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Cria na cidade planejada, uma cidade metafórica ou em movimento como a

que sonhava Kandinsky: “uma

grande cidade, construída segundo todas as regras da arquitetura e frequentemente sacudida por uma força que desafia os cálculo”. (CERTEAU, 2008, p. 191).

3.1 CONFIGURAÇÕS SOCIAIS EM GRUPOS FOCAIS

A partir do enfoque da mobilidade espacial, apresento, neste capítulo, as vozes das participantes deste estudo, por meio das quais procuro analisar como as montes-clarenses vivem a cidade de Montes Claros, tendo em vista que cidades mais justas e democráticas podem ser medidas pelo grau de acesso das mulheres aos seus espaços. Assim, considerando que a categoria gênero é um dos elementos articuladores e estruturantes das relações sociais no contexto das cidades, aqui o tomo como código de condutas socialmente construídas e não como resultantes naturais das diferenças biológicas entre homens e mulheres. Pois segundo preconiza Scott:

O termo "gênero" torna-se, antes, uma maneira de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de idéias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (Scott, 1995, p.75).

Nessa perspectiva, procuro abranger, a partir dos relatos de minhas entrevistadas, como tem se estabelecido cotidianamente o acesso

das mulheres aos diversos espaços por onde se movimentam. Convém ressaltar que o acesso das mulheres à cidade pode, na maioria das vezes, estar impregnado de símbolos culturais, conceitos normativos, institucionalidades e subjetividades sexuadas que conferem ao homem uma posição, historicamente, dominante, como já aludido nos capítulos iniciais deste estudo. Todavia, entendemos que esses símbolos, conceitos e institucionalidades não são totalmente cristalizados, mas construídos de maneira relacional.

De tal modo, os lugares/espaços de constrangimento, como a rua em determinados horários, ou ambientes de confinamento, como as residências localizadas distantes dos bens e serviços, são elementos que tanto se referem às diferenças de acesso físico entre mulheres e homens a determinados espaços, como são barreiras (in)visíveis criadas pelo olhar e força daqueles que impõem sua ordem e alcançam legitimidade. Conforme adverte Rose,

os espaços da cidade possuem suas diferenciações internas e, no território conquistado pela força masculina, também existe o espaço do outro – o feminino. Nesse sentido, o outro não está necessariamente fora, mas, ainda que capturado e

oprimido, desenvolve estratégias

desconstrucionistas[sic], exercendo uma pressão para influenciar a ordem estabelecida. Desse modo, o feminino é também elemento do território do conquistador masculino (ROSE, 1993, p.86). Noutra passagem, a mesma autora pondera que a mulher não pode ser vista constituindo apenas um gênero, mas, também, a sexualidade, a etnia, a religião e a classe social a que pertence. Segundo Rose (1993), todos esses elementos são experienciados simultaneamente, podendo, portanto, subverter a ordem de forças entre ‗nós‘ e os ‗outros‘ devido à sua plurilocalidade nos espaços da cidade. Nesses termos, é possível conceber que há pluralidades de masculinidades tanto quanto existem de feminilidades e essas pluralidades não se configuram como blocos homogêneos. A realidade socioespacial é, pois, um campo contratual, por meio do qual é redesenhada, redefinida e, também, transformadora da acessibilidade das mulheres, sejam elas mães, trabalhadoras, chefes de família, engajadas em movimentos sociais, jovens ou não, escolarizadas ou não.

As entrevistadas residem em áreas diversas da cidade, são profissionais liberais, acadêmicas, engajadas em associações de bairros,

residentes em bairros periféricos, em sua maioria, são chefes de família e acessam, em virtude de suas necessidades e condição, sejam familiares, de trabalho, educação ou lazer, lugares/espaços que nem sempre lhes são favoráveis, considerando a ótica de dominação masculina. Assim, na perspectiva de que a estruturação espacial é uma dimensão específica e restrita da cidade, procuro, a partir das vozes das entrevistadas, abranger como se da a mobilidade dessas mulheres nos espaços da cidade, como elas se veem ao acessarem esses espaços e quais as percepções que têm desses espaços, bem como as estratégias que adotam para terem ―direito‖ aos espaços da cidade.

Destarte, como forma de abranger os pressupostos desta pesquisa, através da técnica de Grupo Focal, coletei dados diretamente das falas das participantes de cada grupo, os quais revelam suas experiências e percepções em torno do tema proposto. De acordo com GATTI (2005, p. 11) o trabalho com GF permite compreender os processos de construção da realidade por determinados grupos sociais, práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes. Sendo assim, constitui-se em uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada questão por pessoas que partilham alguns traços em comum, os quais são relevantes para o estudo do problema visado.

A metodologia de Grupos Focais possibilita, ainda, a coleta de dados qualitativos por meio de entrevistas caracterizadas pelo uso explícito da interação grupal para a produção de dados e insights, que seriam menos acessíveis fora do contexto interacional, ou seja, o GF permite a obtenção, para análise, de um material que não surgiria em uma conversação casual, nem em resposta a perguntas previamente formuladas pelo investigador.

Na intenção de atender as principais indicações para o uso do GF, apontadas por Nery (1997), delineei os grupos de forma coerente, tendo em vista a investigação proposta e considerando as motivações, desejos, estilos de vida das integrantes de cada grupo, garantindo a participação de todas na discussão. Para a explanação, procurei adequar o ambiente, tornando-o ideal para a realização dos encontros, levando em consideração a fácil acessibilidade, privacidade e conforto das participantes. Também atentei para as interferências sonoras, para a postura de acolhimento das participantes, procurando nos distanciar do tema, a fim de possibilitar posições contrárias de maneira respeitosa e hábil, uma vez que o grupo focal não é um texto com respostas certas e

erradas, espaço para preleções pedagógicas ou para persuasão, conforme adverte Nery (1997).

Para a composição do GF Morgan (1998) apud Barbour (2009, p.87), traz importante observação:

os grupos focais devem ser homogêneos em termos de contexto de vida, não de atitudes. Portanto, são estabelecidos alguns critérios associados às metas da pesquisa, sendo importante uma composição que se baseie em algumas características homogêneas dos participantes, mas com variações entre eles para que apareçam opiniões diferentes ou divergentes, a escolha das variáveis a serem consideradas depende do problema da pesquisa, do escopo teórico em que ele se situa e para quê se realiza o trabalho.

De

tal

modo,

tomando

como

referência

os

apontamentos

acima

considerei

a

homogeneidade

e

heterogeneidade da população alvo, bem como o número de