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CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DAS PARTICIPANTES

A PRINCESA DO NORTE

2.3 PERFIL DAS PARTICIPANTES DOS GRUPOS FOCAIS Quantas chances eu desperdicei,

2.3.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERFIL DAS PARTICIPANTES

“Nosso suor sagrado, É bem mais belo que este sangue amargo” Renato Russo

Ao analisarmos os quadros que expõem informações sobre as componentes de cada GF, vislumbro algumas divergências, mas também alguns traços em comum. Apesar se serem grupos que apresentam peculiaridades em relação a locais de moradia, escolaridades, renda familiar, entre outras, é possível verificar que, quando me reporto a questões referentes ao ser mulher e às demandas próprias da condição de mulher, algumas opiniões são confrontantes.

No quesito faixa etária, observo que as mulheres do G1 e do G3 possuem idades equivalentes, no entanto, ao se fazer um comparativo, o G2 apresenta uma diferença significativa. Assim, enquanto o G1 e o G3 partem da idade de 22 anos, o G2 parte de 44 anos, representando duas décadas de diferença em relação aos outros grupos.

Quando comparada a escolaridade podemos notar que o G1 e G2 apresentam maior nível de escolarização, apesar do G2 ter uma participante com Ensino Médio e outra com Ensino Fundamental incompletos, também duas têm grau superior e, igualmente, ao G1 possuem duas participantes com especialização, há de se observar que as outras integrantes do G1 são acadêmicas, ou seja, em processo de conclusão do Ensino Superior. Já no G3 todas declararam ter estudado somente até o Ensino Médio.

Outro dado significativo é a renda familiar das participantes, enquanto no G1 a maioria possui faixa salarial de 5 a 10 salários mínimos, o G2 é menor, de 1 a 5 salários, e ainda essa faixa salarial é menor no G3, em que quatro participantes declararam ter renda menor que um salário mínimo.

Comparando a participação em trabalhos voluntários, enquanto no G1 somente duas prestam auxilio financeiro a entidades filantrópicas; no G3 nenhuma exerce nenhum trabalho voluntário, já no G2 todas as participantes exercem trabalhos voluntários.

Analisando o local de moradias, verificquei que as participantes do G1 moram em locais mais privilegiados da cidade; duas participantes do G2 residem na região central da cidade e as outras quatro, em bairros de periferia. Por sua vez, todas as integrantes do G3 moram na periferia da

cidade. Tal fato coaduna com as ponderações de Renato Cymbalista42 (2008, s/p), o qual, em seu artigo ―Plano Diretor Participativo e o direito das mulheres à cidade‖, assevera que ―a pobreza urbana tem endereço, sexo e cor: mulheres, na maioria negras, chefes de família que moram nas periferias‖.

Assim, entendemos que essas mulheres, em decorrência da distância de suas habitações, ou seja, por estarem mais longe dos bairros centrais, e dada a situação socioeconômica, têm maior dificuldade de acesso aos bens e serviços públicos. Para elas, é impossível trabalhar por perto, estudar perto de suas casas. Nos lugares/espaços onde moram não há opções de trabalho, por isso percorrem longas distâncias, também não há opções de lazer. Isso fica evidente na fala de L3, componente do G3: ―sair de casa para se divertir significa voltar mais cedo, antes da diversão terminar‖. Essa situação reafirma que ser mulher nas periferias da cidade é conviver com as diferenças geográficas impostas por um sistema que afasta o pobre cada vez para mais longe, corrobora Cymbalista (2008,s/p).

A análise dos perfis dos grupos evidencia que alguns problemas, como os apontados acima, diminuem quando se mora em locais mais centrais e também em decorrência do poder aquisitivo. Visto que além dos bairros mais centrais serem melhor atendidos por serviços públicos, como saneamento básico, iluminação pública, coleta de lixo e espaços de lazer para as famílias, as que possuem uma situação econômica melhor, quando não atendidas por tais serviços, têm como recorrer a alternativas que minimizem essas carências, custeando-as com recursos próprios, como no caso das mulheres do G1 que informaram frequentar os shoppings da cidade nos finais de semana. Contudo, ressalto algumas questões que não são restritas às mulheres da periferia ou de baixa renda, como os problemas enfrentados no trânsito, e a segurança a que

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Docente do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto, grupo de disciplinas Urbanização e Urbanismo. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1996), mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas Universidade de São Paulo (2001) e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2006). Coordenador do núcleo de urbanismo do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (2003-2008). Pesquisador de Pós doutorado do IFCH-UNICAMP, no projeto temático "Dimensões do Império Português" (2008-2010). Parecerista ad hoc FAPESP. Editor Adjunto da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (2010-2012). Presidente do Instituto Pólis (desde 2012).

estão expostas na mobilidade diária. L3 do G1, sobre o seu percurso de casa à faculdade e vice-versa, mesmo em seu próprio veículo, relatou: ―eu me sinto bastante insegura ao parar no semáforo, há muitos casos de pessoas que foram assaltadas. E também as avenidas nesses horários são mal iluminadas e desertas, facilitando a ação de delinquentes‖.

No que tange ao preconceito sofrido pelas mulheres, nos G1 e G3 somente duas participantes informaram perceber tal situação. No G2, quatro das cinco mulheres declararam perceber e até mesmo terem sofrido algum tipo de preconceito. Conforme relataram o preconceito maior ocorre no trânsito. Nos três grupos foram apresentadas situações vivenciadas pelas próprias participantes, a partir das quais podemos aferir que essas mulheres, muitas vezes, só pelo fato de serem mulheres, são subestimadas. Como podemos notar na fala de L3 do G1: ―a gente quando sai na rua dirigindo, quase sempre recebe xingamentos e até gestos obscenos eles fazem pra gente‖.

Quando se trata de questões referentes aos direitos e envolvimento comunitário, podemos identificar, por meio da análise dos perfis das componentes, que as mulheres do G2 são mais politizadas, tanto que algumas delas (3), conforme informaram, estão engajadas em um grupo denominado ―Movimento de mulheres‖, no qual discutem e estudam questões de relação de gênero, o que propicia um debate em torno das nuanças desiguais presentes no seio da sociedade. Nesse grupo, o G2, percebemos um diferencial, visto que elas possuem uma visão mais ampla dos problemas vividos pela comunidade a qual pertencem, tanto que fizeram uma análise bastante ―sofisticada‖, até histórica das condições vividas pelos moradores da comunidade, onde habitam. Algumas falas das integrantes do G2 revelam que elas são politicamente e socialmente conscientes dos problemas que enfrentam no dia a dia e não se deixam acomodar, de fato vão à luta.

Camurça; Gouveia (2005), em trabalho intitulado ―O Que é Gênero? Um Novo Desafio para as Trabalhadoras Rurais‖, consideram que as mulheres têm tentado fazer do espaço de todos o espaço de todas. Para as autoras, elas têm ocupado o espaço público. Elas fazem isso ao trazerem para o debate os problemas da vida privada para serem discutidos e modificados. Ainda consoante às conjecturas autoras:

Fazer ação política é transformar um problema particular e privado em problema público e coletivo. Fazer política é ocupar o espaço público do debate, da manifestação, das ruas e das praças. Isto é, as mulheres ao fazerem política estão 152

transformando as relações de gênero, já que, tradicionalmente, não se espera isso delas (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p.32).

Nesse sentido, a fala de L3 do G2 é bastante emblemática:

O que me incomoda muito é a questão do comodismo das mulheres, porque nós vivemos numa sociedade amordaçadas, e talvez por medo de um coronelismo, ainda muito forte na região, nós mulheres nem sempre somos ouvidas. Você veja, por exemplo a educação, que está sucateada... a Saúde de Montes Claros vai muito mal, o pobre não tem direito à saúde, tem pessoas que quando consegue fazer o exame que chega ao médico e pede o exame de novo porque aquele exame já tá muito velho... a impunidade com as pessoas que roubam o dinheiro público, que a gente paga em tudo,... o dinheiro é desviado e a gente não tem nada de qualidade, nem a educação, nem a saúde, nem o saneamento básico... nós temos muitas pessoas que poderiam estar cuidando da segurança pública e hoje são formadores da insegurança pública, como por exemplo, a exploração sexual, quantos policiais envolvidos!... não tem planejamento, eles fazem conjunto habitacional, parece que fala assim, eu vou colocar lá não é pessoas não, vou colocar lá é bosta, porque não fazem escola, não fazem unidade de saúde, não fazem nada, só entregam a casa e os meninos acabam enfraquecendo o espírito familiar, porque tem que ficar na casa da vó... quem aqui já discutiu o conjunto

habitacional? nós mulheres, por exemplo,

ninguém é chamada pra discutir, então eles fazem do jeito deles, rouba o dinheiro do jeito deles. Por meio da fala, acima, percebemos como existe uma preocupação para que as mulheres tenham representatividade na esfera pública. As ponderações de L3, do G2, possibilitam entrever um olhar sensível às desigualdades presentes na sociedade montes-clarense, e aqui ressalto que essa preocupação se revela maior em relação às mulheres. Pois condizente às explanações de L3 ―nós mulheres vivemos amordaçadas‖, isso, em grande medida, reproduz a (in)visibilidade feminina na cidade.

Nesse contexto, verifiquei que as mulheres vêm percebendo a importância e necessidade de participação junto às tomadas de decisões politicas da cidade, já é comum, a presença delas nas reuniões da Câmara Municipal, superando a visão de que as mulheres não estão aptas para participar da vida pública, como propõe Gouveia:

aqui novamente surge a questão da dicotomia geral/específico e da fragmentação das políticas pública, na medida em que essas duas faces de uma mesma lógica terminam por criar uma espécie separação entre os sujeitos políticos considerados aptos para disputarem os sentidos e as orientações gerais das lutas e políticas e aqueles considerados sujeitos apenas reivindicatórios que atuariam dentro desta concepção – que ainda é fortemente dominante na nossa ação política – apenas a partir de seus próprios interesses para

resolução de carências específicas.

No caso em questão se as mulheres estão abrigadas sob a rubrica de grupos sociais pode-se inferir que elas não são consideradas como sujeitos políticos capazes de falar em seu próprio nome, bem como que sejam capazes de pronunciar um pensar e uma ação sobre a dinâmica das cidades. A mínima referência feita às mulheres nesses processos políticos reafirma a desigualdade e o seu ocultamento como sujeitos (GOUVEIA, 2005, s/p).

Entre as participantes do G2 observei que existe um grande interesse em reivindicar junto aos representantes políticos melhorias para seus bairros e consequentemente para a cidade, elas estão sempre atentas às demandas. Segundo ponderações dessas participantes, os administradores da cidade não possueam sentimento de pertença. Para elas, isso reafirma a ideia de que o bem público não tem dono, não precisa ser cuidado. As falas abaixo retratam as preocupações das integrantes do G2:

O Prefeito, (risos de todas) as administrações... o que eu não gosto de Montes Claros acho que exatamente isso, porque parece que quem chega para administrar não tem essa beleza que a gente escutou aqui agora, uma identidade com a cidade, não tem a questão da pertença, então não se sente 154

obrigado ou não se sente parte dela, faz muito por isso, então isso é uma coisa que eu não gosto muito aqui em Montes Claros.

Quando a gente fala nessa questão da gestão, é porque na verdade se você for olhar a questão de ter direito, os direitos sociais, você vai olhar que ela passa por esse viés, é um viés que quem administra vai dar direito a uma saúde de qualidade vai dar direito a uma moradia de qualidade vai dar direito a uma educação de qualidade, então isso, é o que nós não temos ainda efetivado, a gente sabe que existe os direitos garantidos, mas a efetivação disso não, e até por um processo político, e aí esse norte de Minas ainda impera, esse resquício de um coronelismo muito forte.

A gestão em Montes Claros não é bacana, não é boa, então os que estão a frente disso aí, dessas administrações passadas e passando sem nenhuma mudança efetiva, e a gente percebe que parece que o desejo deles de administrar, o objetivo não é servir a cidade, mas explorá-la, explorar o servidor, o trabalhador, o pobre, e aí a gente percebe que é uma gestão para se promover e isso é que nos dá uma tristeza uma agonia.

O que eu não gosto em Montes Claros é saúde, educação e a assistência não tem para criança e para o adolescente... o idoso é muito jogado, acho que acham assim: não serve mais pra votar e não serve mais pra gente cuidar.

O que mais me incomoda na cidade de Montes Claros é de uns anos pra cá, é essa questão da mortandade dos jovens, são mortos por causa do tráfico de drogas...Mas hoje com a corrupção que está aí, e o povo sabe da corrupção e ainda vota nos corruptos, conhece, são pessoas conhecidas, a gente tenta alertar, mas é indiferente pra eles. Hoje Montes Claros é uma cidade que está bem maltratada devido a essas situações... . Tem uma avenida que passa muito carro, veio dinheiro pra construir a avenida, construíram em outro bairro 155

que não tinha nada a ver, e é dessa forma que a gente fica triste com a cidade de Montes Claros, devido às más administrações.

As considerações das participantes revelam uma preocupação com os aspectos administrativos, o que me leva a perceber uma apreensão em relação ao planejamento da cidade. Essas, mulheres, a meu ver, têm, a seu modo, uma ideia bem definida do que seja um Plano Diretor que de fato atenda as necessidades e demandas do município.

No Brasil os planos diretores dos municípios de Santo André- SP e São Paulo-SP, de acordo com Gonzaga, vêm trabalhando e documentando como, a partir do olhar transversal de gênero, tentaram construir metodologias para que esse olhar reflita em ações concretas sobre a cidade. Segundo esta autora, o município de Santo André, na gestão do Prefeito Celso Daniel, do Partido dos Trabalhadores - PT, desenvolveu uma mobilização de mulheres para que propusessem diretrizes e ações específicas para o Plano Diretor, por meio da Assessoria dos Direitos da Mulher e de vereadores da Câmara Municipal de São Paulo. Ainda, de acordo com Gonzaga, o município de Santo André se antecipou:

A primeira experiência no Brasil a partir da qual o movimento de mulheres passou a discutir a gestão e reordenação democrática do espaço urbano foi um trabalho árduo, realizado em Santo André, que culminou com a inclusão de um plano setorial no Projeto de Lei do Plano Diretor – aliás, o único Plano Diretor do país a contemplar a questão específica da mulher –, intitulado Plano Municipal dos Direitos da Mulher, enviado à Câmara Municipal daquela cidade em 1991. Este processo representou um grande amadurecimento na discussão de mulher e cidadania (GONZAGA, 2011, p.38).

Foi possível, por meio do caráter interativo dos grupos focais, compreender algumas atitudes, preferências, necessidades e sentimentos das mulheres participantes. A discussão foi estruturada de tal forma que permitiu obter informações relevantes, a partir dos relatos e apontamentos apresentados pelas integrantes de cada grupo, tanto em relação aos tópicos específicos quanto às questões mais complexas

relacionadas a dificuldades, necessidades ou conflitos não claros ou pouco explicitados, como os que foram debatidos nos grupos.

De tal modo, confrontar as ponderações de cada grupo e, consequentemente das mulheres selecionadas para os GFs, trouxe esclarecimentos, revelando peculiaridades que as distinguem, mas também as coloca em pé de igualdade quando se trata de aspectos referentes às situações em que a elas é negado o direito de ir vir pelos espaços da cidade. No capítulo seguinte, as vozes das participantes nos darão uma dimensão desses aspectos de exclusão e possibilitarão entrever situações vivenciadas por elas que as coloca em nível de desigualdade em relação aos homens. Pois, conforme comenta Gonzaga (2011, p. 64), [...] ―nesse imbricar relacional, entre homem e mulher, é a mulher quem leva maior desvantagem. E ao aplicá-la nas estatísticas, nos diagnósticos aparecerá o que está explícito no espaço construído e em sua estrutura social‖.

CAPÍTULO 3