nas ocupações e preocupação com a construção de evidências preliminares que contribuirão para a inserção e permanência da profissão na APS.

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