• Nenhum resultado encontrado

Considerações sobre o pobre do ponto de vista da teologia da libertação

Capítulo 3: A SOLUÇÃO ESTÁ NO FOGO: TEM QUE QUEIMAR O MUNDO

3.2. Considerações sobre o pobre do ponto de vista da teologia da libertação

A Teologia da Libertação surge de uma necessidade de compreender a fé oriunda da práxis histórica, libertadora e subversiva dos pobres deste mundo, das classes exploradas, das raças desprezadas, das culturas marginalizadas. Nasce da inquietante esperança de libertação, das lutas dos fracassados e das conquistas dos próprios oprimidos.

A teologia da libertação tem suas raízes históricas na cultura e na religião popular. Tem como personagem principal o pobre, excluído, marginalizado, miserável. Esses são os verdadeiros privilegiados, porque podem desfrutar da presença e da verdadeira revelação sobre Deus. Segundo a posição de Pablo Richard172, Deus vive e se revela no mundo dos

171 Bíblia de Jerusalém, p. 1073.

172 Pablo Richard em Marc H. Ellis y Otto Maduro (editores), Teologia y libertação – perspectivas y desafios.

pobres e em suas luta de libertação. “Os pobres normalmente descobrem o Deus verdadeiro em sua luta cotidiana pela vida”.173

Ser livre é ter capacidade de viver, discernir e expressar a presença de Deus. Significa ter terra, ter trabalho, ter comida, ter saúde, ter casa, ter meio ambiente e ter descanso. Porém o pobre, de modo abrangente, é desprovido de todas estas características. Por isso, a presença de Deus na vida deste é uma primazia, é um consolo e uma forma de esperança.

Muitos acreditam que o que destrói a espiritualidade é o ateísmo. Entretanto, o que de fato interrompe o relacionamento com Deus é a idolatria, é a espiritualidade da morte. Atualmente, a espiritualidade da morte invade a sociedade e perverte o sentido de Deus na vida dos homens. O fruto da idolatria é a morte e a raiz do pecado social é a idolatria. É nesse sentido que a teologia da libertação ajuda a discernir entre o Deus da vida e os ídolos da morte.

A idolatria pode ser entendida por uma perversão ou substituição, pois perverte o sentido de Deus, ou substitui o Deus verdadeiro por outros deuses. A idolatria como substituição transforma coisas em sujeitos e seres humanos em coisas. De toda forma, a idolatria permite aos sujeitos e aos produtos humanos idolatrados dominar, oprimir e até matar em sã consciência, utilizando o no me de Deus. Assim, a idolatria transforma o sujeito dominante em um ser todo-poderoso e divino.174

A espiritualidade da morte é o que é desejado pelos marginalizados. Ou seja, a morte dos oprimidos é a única solução para as discrepantes diferenças socioeconômicas. Porém, biblicamente, esse conceito é contra a Palavra de Deus, já que Deus se revelou aos pobres, pelos pobres e para os pobres. Os pobres são personagens da total atenção de Deus, segundo a teologia da libertação. E Deus deu-lhes a vida para ser vivida em abundância. A pobreza material não é querida por Deus, nem está em seus planos para a vida do homem. Representa uma contradição com sua vontade. É um fato que deve ser denunciado e condenado.175

173 Pablo Richard, A força ética e espiritual da teologia da libertação – no contexto atual da globalização, São

Paulo, Paulinas, 2003.p. 103, (224p.).

174 Pablo Richard, A força ética e espiritual da teologia da libertação – no contexto atual da globalização,

p.102.

115 Os pobres na Bíblia são inocentes, são injustiçados, que clamam por justiça. O sofrimento, nesse caso, indica a iniquidade de quem oprime e faz sofrer. Ou seja, o sofrimento do pobre é consequência do pecado do opressor. Logo, esses inocentes merecem a justiça divina. A situação de pobreza deve ser rejeitada e os pobres devem ser assistidos em solidariedade e amados, pois são vítimas coniventes da opressão que os desumaniza.

A revelação, que Deus forneceu aos pobres, não é apenas de sua pessoa, mas da vida, do mundo. Essa revelação é a capacidade de discernir historicamente os mecanismos de uma sociedade capitalista, centrada no lucro privado e na propriedade privada visando ao lucro. É saber clamar pela dignidade humana. É tornar-se consciente de seus condicionamentos econômicos e socioculturais.

Por isso, em Jesus Cristo realiza-se uma nova criação, a nova aliança: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que tudo se fez novo ” (2Co 5,16-17). Em Jesus há um novo começo regido pelo mandamento “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jó 15,12). Deus fez-se pai de toda a gente e os homens se reconheceram como filhos e irmãos. Na nova aliança o homem é amigo de Deus e não servo. Essa aliança passa pela morte e é selada com a ressurreição. A morte de Jesus é a expressão máxima da luta pela justiça do povo. Jesus identificou-se com os pobres e lutou por eles.176

A mensagem que Jesus anunciou ao mundo propunha destruir a imagem de uma fé ligada a uma ordem social injusta. Jesus apresentou uma fé pautada no amor. O amor está na mesma fonte de nossa existência. Por isso, só nos realizamos amando. Crer em Deus é amar. Amar é ser solidário com os mais fracos, com os explorados e com os oprimidos. Crer em Deus é imitar o exemplo de Jesus: anunciar o reino a partir da luta pela justiça, o que o levou à morte.177

A fé em Jesus implica ruptura. Significa penetrar em um mundo novo: “O Senhor disse a Abraão: ‘Sai de tua terra, da tua pátria e de tua casa paterna e vai para a região que eu te mostrarei’” (Gn 12,1). E Deus cumpriu sua promessa na história. A fé só se torna verdade no nível da prática. Do mesmo modo, a vida pascal é a vida da prática: “Nós sabemos que

176 Gustavo Gutierrez, A força histórica dos pobres, p.29. 177 Gustavo Gutierrez, A força histórica dos pobres, p.34-35.

passamos da morte para vida, porque amamos os irmãos” (1 Jo 3,14). Deus continua sua revelação na história de Jesus. Jesus é o cumprimento e a reafirmação da promessa do amor. Por isso ele é a verdade. A verdade do Pai.

Mais de um terço da humanidade é considerada população sobrante e inútil. São desprezíveis. Esses excluídos gritam como Jó. Gritam pela vida. Clamam por socorro. Esses gritos não podem ser ignorados, devem ser ouvidos e respondidos. Dessa maneira é possível encontrar o verdadeiro Deus. O Deus do amor e da vida. Em que a lógica do neoliberalismo é quebrada e a lógica da inclusão e da solidariedade ganham sentido.