• Nenhum resultado encontrado

O poder na visão tradicional ou visão jurídica clássica é considerado por Foucault (2011), como um direito de que se seria possuidor, como um bem, um poder concreto que cada indivíduo detém e que cederia para constituir uma soberania política. Considerado um poder estático, algo a ser gerido, que reprime, que proíbe, poder que está centrado na lei. De acordo com esta concepção o poder sempre é exercido em uma relação negativa, significando rejeição, ocultamento, exclusão; e o poder é exatamente o que dita à regra, a lei, reduzido a ser legal-ilegal.

Porém, Foucault estuda e defende um poder dinâmico, relacional. O termo poder designa relações entre parceiros, individuais ou coletivos. Um conjunto de ações que se induzem e se respondem umas às outras. O poder é algo que se exerce em rede. Não existe uma entidade que centraliza o poder. O poder se exerce tanto no nível macro quanto no micro. Para que haja relação de poder, o outro, aquele sobre o qual a ação se exerce, deve ser inteiramente reconhecido e mantido até o fim como sujeito de ação (FOUCAULT, 1995).

Cabe ressaltar que este autor não formulou uma teoria ou uma metodologia sobre o poder. Ao escrever o texto “Por que estudar o poder: a questão do sujeito”, o autor expressa seus reais objetivos:

Eu gostaria de dizer, antes de mais nada, qual foi o objetivo do meu trabalho nos últimos vinte anos. Não foi analisar o fenômeno do poder nem elaborar os fundamentos de tal análise. Meu objetivo, ao contrário, foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos. Meu trabalho lidou com três modos de objetivação que transformam os seres humanos em sujeitos (FOUCAULT, 1995, p. 231).

Esta afirmação de Foucault é reforçada por Machado (2011, p. X) quando relata que, “não existe em Foucault uma teoria geral do poder”. Em suas análises o poder não é considerado uma realidade que possua natureza, ou uma essência definida por características universais. “O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente”. Em uma perspectiva evolutiva da

história do exercício do poder, Foucault refere que em um curto espaço de tempo, do século XVII até o século XVIII, ocorreram modificações que alteraram consideravelmente, a face do poder.

Inicialmente, o autor percebe a existência de “uma anátomo- política, isto é, a constituição, desde o século XVII, dos sistemas disciplinares modernos e sua nova tecnologia política dos corpos”. Ainda em suas pesquisas, se depara com “o aparecimento de uma bio- política” na segunda metade do século XVIII, ou seja, o surgimento de uma série de “novos controles reguladores” que incidem não mais somente sobre corpos individualizados, mas sobre o conjunto complexo e heterogêneo de indivíduos que formam a população (MACHADO, 2005, p. 124). Como consequência desta mudança na dinâmica do poder, ao longo do tempo, Foucault aponta, em linhas gerais, três grandes modelos de exercício do poder: o soberano, o disciplinar e o biopoder.

A política de soberania apresentava o soberano como aquela figura jurídica que mantinha ligações com um tipo específico de sociedade em que “o poder se exercia essencialmente como instância de confisco, mecanismo de subtração, direito de se apropriar de uma parte das riquezas: extorsão de produtos, de bens, de serviços, de trabalho e de sangue imposta aos súditos” (FOUCAULT, 2007, p. 148). Enquanto o poder soberano caracteriza-se pelo uso excessivo dos castigos e suplícios, a partir do final da época clássica começa a ganhar força a ideia de humanidade e de uma nova economia de poder que busca disciplinar os indivíduos e incidir sobre eles uma série de normas e regras que inserem seus corpos em um espaço de conhecimento, de saber e, claro, de ação mais eficaz do poder (SANTOS, 2010).

Apesar do poder soberano perder suas forças a partir do século XVII, com “a invenção de uma nova mecânica de poder, com procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos”, como refere Foucault, em Microfísica do Poder (2011, p. 187), tem-se, ainda nos dias de hoje, um sistema de direito, sábio e explícito – o da soberania, que juntamente com o mecanismo de disciplina, sistema implícito e obscuro, determinam o exercício do poder nas diversas sociedades.

Seguindo a evolução, o poder disciplinar se desenvolve com o objetivo de manipular os corpos, fazendo-os que sejam economicamente lucrativos, mantendo a sociedade industrial e capitalista da época. Foucault, segundo Machado (2011, p. XVII), define disciplina como “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade”.

Ainda, de acordo com Foucault, a disciplina possui características básicas como: tipo de organização do espaço - espacialização, onde a distribuição dos corpos no espaço é individualizado, classificatório e combinatório; controle do tempo, com objetivo de produzir com o máximo de rapidez e eficácia; a vigilância hierárquica, como instrumento do controle, olhar invisível, que permite ver tudo a todo momento, sem ser visto; sanção normalizadora; como a análise contínua das condições de disciplinamento e seus possíveis desvios; registro contínuo de conhecimento, ao mesmo tempo que se exerce o poder, se produz um saber. Importante salientar que estas características se inter- relacionam entre si (MACHADO, 2011).

Já no final do século XVIII e início do século XIX, o modelo político passa por uma nova reformulação, importante salientar que mesmo assumindo estas mudanças, os modelos citados, continuam arraigados na vida da sociedade, configura-se na vida como preocupação e a população como uma espécie viva, a biopolítica, e no momento de nascimento de um novo modo de poder, o biopoder (FOUCAULT, 2007). Complementando o autor, Santos (2010, p.48-49) escreve que:

A elaboração dos conceitos de biopoder e biopolítica se concretizou quando Foucault verificou o aparecimento ao longo do século XVIII e principalmente na virada do século XIX, de um poder que não se contentava com a aplicação de disciplinas e normas sobre corpos individualizados cultivados em instituições sociais. A disciplinarização e a normalização passaram, nesse período, a serem tarefas associadas à figura do Estado, sendo exercidas sob título de política estatal que planejava a administração da vida e do corpo da população.

É nesse sentido que Foucault pode afirmar que “a velha potência de morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida” (FOUCAULT, 2007, p. 152). Os escritos deste filósofo e historiador proporcionam uma compreensão sobre o poder que conduz ao entendimento das relações e dos diferentes jogos de lutas nos diferentes momentos históricos.