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1. FAMÍLIA E CASAMENTO

1.2 Considerações sobre os estudos da família no Brasil

Todas as discussões levadas à efeito na Europa influenciaram os estudos sobre a

23 família no Brasil, além da retomada de clássicos como Gilberto Freyre. A discussão tem origem mais precisa na década de 80, com a retomada da obra Casa Grande e Senzala de G.

Freyre, mas contestando o caráter patriarcal da família brasileira no Sudeste brasileiro, considerando-se o modelo exposto por Freyre, válido para o NE. Colonial. Ocorre que, segundo Almeida, 2001, Freyre não falava em modelo, mas em mentalidade, do ponto de vista histórico e nacional, compondo diferentes visões de mundo associadas às classes e grupos sociais, como um sistema de dominação e submissão, que caracteriza a intimidade da família patriarcal.

Almeida, (2001), entende a família brasileira a partir da retomada de Freyre, Ariès, Badinter e Flandrin, a partir dos quais é possível entender as bases da família e do casamento no Brasil baseado no Antigo Regime português que foi profundamente marcado pelo catolicismo da Contra-Reforma, pela presença marcante dos jesuítas e pelo clima de terror da Inquisição. Assim, “a bastardia, a prostituição e a mancebia eram instituições perfeitamente integradas no Antigo regime português no Brasil” e a mulher tornava-se cabeça do casal em caso de desaparecimento deste, segundo as Ordenações Filipinas. Assim, para entender a família nuclear moderna, é preciso entender as bases dessa família que G. Freyre chamou de patriarcal, assim como Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, mas cujas origens são bem brasileiras. Não houve uma Revolução burguesa nos moldes europeus no Brasil, que se opusesse aos proprietários rurais no Império e na República. A nova mentalidade sobre a família, no entanto, pôde chegar ao Brasil, assim como o ideal republicano, o higienismo, etc.

E no Brasil a ideologia da família burguesa encontrou “uma sutil combinação da mentalidade católica da colonização portuguesa, amolecida pelos costumes frouxos vigentes abaixo do Equador, com a gestada pela existência da família patriarcal rural e escravista. Esse

‘desembarque’, deu lugar ao confronto e à acomodação entre o ‘moderno’, que chegava da Europa e a mentalidade típica do país”. (ALMEIDA, 2001, p. 7).

A história do século XIX no Brasil é riquíssimo de exemplos desse entrelaçamento de como a classe dominante rural assumiu aspectos dessa nova mentalidade mais como signo de modernidade e marca de prestigio, como um ‘adorno’, mais formal do que real, nunca levando às últimas conseqüências a radicalidade burguesa. (ALMEIDA, 2001, p. 7).

Autores como Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala (2002) e Sobrados e

24 Mucambos (1996); Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936) evidenciaram a importância da família patriarcal para as relações sociais e a relação entre as mudanças econômicas e sociais e a estrutura familiar na constituição da sociedade brasileira.

Para Samara (2004), desde o início da colonização do Brasil, decorrente da estrutura econômica de base agrária, latifundiária e escravocrata, instalou-se uma sociedade do tipo paternalista, onde dentro da família havia um núcleo bem delimitado pelo dono da casa, sua mulher e a prole legítima. Esse núcleo era rodeado por uma “periferia” familiar composta por indivíduos como parentes, amigos, filhos ilegítimos, agregados, serviçais, afilhados e outros, ao qual se pode chamar de família extensa:

O chefe da família ou do grupo de parentes cuidava dos negócios e tinha, por princípio, preservar a linhagem e a honra familiar, procurando exercer sua autoridade sobre a mulher, filhos e demais dependentes sob a sua influência.

(SAMARA, 2004. p.12)

Portanto, essa estrutura de camadas formada pelo núcleo e seus agregados, constituía também parte significativa da vida econômica, social e política que em muitas vezes, exercia poder também sobre o Estado. Ou seja, o chefe da família participava ativamente de questões políticas e religiosas. Para Leite (2001), a manutenção do modelo familiar durante muito tempo no Brasil, implicava na imposição e arranjos por parte da família, na escolha do cônjuge, enquanto que a livre escolha do seu parceiro era característica das camadas mais pobres da população, negros, pardos, etc., mantendo-se assim até o início do século XIX.

Outro fator importante colocado por Samara (2004) é o de que o celibato era comum nesta época, fazendo assim, com que pessoas que permaneciam sozinhas muitas vezes compartilhassem ou não suas casas com filhos ilegítimos e agregados. Aspectos relevantes como o concubinato também presente e comum na mesma época, resultavam de certa resistência ao matrimônio:

Por outro lado, uma parcela representativa da população preferia permanecer no celibato ou simplesmente aderia às uniões ilegítimas, apresentando certa resistência aos apelos da Igreja em sacramentar essas relações. Isso ocorria também entre as camadas mais pobres, onde a escolha do cônjuge obedecia a critérios bem menos seletivos e preconceituosos. (SAMARA, 2004. p. 44)

Dentro das mudanças ocorridas no período do Brasil Colônia, Império e a partir de 1889, com a República, pode-se dizer que mudanças ocorreram, mas, a mulher continuou com

25 uma posição submissa dentro do casamento ainda decorrente do modelo patriarcal gerado no Brasil Colônia. Essa questão das diferenças de poderes entre homens e mulheres, principalmente após o casamento gerou muita polêmica. Mesmo recentemente, enquanto se assistia a uma evolução na indústria e o rápido desenvolvimento do país as mulheres ainda deveriam cumprir com um estereótipo de submissão e obediência perante seu marido, sobretudo do ponto de vista da Legislação. Para Maluf e Mott (1998), próximo à criação do Código Civil de 1916, a mulher permanecia diante desta inferioridade mesmo tendo passado tanto tempo:

Vale lembrar que o código Civil de 1916 guardou certa distância da legislação de 1890. Nesta, era conferida ao marido, sem qualquer dissimulação, a chefia da sociedade conjugal, bem como a responsabilidade pública da família, além de caber a ele a completa manutenção dos seus, e a administração e o usufruto de todos os bens, inclusive dos que tivessem sido trazidos pela esposa no contrato de casamento. No código de 1916, a manutenção da família passou a ser responsabilidade dos cônjuges. Uma perversão jurídica, no entanto, perpetuava a submissão da esposa ao marido:

o direito da mulher casada ao trabalho ia depender da autorização dele ou, em certos casos, do arbítrio do juiz. (MALUF e MOTT, 1998, p. 375-376.)

Segundo D'Incao (1989), no século XIX gerou-se a partir do engessamento nos arranjos matrimoniais e da submissão da mulher ao marido, um conflito que influenciava os mais velhos a manterem e exigirem uma estrutura que se podia denominar tradicional, versus os mais novos que já acreditavam no casamento por livre escolha de seus cônjuges. Isso significa que, enquanto os jovens lutavam pela escolha de seus parceiros, os mais velhos defendiam a união por escolha dos pais e da família. Leite (2001) segue com um ponto de vista similar ao de D’Incao (1989) afirmando que “A livre escolha do parceiro sexual aparece como aspiração desde o início do século XIX, mas era encarada então como estrangeirismo nefasto pelos poucos que se dignavam considerá-la.” (LEITE, 2001, p.58).

Além do casamento por livre escolha, outro grande conflito com a antiga estrutura eram os divórcios. Samara (2004), afirma que apenas hoje em dia o mesmo é reconhecido, não levando em consideração, que as pessoas já se divorciavam desde o período colonial por motivos parecidos com os encontrados atualmente:

Sabemos que no Brasil, a partir do século XVIII, casais provenientes de diversas camadas sociais se divorciavam, resolução que era entendida legalmente pela Igreja e pelo Estado como a separação de corpos e de bens,

26 não abrindo para os cônjuges possibilidades de novas núpcias. (SAMARA, 2004. p. 67-68).

No entanto, foi apenas em 1977, através de alterações constitucionais, que se admitiu a dissolução do casamento através do divórcio, que possibilitava uma nova união. (Rocha, 2003).

As últimas mudanças jurídicas em relação à família e ao casamento ocorreram no Brasil através da Constituição de 1988. Para Koerner (2003), a Constituição implicou em mudanças que refletiram nos direitos do brasileiro, sendo que as transformações ainda estão ocorrendo. Rocha (2003) ainda coloca que antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 o casamento objetivava constituir a “família legítima”. No entanto, após a Constituição Federal, proibiu-se qualquer tipo de discriminação, sendo considerados novos objetivos para o casamento como descrito abaixo:

O Fim do casamento não pode ser resumido à constituição da família; ele visa realizar a felicidade humana entre duas pessoas. O casamento é o meio jurídico de criar as mais estreitas relações que duas pessoas do sexo oposto possam ter. De acordo com o art. 1511 do novo Código Civil, ‘o casamento estabelece comunhão plena de vida’. (ROCHA, 2003, p.31)

Atualmente, parte-se do pressuposto de que qualquer casal pode se casar legalmente não havendo nenhuma dívida com a Lei, com exceção de casais homossexuais ainda não protegidos, como observa Rocha (2003):

A família pode ser formada pelo casamento, pela união estável entre homem e mulher, pela procriação natural e artificial e pela adoção. O enquadramento das relações homossexuais no âmbito do Direito de Família é bastante discutível. Duas orientações controvertem. A Primeira considera conservadora, insiste em negar à relação homossexual abrigo no Direito de Família, localizando-a no campo do Direito das Obrigações ao classificá-la como pura sociedade de fato. Provada a existência de uma sociedade de fato, caberia apenas regular o destino dos bens adquiridos na constância da sociedade, por ocasião da sua dissolução. A segunda, considerada progressista, relega a segundo plano a diversidade de sexos e incluía relação homossexual no campo do Direito de Família. O novo Código Civil não incluiu no campo do Direito de Família as relações homossexuais. Perdeu a oportunidade de dar a tão controverso tema um tratamento adequado.

(ROCHA, 2003. p.17-18).

27 Apesar do relacionamento homossexual não estar protegido pela lei, observa-se que diferente deste, os casais heterossexuais possuem atualmente o direito de casar-se e separar-se. Dias (2006) coloca que decorrente desta facilidade em unir-se e separar-se se encontram hoje em dia novas composições da família, ou seja, existem formas alternativas de organização familiar que foge àquele modelo “patriarcal” já discutido anteriormente. Em síntese, a autora afirma que a família patriarcal foi substituída pela família conjugal moderna.

A autora diz que as famílias se encontram cada vez mais reduzidas em seu tamanho com uma tendência à nuclearização. Isso quer dizer que se encontram hoje em dia, famílias compostas apenas por pai, mãe e filhos ou até mesmo as consideradas “incompletas”, onde a mãe é a única responsável pela educação e criação dos filhos. Várias pesquisas atuais demonstram o crescimento do número de mulheres inseridas no mercado de trabalho e o papel da mulher como chefe de família. Em 2005, 30,6% das famílias brasileiras residentes em domicílios particulares eram chefiadas por mulheres (IBGE, 2006 p. 163, gráfico 5.1). No trabalho de Bruschini (2007) sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho, a autora afirma que entre 1992 e 2005 houve um crescimento significativo de mulheres no mercado de trabalho, apesar das condições nem sempre serem favoráveis ao sexo feminino. A autora também coloca a posição da mulher como desfavorável pelo fato de além de trabalhar fora, ainda lhes serem atribuídos afazeres domésticos e familiares. Além dessa família reduzida, dentro destas novas composições se encontram famílias de pais separados, onde cada pai se casa com outra pessoa, formando então outra família.

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