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Considerações sobre o contexto sócio-histórico

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Análise conceitual Levantamento

1. FUNDAMENTOS DA ORIGEM DA NOÇÃO 13 DE RELAÇÃO AO SABER

2.3 Considerações sobre o contexto sócio-histórico

Beillerot (1989b) conclui a seção na qual discute a história da noção de relação ao saber, argumentando que essa noção ―se situa, assim, na história do pensamento francês, ao interior dos debates mais intensos e originais dos últimos 20 anos" (p. 174, tradução nossa). A expressão está ligada à conjuntura de seu tempo. Dessa maneira, explica Beillerot (ibid), ela foi construída a partir de dois termos81 que por si só foram amplamente promovidos nas últimas décadas82.

Encontramos, recentemente, um trabalho da pesquisadora argentina Soledad Vercellino (VERCELLINO, 2014) no qual esta autora realiza um estudo a partir de uma revisita ao contexto inicial de origem da noção de relação ao saber. Vercellino (ibid.) considera que, atualmente, a noção é amplamente utilizada pela comunidade

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Embora não esteja escrito ao pé da letra, acreditamos que o autor quis se referir aos termos ‗rapport à‘ e ‗savoir‘, uma vez que ele desenvolve considerações específicas sobre os mesmos - ‗rapport à‘ (pp. 174-177); ‗savoir‘ (pp. 177-181). Laot (2009) aborda, de maneira especial, a questão da multiplicidade e diversificação da noção de ‗rapport à‘ na literatura dos anos 1960. Nessa direção, ela argumenta que a noção, já utilizada há tempos nos escritos filosóficos por meio da expressão de ‗rapport au monde‘, também teria sido bastante desenvolvida por Bourdieu, em particular, no que se refere à discussão acerca do ‗rapport au langage‘ e por Foucault (1966) ao tentar precisar a questão do ‗rapport de la pensée à la culture‘. Desse modo, Laot (2009) dá a entender que a noção de relação ao saber poderia ter sido um desenvolvimento natural desse contexto singular de intensa utilização da expressão ‗rapport à‘.

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acadêmica internacional. Nesse sentido, reconhece duas grandes escolas: a psicanalítica (referência em Beillerot e na equipe do CREF) e a sociológica (referência em Charlot e na equipe ESCOL).

Argumentando que tanto Beillerot (1998)83 quanto Charlot (2008)84 reconhecem que o sintagma ‗rapport au savoir‘ foi, primeiramente, formulado por Lacan, ela levanta a hipótese de que ―os desenvolvimentos conceituais e empíricos, que se dão em torno desta dita noção, tem descuidado das próprias condições de produção da noção no marco da proposta lacaniana‖ (VERCELLINO, 2014, p. 1).

Nessa perspectiva, a autora descreve o cenário cultural (citando Canguilhem, 1975)85 no qual a noção emerge, situando-a no marco da filosofia francesa da segunda metade do século XX. Conforme a autora, Baudiou (2005) assinala que a questão do sujeito é uma característica de toda a filosofia francesa da segunda metade do século XX (VERCELINO, ibid.).

Em seguida, apoiando-se em Farran (2009)86 – que aborda a questão da subversão do sujeito em Althusser, Lacan e Badiou –, Vercellino (2014) vincula a questão da relação ao saber com a ideia de subversão do sujeito.

Assim, a questão da relação com o saber se vincula com a ideia

da subversão do sujeito. Da subversão, inversão ou retroversão que a

psicanálise freudiana, e outros desenvolvimentos conceituais do século XX, como os de Cantor e Marx (Farrán, 2009), ou de Nietzsche, Freud e Marx como dirá Foucault (1995), fazem do sujeito cartesiano. Estes autores repararam, desde distintos campos de estudos, que o sujeito singular ou a episteme da época (no coletivo) ‗não vê que vê‘, ‗não sabe que sabe‘‖ (VERCELLINO, 2014, p. 3, tradução nossa; grifo nosso).

Na parte restante de seu trabalho, a autora analisa, de maneira particular, as obras de Lacan, na perspectiva de extrair considerações que permitam refletir

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BEILLEROT, Jacky, BLANCHARD-LAVILLE, Claudine y MOSCONI, Nicole. Saber y relación con el

saber. Buenos Aires: Paidos Educador. 1998.

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CHARLOT, Bernard. La relación con el saber. Elementos para una teoria. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2008.

85

CANGUILHEM, Georges. La formación del concepto de reflejo en los siglos XVII y XVIII. Barcelona: Avance, 1975.

86

FARRÁN, Roque. Subversión del sujeto: Althusser, Lacan, Badiou. Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídica. 24.4 (2009): 87-95.

acerca da relação ao saber. Em nossa análise, esse trabalho de Vercellino (2014), assim como o de Beillerot (1989), apresenta um traço relevante de originalidade. Visivelmente a autora é guiada pelo intuito de promulgar a questão da vigilância epistemológica acerca da utilização da noção de relação ao saber, uma vez que a mesma sugere que há um descuido no que diz respeito às condições do contexto no qual a noção foi produzida.

Apesar da originalidade, o trabalho carece de algumas ponderações por desviar-se ou interpretar, de maneira restrita, alguns fatos acerca da origem e da evolução histórica da noção.

Primeiramente, a autora, reconhecendo o pioneirismo e as contribuições de Beillerot e Charlot87 no que diz respeito ao estudo e sistematização da relação ao saber, argumenta que ambos os autores apontam Lacan como o primeiro a formular o sintagma ‗rapport au savoir‘88

. Por essa razão, ela considera que as condições no qual a noção foi produzida estariam balizadas conforme a proposta lacaniana.

Em nossa opinião, o fato de Lacan ter sido o primeiro a utilizar o sintagma ‗rapport au savoir‘ não implica necessariamente que a raiz de sentido da noção esteja centralizada nos contextos nos quais Lacan a utilizou.

De fato, nem Beillerot nem Charlot consideram essa condição. Jacky Beillerot, já em sua tese d‟État em 1987, situa a relação ao saber como disposição íntima e gramática social, reconhecendo que a noção de relação ao saber tem uma dupla filiação – na Psicanálise e na Sociologia89. Charlot (2005, p. 46)90, por sua vez, também defende essa dupla origem quando afirma que ―nada indica que a expressão tenha sido importada de uma área a outra, de outro, porque ela foi forjada em problemáticas completamente diferentes‖.

Dessa maneira, compreendemos que o trabalho de Vercellino (2014) apresenta uma contribuição bastante relevante em relação às reflexões mais aprofundadas sobre o contexto – segunda metade do século XX – no qual a noção

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Nesse ponto, concordamos com a autora.

88

Também concordamos com essa afirmação.

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Nicole Mosconi (MOSCONI, 2008), uma das colaboradoras de Jacky Beillerot no desenvolvimento da noção de relação ao saber a partir de um ponto de vista clínico, também situa a relação ao saber entre Psicanálise e Sociologia.

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emerge. No entanto, é importante ressalvar que essas reflexões dizem respeito a um ponto bastante específico (o contexto cultural, ou melhor, intelectual, e o sentido da noção restrito ao contexto do autor que primeiro a utilizou, no caso Lacan). Não obstante, não concordamos que essas reflexões sejam generalizadas, isto é, consideradas largamente na direção de dar conta do sentido original da noção em sua concepção.

Em nossa compreensão, concordamos com Beillerot (1989b) ao apontar que a noção de relação ao saber está ligada à conjuntura de seu tempo e que ela é construída a partir de ‗rapport à‘ e ‗savoir‘, termos amplamente promovidos na segunda metade do século XX. Concordamos, também, com Vercellino (2014) quando destaca a questão do sujeito como problemática característica da filosofia francesa desse mesmo período.

Embora o termo sujeito não seja explícito na expressão ‗rapport au savoir‘, entendemos que ele está marcadamente implicado na noção de relação ao saber. Portanto, argumentamos – de maneira complementar à Beillerot (1989b) e Vercellino (2014) – que a noção de relação ao saber foi construída a partir de três termos (dois explícitos – ‗relação à‘ e ‗saber‘; e um subjacente – sujeito) amplamente promovidos no cenário sócio-histórico da literatura científica francesa da segunda metade do século XX.

CAPÍTULO 3

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ‘RELAÇÃO AO SABER’

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